22 fevereiro, 2010

- Não é bem isso o que eu queria dizer...

Alguns estudiosos da linguística defendem que o sentido das palavras só existe na medida em que há uma contraposição, uma diferença, uma outra possibilidade, uma particularidade. Nomear é diferenciar.


Parece estranho, mas não é. Toda afirmação existe em oposição a uma não-afirmação, mais especificamente a uma negação.

Muitos devem se lembrar daquele bebê da Família Dinossauro que invocava o papai Dino como
"Não-é-a-mamãe". O "pai" só aparece por ser outro que não a mãe.

Aprendemos com René Spitz em seu livro
"O não e o sim" (No and yes. On the Genesis of Human Communication. International Universities Press, Inc. New York, 1957) que a primeira palavra com sentido semântico pleno utilizada pela criança é o NÃO, embora muitos pais e mães se encantem com os balbucios de seu filhote (papá, mamã) e disputem qual deles foi primeiramente nomeado.

O conversar comum, cotidiano, progride e se prolonga através de mal-entendidos, desmentidos e correções, logo seguidas de novos dizeres, cada vez mais necessários: "Não é bem assim", "O que eu queria dizer mesmo é...", "Você não entendeu direito", "Exatamente o que aconteceu?", "Quando falei tal coisa, é porque...", "Como assim? Explique melhor"...

Neste pequeno texto que estou escrevendo, cada parágrafo procura reforçar o anterior,
re-afirmar a idéia, prevenir possíveis distorções no entendimento, convencer pela repetição, demonstrar o que foi dito, etc. A linguagem, definitivamente, é capenga e insuficiente para dizer tudo...

Já em 1901,
Freud publicou um delicioso artigo, intitulado Psicopatologia da vida cotidiana (Psychopathology of everyday life), no qual aborda o tema dos atos falhos.

O conceito de ato falho (Fehlleistung, em alemão) não constava nos manuais de Psicologia e foi inventado por Freud. Na tradução inglesa, traduziu-se como parapraxis (parapraxia, em português).

[Parapraxia, segundo o Houaiss, é um termo originado diretamente do grego, pela justaposição do prefixo "par(a)" com o substantivo "praxis" = ação. "Par(a)" tem muitas acepções: 1) 'proximidade': parágrafo, paraninfo, paratireóide, parenteral, parêntese, parótico, parótida; 2) 'oposição': paranomia, paradoxo; 3) 'para além de': parapsicologia, parapsíquico; 4) 'defeito': parafasia, paralexia, paramimia, paramnésia, paraplegia; 5) 'semelhança': parastaminia, parastêmone, parastilo].

Na tradução brasileira das Obras Completas de Freud (Edição Standard, Editora Imago), encontramos a expressão ato falho, que pode ser, por exemplo, o esquecimento de algo importante, de um nome, o desvio em um trajeto predeterminado, a troca de palavras, etc. Distingue-se do erro comum, fruto da ignorância, imperícia ou conveniência. Ao cometer um ato falho, ninguém pode dizer "Eu não sabia" nem é possível renegá-lo: cai-se o véu, desvela-se algo oculto.

Os atos falhos são também conhecidos como lapsos (do latim, lapsus = escorregar, escapar) , aparecendo em compostos:
  • lapsus linguae = erro acidental ao falar, que altera o sentido que se pretendia dar à frase e que é interpretado (por influência da psicanálise) como expressão de pensamentos reprimidos;
  • lapsus calami = erro acidental ao escrever (do latim, calamus = caneta, pena com que se escreve);
  • lapsus memoriae = falta de lembrança; recordação defeituosa ou inexata.
A descoberta freudiana do significado dos atos falhos é tão importante quanto sua teoria acerca da Interpretação dos Sonhos.

Elementos dos sonhos e das parapraxias são indicadores de que existem conteúdos inconscientes, reprimidos, que
saltam à luz por uma falha nas defesas do sujeito. Portanto, são um caminho privilegiado para o entendimento da vida psíquica normal, assim como as descobertas anteriores permitiram a Freud teorizar sobre as neuroses.

Psicopatolgia da vida cotidiana foi muito valorizado pelo criador da Psicanálise pois, segundo ele, "seria imune a objeções, já que os atos falhos eram fenômenos experimentados por qualquer pessoa normal".

O artigo é muito interessante, tem uma linguagem clara e acessível, ilustrada com uma série infindável de exemplos. Há o orador que, ao abrir uma sessão solene, diz: "Tenho muito prazer em
encerrar esta sessão!", deixando evidente seus desprazer em estar ali.

A tese central de Freud é que os atos falhos, incluindo-se os lapsus linguae, são determinados por elementos que o sujeito não pretendia enunciar e seu significado oculto só aparece justamente na hora em que escapa ao controle da repressão. Assim, no velório, o cunhado diz para a viúva: "Meus parabéns", ao invés de dizer: "Meus pêsames". São eventos tão comuns e óbvios, por isso Freud os inclui como exemplos da psicopatologia da vida cotidiana.

O enunciante é surpreendido pelo que acaba de falar. Pode até ocorrer que ele não perceba, mas o interlocutor não deixará passar em branco. Pode provocar risos ou desconcerto, dependendo do conteúdo
revelado.

O conceito de ato falho já caiu no domínio do senso comum. Tanto assim que o próprio Presidente Lula, se interpretou, ontem pela manhã, durante entrevista, conforme divulgado na TV e
jornais:

"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje de manhã, em entrevista coletiva a nove emissoras de rádio, que irá "sim disputar as eleições" em 2006. Depois, corrigiu a informação, negou que já tenha se decidido pela reeleição, e disse ter cometido "um lapso". "Na verdade, a intenção era dizer se eu for para a disputa", esclareceu. Ele assegurou que não tem pressa de decidir sobre a reeleição."

Ao negar o que dissera, provoca apenas riso e descrença. Insiste: "na verdade, a intenção era...". Mas se ele mesmo reconhece um lapso, então deve saber que o dito escapou, era algo reprimido, mas escapou! Ou seja, quando diz sim, querendo dizer não, o que vale é o sim! Vale o dito.

Belo Horizonte's sunset

Sunset 
Foto obtida hoje, 21.fev.2010. Photo by Clcosta.

17 fevereiro, 2010

Dois lobos?

Certo noite, um velho índio Cherokee falou a seu neto a respeito da batalha que se trava dentro de todas as pessoas.
Ele disse:
- Meu neto, existe uma batalha dentro de todos nós.
Um é mau: é a raiva, inveja, ciúme, tristeza, arrependimento, a cobiça,
arrogância, auto-piedade, culpa, ressentimento, inferioridade, mentiras, falsas
orgulho, superioridade e pura racionalidade.

O outro é bom: é alegria, paz, amor, esperança, serenidade, humildade,
bondade, benevolência, empatia, generosidade, verdade, compaixão e
fé.

O neto pensou naquilo por alguns minutos e perguntou ao seu
avô:
- Qual lobo vence?

O velho Cherokee simplesmente respondeu:
- O que você alimenta.

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Recebi e repasso.

Sistema de comentários

Este blog sempre esteve aberto a comentários. Afinal, uma das características desta ferramenta é a interação com os possíveis leitores.
Até ontem, funcionava o Haloscan, que interrompeu o sistema gratuito e está oferecendo a continuidade do serviço por alguns dólares anuais.
Por ora, vou tentar a própria configuração do Blogger. Até agora não consegui.
Se alguém quiser deixar seu comentário, pode enviar email para:
clcosta@ipvip.com.br
Um abraço, Cláudio.

16 fevereiro, 2010

Last chance Harvey (minha 'fuga' no Carnaval)

Já sabia que "Last chance Harvey" (Tinha que ser você) era um drama romântico um tanto leve, quase água-com-açucar. Mas é difícil resistir à chance de ver Dustin Hoffman e Emma Thompson juntos.

O filme se desenvolve em mix de tristeza, ansiedade, esperança, humor e comédia de costumes, numa Londres ensolarada de verão. É a história de duas pessoas maduras, cada qual em sua solidão, que resistem a correr os riscos da entrega amorosa, após sofrerem decepções. Mas, como sempre (?), sempre há uma chance, a última, ou não seria um filme hollywoodiano.
Joel Hopkins, diretor ainda novo e de curta filmografia, dirige com competência e foi feliz na escolha dos atores (afinal, ambos já são laureados em Hollywood) e parecem se divertir.

É um filme previsível, nada ambicioso, simples e se utiliza de certos clichés. Mas não há carnaval no filme e no conforto do sofá, pipoca estourando no micro-ondas, guaraná antárctica geladinho e boa companhia, foi mais uma boa 'fuga'.

15 fevereiro, 2010

Praça JK (minha 'fuga' no Carnaval)

 

Manhã de sol, brisa do mar... epa! BH não tem mar, não! Mas a brisa suavizava o calor da manhã e caminhar na Praça JK foi o programa ideal. Poucas pessoas, pistas livres, mp3 nos ouvidos... cada volta são 750m, marcados no chão pra ninguém me desmentir.
Se disser que dei muitas voltas, dirão que exagero. Se confessar que completei três em 30min dirão que sou lerdo.
Fazer o quê?
Vou ali tomar uma água de côco que ninguém é de ferro.
Ah! que a brisa era do mar, lá isso era!

14 fevereiro, 2010

Inhotim (minha 'fuga' no Carnaval)

Este domingo foi em Inhotim: Centro de Artes Contemporâneas de Inhotim.
Conhecemos o C.A.C.I. em 2006 ( fiz um post sobre nosso deslumbramento) e desde então voltamos lá periodicamente).


Hoje foi especial, pois tivemos a companhia do filho Ângelo e da norinha Renata, além de nos encontrarmos, lá, com alguns amigos e amigas.
Isso é que é Carnaval. O resto é baticum...
HomePage oficial.

13 fevereiro, 2010

Avatar (minha 'fuga' no Carnaval)

Agora que a onda passou, fomos (Amélia, eu, o filho Ângelo e a nora Renata) assistir Avatar, mega sucesso do momento (blockbuster, como dizem lá no Império.
Existem mil resenhas do filme, comentários pró e contra, críticas enfocando o aspecto técnicológico e inovador, interpretações várias.
Realmente, a 'experiência' visual 3D é arrebatadora, pois o espectador se vê dentro da ação, com sensações quase físicas de proximidade com objetos e atores. Não é novidade absoluta, pois na década de 50 houve vários lançamentos em 3D, com aqueles óculos ridículos obrigatórios para que o efeito visual se realize.
Assim, recebemos os nossos 'apêndices visuais', que utilizei tranquilamente, sem incômodo, por cima dos habituais.
A história é boa, prende a atenção e se vale de mitos ou arquétipos já visitados nos romances, nas tradições e em outros filmes: uma história de redenção e transformação, luta em defesa da natureza frente ao avanço desenfreado e violento do explorador, etc.
Valeu a ida ao cinema, na tarde tranquila deste sábado de carnaval, sem atropelos, sem baticum, sem pressa, sem engarrafamento, sem...