26 julho, 2004

Querer não é desejar

Muita gente se expressa assim, quando algo não vai bem:"Queria tanto que tal acontecesse...". Nessas horas, cabe a pergunta: -"Queria mesmo?" Ou como aquele bordão antigo, num homorístico em que Jô Soares exclamava, irônico: -"Querias!". Quantos de nós respondemos a um convite, com a indefectível fórmula: -"Gostaria muito de ir.". Quando usamos a esfarrapada desculpa do "ah! esquecí-me!, nosso interlocutor nos olha com ar de desprezo ou ironia, como se dissesse: -"Arranja outra desculpa, ô meu!
Parece que sabemos, mesmo sem teoria alguma, que há uma diferença enorme entre DESEJAR e QUERER. O "querer" é algo consciente, dito abertamente ou não. Quero isso e não quero aquilo. O "desejar" mora em outro cenário, bem mais embaixo, lá no "porão" do inconsciente, e nem sempre é tão acessível. Pode até acontecer de a gente "querer" o que não se deseja e "desejar" algo que, conscientemente, negamos. Tratam-se de desejos inconfessáveis, socialmente incorretos, o dos quais nos envergonhamos.
Mas esse desejo é poderoso, tanto assim que, sem mais nem menos, cometemos um "ato falho": um esquecimento, um gesto, uma fala que nos traem, desnudando o que estava escondido (muitas vezes escondido até de nós mesmos).
Freud, o criador da Psicanálise, escreveu um livro sobre isso: Psicopatologia da Vida Cotidiana. Nessa obra, de linguagem elegante e acessível, ele ensina que o pensamento aparentemente mais sem sentido, o lapso mais casual, o sonho mais fantástico possuem um significado que pode servir para desvendar os segredos da mente. (Você não vai se arrepender de ler.)
O sofrimento de cada um se constitui, no fundo, no fundo, num conflito entre o "querer" e o "desejar", muitas vezes incompatíveis. A gente acaba aprendendo que vai ser necessário fazer algumas concessões, tanto de um lado quanto de outro, e que o fato de não se poder ter tudo não é o fim do mundo. Aliás, o "desejo" nunca se realiza completamente, estando o "objeto desejado" escorregando sempre para um mais além, o que, graçasadeus, sustenta o próprio desejo.
Nós não somos donos do nosso desejo, mas somos responsáveis por eles. Como nem sempre se coadunam "desejo" e "querer" mais os "laços sociais" que se tramam ou se desfazem de acordo com a cultura, ficamos por aí, "peregrinando neste vale de lágrimas" que é a nossa vida, pontuada de momentos felizes.... Agora, tem uma coisa: quase sempre, para não dizer sempre, somos presenteados de acordo com nosso empenho. Sem esforço, nada feito.