Impressiona-me a 'atualidade' dos conceitos acerca do vulcão interior que nos habita, um misto de pulsão de vida e pulsão de morte.
A mídia nos sufoca, a cada manhã, com o relato dos assassinatos da véspera, um rosário de atrocidades contra crianças e adolescentes, bestiário de violência cometidas por seres humanos contra seres humanos.
A 'banalização da violência' já virou lugar-comum no discurso sobre a vida contemporânea e somos levados a acreditar que o mundo é ordenado maniqueísticamente entre bons e maus. Pior: “os maus são sempre os outros”.
Os subtítulos de “As emoções básicas do ser humano” já incomodam pela ferida narcísica que nos impõem: “Amor, Ódio e Reparação” e “Inveja e Gratidão”.
Joan Rivière assim introduz suas reflexões:
“Examinamos, neste livro, alguns aspectos da vida emocional do homem e da mulher que vivem em comunidades civilizadas, cujas manifestações cotidianas nos são familiares. Duas fontes fundamentais dessas manifestações afetivas conhecidas são os dois grandes instintos primários: fome e amor, ou seja, o instinto de autoconservação e a pulsão sexual. Nossas vidas estão essencialmente orientadas para duplo fim:
- conseguir os meios que nos garantam a existência
- extrair prazer do viver.
Esses objetivos nos provocam emoções profundas e levam a intensa felicidade ou enorme sofrimento.”
- Amor: força que harmoniza e unifica, dirigida para a vida e o prazer.
- Ódio: força desintegradora e destrutiva, que tende à privação e à morte.
Não se pode dissociar amor e ódio como duas forças que se excluem, ao contrário: Ambos alimentam a agressão:
- Muitas vezes ligada ao ódio, a agressão não é totalmente destrutiva ou dolorosa, seja em seus fins, seja em seu funcionamento.
- Por outro lado, mesmo que brotando das forças vitais, o amor pode ser agressivo e até destrutivo.
Já que os impulsos de amor e ódio estão em todos nós, cada pessoa, em sua singularidade, dependendo de fatores diversos como temperamento, educação e experiências de vida, tenta organizar as forças brutas que a habitam, mediante adaptações infinitas, sutis e variadas.
Muitos justificam seus atos agressivos como “defensivos” frente às ameaças reais ou imaginárias que enxerga no outro.
Entretanto, um olhar mais atento e honesto para dentro revelará em nós mesmos um misto de egoísmo, baixeza, voracidade, ciúmes e hostilidade. É provável que grande parte dos dissabores cotidianos provenha desses sentimentos, não?
Quem não experimenta prazer em “vencer ou outro”, ganhar um jogo ou derrotar o suposto inimigo? Por que será que encontramos enorme fascínio nas histórias horripilantes, em filmes ultra-violentos, em cenas de desgraças, acidentes, guerras, etc.? A programação de TV está recheada de cenas assim e os noticiários têm nos escândalos e crimes o mais eficaz apelo... “Dá ibope.”
Utilizamos a projeção com um mecanismo de defesa contra nossos próprios 'instintos agressivos' e os 'jogamos para o outro'. Eles, os outros, são a causa de todos os sentimentos penosos e desagradáveis pelos quais passamos. “-A culpa é do outro”, eis o mote eternamente repetido. Assim, vemos justificadas as nossas próprias atitudes agressivas, nossa irritação, nosso ódio. Isso é muito evidente quando somos repreendidos por alguém: “Ah! Mas você também erra, você também foi cruel comigo”.
A desvalorização e o desprezo ao outro são, igualmente, mecanismos de defesa muito utilizados quando nos sentimos rejeitados. Funcionamos como aquela raposa da fábula: Ao desistir das uvas que tanto buscou alcançar, a raposa justifica: “Estavam verdes”.
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