Ouro Preto fala com a gente
de um modo novo, diferente.
Outras cidades se retraem
no ato primeiro da visita.
Depois desnudam-se, confiantes,
e seus segredos se oferecem
como café coado na hora.
Há mesmo cidades, sensuais,
concentradas na espera ansiosa
de quem, macho, logo as domine.
Abrem-se as portas de tal modo
que são coxas, braços abertos.
Em Ouro Preto, redolente,
vaga um remoto estar-presente.
Há em Ouro Preto, escondida,
uma cidade além-cidade.
Não adianta correr as ruas
e pontes, morros, sacristias,
se não houver total entrega.
Entrega mansa de turista
que de ser turista se esqueça.
Entrega humílima de poeta
que renuncie ao vão discurso
de nomes-cor, palavras-éter.
A hera e a era, gravemente,
aqui se apagam, na corrente.
De nada servem manuscritos
de verdade amarelecida.
Não é lendo nem pesquisando
que se penetra a ouropretana
alma absconsa, livre do tempo.
É deixando correr as horas
e, das horas no esquecimento,
escravizar-se todo à magia
que se impregna, muda, no espaço
e no rosto imóvel das coisas.
Pois tudo aqui é simplesmente
lucilação do transcendente.
A metafísica tristeza
que rói as vestes do passado
desaparece ante a serena
sublimação de todo crime,
lance heróico e lance romântico.
Ouro Preto, a se desprender
da sua história e cincunstância,
é agora ser de beleza,
completo em si, de todo imune
ao que lhe inflija o ser humano.
A ruína ameaça inutilmente
essa idéia não contingente.
Quem entende Ouro Preto sabe
o que em linguagem não se exprime
senão por alusivos códigos,
e que pousa em suas ladeiras
como o leve roçar de um pássaro.
Ouro Preto, mais que lugar
sujeito à lei de finitude,
torna-se alado pensamento
que de pedra e talha se eleva
à gozosa esfera dos anjos.
Ouro Preto bole com a gente.
É um bulir novo, diferente.
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Fotos: Cláudio Costa
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