07 março, 2011

Uma lembrança infantil

As lembranças infantis, ensina-nos a psicanálise, podem referir-se a fatos reais ou imaginários, constructos elaborados ao longo do tempo, fantasias encobridoras ou elaborativas. Podem ser formadas com fiapos de acontecimentos, condensando fragmentos de vivências em uma recordação bem estruturada, porém jamais acontecida como acreditamos que tenha sido.
Por isso, cabe ao analista desconfiar de explicações encontradas pelos analisandos para justificar a origem de seus sofrimentos, quando eles se aferram a tal ou qual lembrança, juram que o fato aconteceu e deduzem que, a partir de então, sofrem do sintoma atual.
Não se pode descartar a memória enxertada, quando se inoculam informações inverídicas a lembranças verdadeiras, a tal ponto que não mais se consegue distingui-las. 
Alguém pode, pois, introduzir falsos elementos para que o recordado tenha linearidade, coerência e completude, principalmente quando faltam detalhes importantes, o que comprometeria a veracidade do relato.
Fala-se de casos em que o adulto enxerta falsidades na mente de outrem, com objetivo de mascarar os reais acontecimentos, principalmente para livrar-se de alguma culpa ou obter certo tipo de vantagem. Por exemplo,   em caso de casais separados, um dos parceiros pode inocular nos filhos ainda pequenos informações desabonadoras sobre a outra parte, numa tentativa de, mais tarde, justificar os próprios erros e garantir boa imagem.
Poderíamos discutir mais os fenômenos psico-emocionais que envolvem nossas lembranças, mas prefiro explorar uma anedota que acompanha minha biografia.  
O fato que relatarei, com as ressalvas enunciadas acima, compõe meu acervo de memórias infantis e foi evocado a partir da foto abaixo:

Foto do album familiar da Família Costa (Nova Era-MG)
Trata-se de fotografia pela qual tenho carinho especial, pois apareço com idade aproximada de 3 anos. Suponho que estivesse na ponta dos pés a estender a mão em busca de alguma guloseima sobre a mesa. Se quisesse  inventar, diria que me esforçava para conseguir um brigadeiro... (é claro, porém, que seria uma lembrança enxertada ou fantasia pura).
Chama-me atenção o fato de ser a única criança a participar de uma refeição de adultos bem mais velhos, que nomearei da esquerda para a direita: meu avô Ilídinho, minha bisavó Mandidina, os tios-avós Otaviano e Sá Nôra, todos da linhagem paterna. Lembro-me com clareza de cada um deles , exceto da bisavó, que teria falecido um ano após esta foto.
Pois bem, a lembrança  que relatarei, na verdade, talvez não seja propriamente uma lembrança, mas tem a força do testemunho de minhas tias e de meus pais. 
Com efeito, são eles que me garantem a veracidade do episódio no qual fui protagonista,  por ocasião do velório de Mandidina.
Lembro-me -já criei memória pessoal- de que acompanhava os preparativos do sepultamento de minha bisavó, quando os adultos (Tia Irani, em especial) enfeitavam o caixão com flores, guirlandas, fitas, etc. Num certo momento,  deram-se conta da falta de barbante para fixar os arranjos florais. 
Ao perceber o impasse, ofereço-me:
- Vou lá na venda (pequeno armazém do Vovô Ilidinho, a pouco mais de 200m) e busco!
De imediato, disparo a correr pela rua estreita e sem calçamento, uma poeira só. Carrego o rolo da loja e chego ofegante:
- Olha o barbante aqui!, exclamo.
Minha tia e as primas, impressionadas com minha presteza em resolver o problema, indo num pé e voltando noutro,  começaram a elogiar-me:
- Que menino prestativo, educado, esse Claudinho...
Fico todo orgulhoso e digo com a maior naturalidade:
- Não se preocupem, quando morrer mais alguém, eu busco mais barbante! 

06 março, 2011

Dourada ao molho mediterrâneo

Esquina de BH durante o Carnaval 2011 (Photo by Claudio Costa)
Pode ser Carnaval, mas a cidade de Belo Horizonte não sabe o que venha a ser 'tríduo momesco'. A prefeitura insiste em oferecer desfile de escolas de samba. Tudo bem, há quem acredite na existência de tais grêmios recreativos por estas bandas e, pior, há quem goste. 
Falam de desfiles a ocorrer em improvisado sambódromo, cuja localização desconheço e de que, por sorte, estou longe.
O silêncio por aqui é um prêmio para quem deixou de viajar, enfrentar horas de engarrafamento e tensão pelas rodovias mortíferas. 
- Estás pessimista, dirão alguns.
- Estou é feliz, retrucarei.


Para enriquecer mais ainda o momento de tranquilidade, resolvemos (Amélia e eu) testar esta receita.
Filé de dourada (Photo by Claudio Costa)
Começamos fatiando filés de dourada (dourada é do mar, dourado é de rio - aprendi) e empaná-los  em farinha de trigo temperada com sal e pimenta-do-reino.

Enquanto o peixe absorvia o tempero, preparamos os ingredientes do molho mediterrâneo: tomatinhos italianos partidos ao meio, azeitonas pretas, champignons, alcaparras, alho, manjericão. Tudo foi refogado rapidamente numa boa porção de azeite extra virgem, corrigindo o tempero com pitadinhas de sal.
Molho Mediterrâneo (Photo by Claudio Costa)

O aroma espalhou-se para além da cozinha, dando-nos a certeza de que atingiríamos o estado-de-arte já na primeira tentativa. 



Hora de "selar" o peixe. 
Depositamos cuidadosamente os nacos empanados de dourada numa frigideira de ferro, bem aquecida com duas colheres de azeite.
Bastaram dois minutos de cada lado para que chegassem ao ponto.

Abrimos um Trumpeter Carbenet Sauvignon, produzido pelos hermanos argentinos. Um bom tinto cujo aroma anunciava ótima qualidade, o que se comprovou na textura aveludada e sabor marcante. 
- Vai harmonizar com o peixe ao molho mediterrâneo, pensei.

Com efeito, o ato seguinte foi atender ao apetite que se aguçara com tantos estímulos:

Dourada ao Molho Mediterrâneo (Foto by Claudio Costa)
A sobremesa (ninguém é de ferro!) ficou por conta da Amélia, que nos serviu  delícia rara: compota de jabuticaba, adquirida no Mercado Central de Belo Horizonte.  Quem quiser que procure por lá, pois os tesouros demandam sacrifícios, dizem os filósofos.
Compota de jabuticaba, servida com sorvete de creme (Foto by Claudio Costa)