14 abril, 2011

O homem que claudicava

A notícia:
Um órgão parecido com um coração foi encontrado, no ínicio da tarde desta terça-feira, dentro de um vidro na lixeira de um dos banheiros do terminal de passageiros do Aeroporto de Confins. De acordo com a assessoria de imprensa do aeroporto, o órgão foi encontrado por um passageiro.


O que o jornal não contou é que havia uma carta!

No saguão do aeroporto, eu esperava o Milton Ribeiro que prometera vir de Porto Alegre. Minha atenção foi atraída por um moço a gritar:
- Polícia!
Carregava um saco plástico transparente. Dentro havia um vidro daqueles de boca larga, de guardar biscoito de polvilho. Lá em casa tem vários desses, pensei.

Aproximei-me e distingui o que me pareceu uma peça anatômica. Identifiquei-me como psiquiatra e pedi às pessoas se afastarem um pouco para que pudesse socorrer o moço em crise de histeria.
Foi logo dizendo:
- Dr., toma isso aqui, não aguento nem ver sangue, quanto mais um coração ainda fresco!
- Acalme-se, deve ser doação para transplante. Sou médico e vou levá-lo para o Hospital das Clínicas.

Havia um envelope junto ao recipiente e não hesitei em surrupiá-lo, despistadamente. Pensei: "deve ser a explicação".
Aos seguranças apontei o moço:
- O pacote é dele. Eu vi quando saiu do sanitário masculino.
Levaram-no para a Administração, acho.

Quanto a mim, saí de fininho. Longe de todos, li:

"Se você achou este vidro contendo um coração, não o jogue fora. É o meu. Durante meses amei uma pessoa linda, maravilhosa, alegre e radiante. Ela não me conhecia, mas eu descobri onde morava. Toda manhã estava no mesmo ponto em que ela tomava o ônibus para o centro. Talvez nem me enxergasse, nunca respondeu a um Bom dia! sequer. Pensava nela durante o trabalho, o dia inteiro. Ensaiei muitas vezes chegar perto, identificar-me e declarar meu amor, mas não consegui. Imaginava: Olha, moça, não te conheço, mas quero te dizer que meu coração te pertence. Eu te amo! 

De repente, ela sumiu.
Hoje cedo, vi a aliança em sua mão esquerda. Concluí que se casara, deve ter viajado para lua-de-mel e, agora, voltou. Fui traído covardemente!
Resolvi desaparecer, viajar para longe, sem volta. Antes de embarcar, arranquei do peito meu coração pulsante e  deixei-o bem à vista. Já vou embarcar. Adeus!
Peço a quem encontrar que entregue o vidro e o bilhete na Rua Eng° José Schultz Leonel, s/n. Bairro da Saudade."
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Nas gravações das câmeras de segurança do aeroporto, a polícia constatou a presença de um homem que claudicava em direção à fila para vôo 3341, das 8,30h.
Semblante tranquilo, não chamava a atenção, exceto por ter um imenso buraco no peito.

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