1 - Na minha infância, tão reprimido quanto excitante era "pegar uma ponga". Nova Era-MG, cidadezinha debruçada às margens do Rio Piracicaba, era rota de caminhões cuja dimensão minha pequenez classificava de gigantes. Transportavam carvão vegetal, dia e noite, extraído das matas que restavam no Vale do Rio Doce. Queimava-se madeira como se matas e florestas não servissem para nada e fossem inextinguíveis! Ao reduzirem a velocidade, serpenteando pelas ruelas estreitas, ladeadas pelo casario colonial, ofereciam o momento certo: garotos, corríamos e "pongávamos". Por alguns minutos (ou será que eram apenas um flash de segundos?) as mãos minúsculas agarradas na traseira, balançávamos as pernas e soltávamos. Nas subidas íngremes, dava para estender a emoção por um tempinho mais, até que a dor nos vencia, ou o medo. Um pó preto tingia-nos as mãos. Às vezes, algum transeunte nos "passava um pito" ou, mais tarde, contava aos pais. Aí, era repreensão, admoestações e até castigos. Menos perigoso e, portanto, menos excitante, era pegar uma ponga na garupa de bicicletas. Meu pai tinha uma tipo "camelo". Ele mesmo permitia que eu e meus irmãos fizéssemos aquilo: Saía pedalando devagar e lá íamos correndo até que, de um salto, um de nós pulava na garupa. Era uma festa! Recentemente, resolvi olhar no dicionário a palavra "ponga", resquício da infância, significante a pontuar lembranças de um menino do interior. Lá está, no Hoauiss: "Pongar = v. pegar (veículo) em movimento".
2 - Essa lembrança das pongas me assaltou quando li reportagem de página inteira no caderno de veículos do Estado de Minas. O articulista enumerou alguns conselhos para quem quiser "pegar carona" [De novo, o Houaiss: Na terceira acepção, "carona = transporte gratuito em qualquer veículo; bigu, boléia". Como os tempos bicudos exigem economia, nada melhor do que uma carona amiga. Mas, o bom caroneiro deve seguir os 10 mandamentos:
I- nunca se atrasar, jamais fazer o dono do veículo esperar;
II- elogiar o carango, sempre, mesmo que esteja caindo pelas tabelas;
III- oferecer (só oferecer!) para contribuir com o gasto de combustível;
IV- não discordar das opiniões do dono, nem em questão de futebol, religião ou política;
V- empurrar prontamente o carro, em caso de enguiço;
VI- rir das piadas do dono, mesmo que sejam péssimas;
VII- descer rapidinho, inventar uma desculpa, caso o motorista seja um kamikase;
VIII- não reclamar da música, mesmo que seja axé ou Chitãozinho e Xororó;
IX- nunca, jamais, em tempo algum, 'soltar gases' dentro do veículo;
X- não dormir durante o trajeto; babar no banco, nem pensar!
Com este manual de "auto"-ajuda, seremos bons caroneiros!
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