Puxando a sardinha - ou melhor - o tonel pro meu lado vinhateiro, vão aqui algumas dicas de boa saúde, física e mental. Foram recolhidas, "de orelha", da tradição catalã, terra boa da Espanha, ou Galícia dos velhos tempos. São criações populares que provêm, geralmente, da observação empírica, portanto não podem ser entendidas de acordo com a ciência biomédica, mas eu cá não sou bobo, anotei, pois nunca se sabe...
Muitos destes ditados foram coligidos por médicos e se conectam com aforismos hipocráticos, com sentenças galênicas e prescrições avicênicas. Se isso não garante, também não atrapalha. Na tradição catalã, temos dois exemplos clássicos: “Vinho de Guadalajara, todo mal me sara” e “Vinho de Madrigal, livra-me de todo o mal.” Propagam-se por praças e ruas da Galícia os relatos alusivos aos efeitos curativos do vinho, principalmente do tinto.
Uma pessoa de classe média e razoavelmente ilustrada conta: uma senhora estava internada num hospital de Zurich em estado de agonia ou quase; seu filho, aproveitando-se de pouca vigilância, conseguiu burlar as normas do pessoal sanitário e introduziu na UTI uma garrafa de vinho tinto e deu, aos pouquinhos, para sua mãe, que tomava de bom grado. Após algum tempo, ela se mostrou mais animada. Viveu meses.
Outro caso: Ricardo, relojoeiro na província de Rosal, cantava uma expressiva cantiga popular que descrevia a confiança nas virtualidades terapêuticas do vinho: “O vinho de Rosal / de Rosal/ é vinho de Goián, de Goián / é a cura radical/ radical / cura todo o mal.”
Acredita-se, ainda na força catártica do vinho: tanto no plano físico como agente purificador dos vírus e partículas nocivas que se alojam no organismo ou que nele se introduzissem, como no plano psíquico. Há um relato que atribui a Frei Don Veremundo de Rebordechán, prior dos sanxoanistas de Beade, em sua obra “O desengano do prior”, a crença na “força catártica” do vinho. Este autor atribui ao “sumo da uva” sua virtude purificadora e depurativa, além de capacidade de servir de antídoto contra substâncias tóxicas. Na peça teatral nomeada anteriormente, descreve-se a vida de um personagem, o Rei Don Sancho, que teria sido envenenado por uma maçã e, por não ter tomado umas taças de vinho tinto, acabou vencido pelo veneno.
Víctor Lis Quibén assinala em seu “A medicina popular na Galícia” que, para a cura das enfermidades em geral, existiam bruxos que faziam uns xaropes à base de ervas diversas, vinho e aguardente. Cita uma receita de um curandeiro de La Coruña, conhecido como Pepe do Boi, que fervia, durante horas, um preparado composto de ervas (pulitania, herbamoura, carbueira e rateira) com mel, azeite, bosta de galinha, enxofre, canela, figos, aguardente e quatro litros de vinho tinto! Quando a fervura reduzia o líquido à terça parte, deixava esfriar e servia ao doente, gole a gole, até que “se arrebentasse ou que se curasse” !!!
As indicações para se utilizar o vinho incluem doenças diversas, desde transtornos digestivos de etiologia complexa, até doenças psíquicas. A inter-relação entre aspectos psíquicos e somáticos eram aceitas amplamente em todas as questões de saúde.
Para lombrigas, tomava-se tanto aguardente quanto vinho, ambos considerados vermicidas. Mas também se expulsavam os vermes com infusão de erva lombrigueira misturada com vinho.
Para doenças causadas pelo ar ou por emanações maléficas de animais vivos ou mortos, uma receita era tiro e queda: bastava aspergir o paciente ou a sua parte afetada com três ramos de funcho embebido em vinho, recitando-se: "Eu te bendigo, eu te disciplino / com três raminhos de funcho / com vinho tinto do Ribeiro / com a graça de Deus”. Para casos mais complexos, usam-se ramos de funcho e de alho. Aí, não há mau olhado que resista. Nunca se esquecer de embeber os ramos em vinho. O tratamento deve durar nove dias, dando-se ligeiros golpes uma vez ao dia ou, se necessário, duas vezes, antes de o sol nascer e logo após o crepúsculo.
Quanto a mim, não preciso estar doente pra gostar de um bom vinho. Em vez de ervas, um queijo curado. Para os males da alma: boa companhia. Amém.
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