28 outubro, 2004

"Amar é..."

Tenho visitado inúmeros blogs, com os quais aprendo, divirto-me, irrito-me, espanto-me, rio, me identifico, surpreendo-me. Ou seja: esse mundo virtual é o espelho do mundo real, onde as vicissitudes do dia-a-dia se traduzem e se metaforizam de forma multifacetada, instantaneamente.
Alguns blogs chamam a atenção pelo conteúdo lamentoso em função das frustrações amorosas vivenciadas por quem os escreve: tal como um muro das lamentações, os diários virtuais, trazem à tona a carência maior do ser humano: o desejo de ser amado incondicionalmente! Oh! missão impossível!
Comecemos pelo princípio: ao nascer, o filhote do homem é totalmente dependente, frágil, incapaz de se manter. Graças aos cuidados maternos (ou de quem se assume como cuidador), sobrevive-se. Uma relação imediata se configura: necessitado + cuidador. Ou seja: no início da vida, somos "seres da necessidade". Até aí, funcionamos como todo ser vivo, animais: a mãe/cuidador se apresenta indispensável até que, pelo próprio desenvolvimento do bebê e pelas outras atribuições do adulto, ela (mãe) se afasta lentamente... já consegue se atrasar para acudir as necessidades do recém-nascido que, por seu lado, começa a antecipar os indícios de que será atendido: o ruído de passos, a voz, o barulhinho da colher mexendo o mingau, etc. Um hiato (uma fenda, um vazio) se interpõe na díade mãe-filho, propiciando ao bebê uma experiência fundamental: clamar pelo que precisa!
O chôro, o grito, a agitação de braços e pernas, tudo passa a se configurar como linguagem que é interpretada e verbalizada pela mãe: neném tá com frio, neném tá com dor-de-ouvido, neném tá com fome!
A evocação da figura ausente e dos objetos de satisfação instauram os princípios da linguagem simbólica (símbolo = representação da "coisa", sem a "coisa"). Nasce o "desejo"!
O que, pois, inaugura a linguagem é a "falta", a "perda do objeto" de necessidade e sua substituição pelo "objeto do desejo". Muito além das funções de sobrevivência (objetos de necessidade) clamamos por uma atenção colorida de afeto. Fornecer comida, apenas, não basta, é preciso que o ato de alimentar seja atencioso, cuidadoso, amoroso! "Com açucar e com afeto", na canção do Chico Buarque.
Se, antes, a mãe era identificada ao objeto necessário aos instintos básicos (sobrevivência, alimentação, proteção contra frio, etc), agora passa a ser a benfeitora que propicia a satisfação. É quem garante a vida e o prazer (éros/libido), constituindo-se como primeiro objeto erótico/libidinal da criança. Nasce o AMOR, expressão de reciprocidade gratificante entre mãe e criança (ainda sem romantismo, invenção tardia na história da humanidade).
A experiência fundadora do amor se expande vida afora, com a saudável substituição da mãe como objeto único de amor por outros objetos a serem conquistados - um ser a quem amamos e que nos ame (resolução do "complexo de Édipo").
Entretanto, uma ILUSÃO pode permanecer: a de que haverá alguém que nos garanta a satisfação plena, o afeto total, o amor incondicional! Inconscientemente, queremos repetir o idílio da primeira infância, quando nenhum esforço tínhamos que fazer: bastava desejar e... pronto! Satisfação garantida!
Muito mais tarde vamos aprender que "o amor é conquistado": temos de perguntar sempre ao outro: "o que queres de mim"? Só assim seremos amados. Enganam-se aqueles que se julgam dignos do amor, sem nada oferecerem.
O jogo é complexo e interminável: de um lado, projetamos no outro as qualidades que o tornam digno de nosso afeto. O outro, por sua vez, tudo faz para corresponder e, às vezes, se julga realmente portador de todas aquelas qualidades. E vice-versa!
Sobre isso, Jaques Lacan retoma uma frase platônica: "Amar é dar o que não se tem a quem não sabe o que quer"... Decifre-a quem puder.
O Amor, assim, é indefinível por natureza, incomensurável (nada matemático), inconsistente, sem garantia de retorno, absolutamente assimétrico - já que cada um tem seu inconsciente e seu imaginário forjados na mais tenra idade, com experiências tão singulares quanto incomunicáveis! Só mesmo os poetas para darem conta de falar do Amor: O amor é mesmo "fogo que arde sem se ver..." (Camões); é "...ânimo dos desmaiados, arrimo dos que vão a cair, braço dos caídos, báculo e consolação de todos os desditosos" (Cervantes); "Ninguém é pobre quando ama". (Camilo Castelo Branco). "Há amores sem felicidade, mas nunca felicidade sem amor" (Jacques Lelouch) e "ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor... nada disso me aproveitaria" (S.Paulo).
Quanto a mim, sigo feliz com minha Amada: Amélia e eu completamos, hoje, 26 anos de casamento, vivenciando a experiência cotidiana do Amor compartilhado, no qual me sinto, sempre, recebendo muito mais do que dando, a cada momento tento provas de que, embora indefinível, O AMOR EXISTE!

21 outubro, 2004

Fugaz



Menino
Queria ter muito tempo de vida
Descubro, no entanto,
Perplexo:
Quanto mais tempo de vida tenho
Menos tempo de vida...
...terei!
(ô chatura, sô!)

19 outubro, 2004

Cura Te Ipsum

Ontem, Dia dos Médicos
Fui ao consultório, fui
Por um tempo, ouvi histórias
O que? Como? Onde?
Descobri, entretanto
Que o lado da mesa
É um destino precário
Trajetória incerta dos meus passos
Aleatórios.


17 outubro, 2004

Bahia em três tempos

I - Tempo de deslumbramento: Além de minha mulher-de-verdade Amélia, viajamos juntos: o casal amigo José Maria & Cida, mais as jovens psiquiatras Fernanda Rebelo e Ana Paula Pardini. Alegria pouca é bobagem! Aterrisamos em Salvador no belíssimo aeroporto internacional, percorremos as avenidas descongestionadas, largas e arborizadas e adentramos o Hotel Pestana surpresos com a modernidade da mais antiga capital do Brasil. Coincidiu o check-in no hotel com a chegada de turistas europeus (velhos, branquelos, louros) sendo recepcionados com wellcome drink de cajá, abacaxi, manga e coco. E pra nós, brasileños, nada? Aproximei-me do garçom (negro): “-Give me a juice, please!”. Imediatamente serviu-me. Voltei ao meu grupinho: “-Como você conseguiu?”
“-Simplesmente falando a língua do Império.”

JoséMaria, Cida, Amélia, Cláudio, AnaPaula e Fernanda

A partir daí: piscina, ginástica, ofurô, que ninguém é de ferro!
II – Tempo da baianidade: Já no sábado, mal desfeitas as malas, corremos para o show da Ivete Sangalo, no Wet’n Wild, aquaparque.


Inúmeras bandas a tocar antes da estrela. Conclusão, eram duas da manhã, chovendo, uma multidão compacta, fome nos comendo por dentro e... voltamos pro hotel, sem ouvir Ivete! Na terça: contato de primeiro grau com o Olodum, a mil decibéis, precedido de show do Jam Jiri.

O coração batia ao som dos surdões, os pés pulando empolgados pelo ritmo afro-brasileiro, as mãos para o alto recebendo as energias irresistíveis do reggae baiano. Na quarta, Armandinho (de Dodô e Osmar) abre o Congresso Brasileiro de Psiquiatria com uma invenção do Hino Nacional: a guitarra estridente e rascante perfurando os tímpanos e empolgando uma platéia de quase três mil pessoas. O coquetel foi na base cerveja e sucos de frutas regionais, acompanhados do acarajé, caldo de sururu, pé-de-moleque, cocada, bolinhos de carne de siri, vatapá e barquete de siri catado. Tudo com muito azeite de dendê e pimenta ardida. Na quinta-feira, show de Daniela Mercury, no Othon, contratada para animar 800 convidados vips –e nós lá, é claro! Ainda no Othon, na sexta, apenas para 500 pessoas, o swing do Araketu, e a gente pulando que nem doido, sacudidos pela percussão violenta e arrastados pela musicalidade que penetrava artérias e veias, acendia o cérebro e anestesiava o cansaço! Ao longo da semana, almoços à base de moquecas de camarão, peixe, lula... Nos intervalos, uma passadinha no Centro de Convenções: não podíamos nos esquecer do Congresso.
Otávio Fróis, que foi colega da minha Ana Letícia na Faculdade de Direito da UFMG, gentilmente nos levou pela orla até a famosa Lagoa de Abaeté (“o Abaeté tem uma lagoa escura/arrodeada de areia branca/oi de areia branca...").
III – Tempo de refletir: pois é, foi tudo muito bom, foi tudo muito bem, mas... Ao visitar o Shopping Iguatemi, subimos pelo elevador do estacionamento até o 4° piso: lojas de primeira categoria, gente muito bonita, tudo muito caro... Na medida em que descíamos as escadas rolantes, eis que nos deparamos com a queda da qualidade das lojas, menos sofisticação das vitrines, até chegarmos ao primeiro andar: aí, só lojas populares, muita gente, quase todos afro-brasileiros de baixa renda... pela primeira vez estou num shopping que é o retrato descarado da estratificação social deste nosso paraíso tropical. Outros indicativos da segregação sócio-econômica estão presentes em qualquer cidade, é lógico, mas o Iguatemi era uma “aula de sociologia”! Se a miscigenação é cantada na Bahia em prosa e verso, aindá lá se trata de idealização, utopia, mistificação ou mascaramento. Salvador é a síntese deste imenso Brasil: muita arte, cultura, paisagens maravilhosas, negros (70%), mulatos (20%) e brancos (10%), -segundo nos informaram- e uma imensa desigualdade. Talento e criatividade, alegria e bom humor, malandragem, religiosidade, o umbigo e seu cordão “Brasil-áfrica” contrapondo-se ao país luso-brasileiro, afrancesado logo nos primórdios e cada vez mais dominado pela globalização galopante... O sul-maravilha e o sudeste têm muito que aprender e resgatar, sem ufanismos nem patriotadas. Se há um lugar onde pulsa o coração brasileiro, este lugar é a Bahia... é irresistível, fantástica, multifacetada e latino-afro-brasileiramericana. Axé!

14 outubro, 2004

Inveja mata!

Só prá provocar: isto não é um post, é uma provocação. Até que retorne a Belo Horizonte e tenha ânimo de postar de verdade, estou por aqui na Bahia, curtindo Oloduns, Axés e Orixás [além do Congresso de Psiquiatria que começou ontem, claro!]. Prá que não fiquem com inveja, vejam só como estamos "sofrendo" no maravilhoso hotel&resort PESTANA. Até!

07 outubro, 2004

Oropa França e Bahia

(...)Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...
Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...
(...)
Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
(...)
— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...
Lembrei-me deste "romance" de Ascenso Ferreira logo agora que Amélia e eu estamos de partida para Salvador!!! Oba! Uma semana totalmente soteropolitana! Além da participação no XXII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, teremos 5 dias inteiros - e noites! - para curtir praias, batuques, axés, oloduns, tartarugas e descobrir o que a Bahia tem: não conhecemos nadica de nada daquela terra que enfeitiça a todos que lá aportam. Voaremos pelas asas da TAM e ficaremos no Hotel Pestana (ex-Meridien). Uma semaaaaaaana... parece um sonho. O clima de baianidade já nos assalta há dias -o tempo parece lento, as horas não passam, ficamos de olho na meteorologia: Vai dar sol?
Pois é, alguém sugere um programa "imperdível", que não seja prá enganar turista trouxa? Dizem que 'mineiro compra até o Pão de Açucar' mas acho que já estamos vacinados... Podemos comprar acarajé? Podemos ver Olodum? Prometemos publicar algumas fotos, contar alguns "causos", não deixar este blog morrer...
[Saiba mais do Ascenso Ferreira no Guia de Poesias do espetacular
Luiz Alberto Machado!]