Transcrevo o primeiro parágrafo do artigo "A luz não é para todos", de Martin Vasques:
"A cultura de uma civilização só pode ser analisada corretamente se for iluminada através da sua violência. Ambos os fenômenos são intrínsecos. Não há como negar o fato de que o ser humano é incapaz de controlar a violência interna que, por um desses paradoxos que ninguém explica, é a mesma que o faz construir suas casas, seus instrumentos de trabalho e também as suas manifestações artísticas. E é aqui que a poesia, com a linguagem simbólica que capta os movimentos contraditórios da vida do espírito, nos ajuda a ver, com um pouco de clareza, como se pode controlar a destruição que sustém a cultura humana, antes que entremos numa alucinante dança macabra."
Mobilizado pelas palavras do Vasques, penso:
Nem precisamos de "teoria" para sabermos disso, já que experimentamos insatisfações e frustrações o tempo todo. Vivemos incessantemente sobressaltados pelo temor às forças incontroláveis da natureza (tempestades, furacões, vulcões, maremotos, incêndios, raios, frio ou calor excessivos, etc...). Ainda sofremos com as imperfeições de nossa corpo, onde o adoecimento e a morte nos assombram. Atribulam-nos as violências praticadas por nossos semelhantes (assaltos, crimes, arrogâncias, etc.). Disso o velho Freud muito bem falou em seu livro "O mal estar na civilização" (boa literatura, acreditem).
A Psicanálise nos ensina o que não queremos saber: da impossibilidade de realização plena do desejo, cujo objeto ideal está "perdido para sempre". É exatamente a dor desta perda (denominada de "castração", por analogia ao desejo sexual) que possibilita o edifício simbólico da língua: colocar em palavras aquilo que não podemos ter concretamente. A linguagem, tendo a poesia como expressão mais sublime, é o meio de que dispomos para suportar o inenarrável.
Assim, diante da mãe que se afasta por motivos diversos, a criança chora e clama: "Mamãe!". A evocação, pela palavra, tem o poder de re(a)presentar o objeto-mãe, do qual a criança deverá aprender a se desligar, a se desfusionar. A mãe é o protótipo de todo objeto desejado que, cedo, a criança descobre não possuir totalmente.
Se imaginarmos a dor e a raiva que sentimos ao sofrer as primeiras perdas, compreenderemos que, sem a palavra, restaria ao ser humano apenas o "ato" violento, a agressão ao objeto amado (agora também odiado por nos abandonar) A ambivalência se instaura e é um longo aprendizado o caminho para o controle dos impulsos detrutivos, detonados desde o início. A pulsão é recalcada, mas continua inconscientemente exercendo sua força.
Pois bem, graças ao recalque destes impulsos, doravante "sublimados", tornamo-nos seres capazes de viver socialmente. Se Caim matou Abel, foi por não ter conseguido resolver "simbolicamente" seu ciúme, sua raiva, sua inveja, seu horror à suposta rejeição parental. Mais uma vez, voltemos aoFreud: que tal ler "Totem e Tabu"? (mais ótima literatura, acreditem).
O ato inaugural da cultura, para a Psicanálise, está neste dispositivo da "castração": -"Isso não é permitido! Isso não pode! Controle-se".
O que podemos esperar de uma civilização em que o exercício da autoridade está sendo colocado em cheque, os governantes titubeiam no exercício do controle de atividades ilícitas, já não se consegue diferenciar o certo e o errado, a polícia e o ladrão?
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