17 dezembro, 2004

Felicidade plena é doença?

Há algum tempo, tomei conhecimento do suicídio de um jovem de 25 anos, filho de poderoso empresário nacional. O rapaz teria deixado um bilhete com a explicação:
"- Enjoei de viver, nada me falta, tenho tudo, perdi o tesão de viver..."
As pessoas comentavam a inacreditável razão para o tresloucado gesto (expressão consagrada da crônica policial) e me interrogaram sobre isso. A gente ouve dizer acerca de desesperados que se matam por perderem algo ou alguém, por falta de emprego, ciúmes, depressão grave... mas, por tudo ter?
Gostava de brincar com meus filhos ao entrar no BH-Shopping, exclamando, do alto do 3° andar, bem no átrio daquele templo de consumo: "- Graças a Deus, não preciso de nada disso aí!". E remendava, diante do espanto: "- ... mas quero muitas coisas!". O alívio era imediato.
Somos seres do desejo, além de animais necessitados. Para além da satisfação do que chamarei de necessidades instintivas (alimento, abrigo, oxigênio, sono, etc.) o ser humano se constitui como tal por ser desejante. Não nos basta conseguir sobreviver, queremos mais e mais. É o que Freud chamou de pulsão, o correlato psíquico dos instintos.
A pulsão busca a satisfação por qualquer meio, custe o que custar, "o que quero é gozar", diria o puro impulsivo. Assim agem as pessoas impulsivas que, diante de um obstáculo ou mobilizados pela força pulsional, avançam sobre a presumida fonte de sua satisfação e se mostram agressivas e sem controle diante de qualquer frustração.
O desejo, porém, é um refinamento e o ser desejante diria: "- O que quero é gozar... de uma certa maneira!". É mais ou menos a diferença entre a fome e o apetite. O apetite nos propicia a escolha por determinado alimento, o requinte, a espera, o adiamento da satisfação. A pulsão sexual, por exemplo, poderia ser satisfeita por qualquer objeto sexual. Já o ser-desejante escolhe a parceria por razões puramente individuais e, sempre, inconscientes. Isso, irônicamente, explica tantas escolhas errôneas - ou incompreensíveis ao senso comum - de parceiro(a)s! Aqui aparece o que chamamos amor (!?).
O que causa o desejo é, portanto, algo que não se vislumbra objetivamente, ou seja, um objeto perdido, faltoso, A FALTA!
Ah, bom! assim é possível entender as razões do jovem suicida: se nada lhe falta (é lógico que se trata de uma percepção totalmente enganosa), então o desejo morre e o sujeito sucumbe: "Sem tesão não há solução", diria o terapeuta-escritor Roberto Freire.
O deus-Mercado tem-se esmerado em oferecer objetos para a satisfação dos consumidores, lançando novidades, gadgets, quinquilharias; a Ciência promete juventude eterna; a Indústria do Entretenimento derrama sexo-drogas-rock'n roll sobre corações e mentes e os bichinhos humanos correm como ratinhos de laboratório atrás das migalhas... alguns correm a vida inteira; mais alguns impulsivos buscam compulsivamente adquirir tudo e cada vez mais; outros, enfim, se cansam de tanta oferta e caem no tédio - depressão, desinteresse por tudo, anorexia, auto-extermínio.
É necessário recuar diante de tanta oferta, buscando descobrir o próprio desejo - o que não é fácil, irmão.
Sobre este tema, um Seminário está sendo oferecido:
"Esse é um importante problema humano, para a psicanálise na orientação lacaniana. O difícil não é tanto tratar o que dói, mas, paradoxalmente, o difícil, para um analisando, é se responsabilizar por suas qualidades, pelo êxito, pelo que lhe acontece. O que isso quer dizer - perguntava Lacan - se não que "o que é temido é sempre o isto que não falta"? Os módulos de pesquisa, dirigidos por Jorge Forbes no primeiro semestre de 2005, estarão atentos ao que acontece quando a falta deixa de faltar - em um estudo dos seminários de Lacan: A Angústia e O Sintoma."

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