Ildeu Brandão faleceu há 11 anos. Sempre escreveu muito, mas pouco publicou.
Está para sair um livro inédito de contos.
Eis uma pérola:
ATO FALHO
"Aqui em casa não tem uma barata", disse a mulher, num tom de desafio.
Os que estavam na sala se entreolharam, com exceção do marido da desafiante, que não era capaz de ousar nem mesmo olhares.
"Nem uma para remédio", concluiu ela, depois de chicotear os olhos em torno, caçando alguma aceitação do desafio. Não encontrou nenhum e gritou para o interior, voltando a cabeça na direção da cozinha e fazendo estufar as veias do pescoço:
"Jova, traz as bolachas".
Jova, que era Juventina, trouxe as bolachas num prato, cobertas com uma toalhinha azul, e pôs o prato no centro geográfico da mesa. Todos se inclinaram, na expectativa da iminente quebra do jejum forçado, e o dono da casa descobriu as bolachas, puxando a toalhinha azul para um lado. Quinhentos pares de olhos pousaram então, ao mesmo tempo, sobre uma bolacha diferente na forma e na cor, que encimava a pilha de bolachas.
O dono da casa, concluindo um instantâneo levantamento da situação, pinçou-a com dois dedos, mastigou-a e engoliu-a - antes que ela escapasse."
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[Publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, setembro, 2005.]
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