20 janeiro, 2005

Os Sonhos Não Envelhecem

Idelber Avelar, entende de tudo! Em seu Biscoito Fino e a Massa fala de música, literatura, política, dia-a-dia, sempre com humor, ironia, criatividade e, por que não dizer, um toque de sedução literária de fino gosto.
Seus últimos posts, principalmente o comentário sobre o mais recente CD de Toninho Horta, motivaram-me a recomendar o delicioso livro: "Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina", de Márcio Borges, um dos parceiros de Milton Nascimento. Márcio pertence à "família Borges, que abrigou Milton Nascimento logo após sua chegada a Belo Horizonte. Essa turma criou o famoso Clube que abrigou talentosos artistas das alturas das Minas Geraes.
É uma viagem no tempo, na música, na mineiridade. Os personagens caminham por uma Belo Horizonte quase inocente, naqueles anos sessenta e setenta. Havia a Ditadura e havia a resistência. Um tempo de perplexidades e descoberta do mundo. Bituca - Milton - fora acolhido pelos Borges, que moravam bem no centro da capital mineira, num apartamento em que a música era o pão-nosso-de-cada-dia.

Márcio Borges vai desfiando história como quem conta causos, descrevendo o surgimento de canções inesquecíveis e emblemáticas como Travessia, lançada no Maracanãzinho: "Solto a voz nas estradas / já não posso parar / meu caminho é de pedra..."
De repente, me vi incluído no livro! Não, não participei do Clube da Esquina, mas minha cidade natal, Nova Era, aparece como um dos lugares onde foi criada uma das músicas maravilhosas daquele pessoal. É o Márcio quem conta:
Iamos passar o fim de semana numa cidadezinha chamada Nova Era, distante umas duas horas de Belo Horizonte. (...)
Fazia um céu límpido de um azul suave e luminoso. Comecei a cantarolar a melodia baixinho, aconchegado ao colo de minha namorada. Embalado pelo balanço do ônibus, entrei num devaneio desses em que os elementos da natureza se nos afiguram extraviados de sua essência, fazendo, de repente, uma nuvem tornar-se o perfil de um gigante ou, quando faltam nuvens, transformando o próprio céu num oceano profundo e siolencioso, e se acaso uma ave corta nosso campo de visão, ela é adornada pela imaginação com os atributos de um peixe voador ou os de um iate de velas içadas ao vento, e se o devaneio vai além, podemos sentir o balanço do mar e até mesmo enjoar, ou ter vertigens. Nesse peculiar estado de vigília, recebi uns versos que fui fazendo encaixar na melodia que trauteava quase sem ruído: Vento solar e estrela do mar / a terra azul da cor de seu vestido... E repetia uma variante: Vento solar e estrela do mar / um girassol da cor de seu cabelo.
Foi um final de semana inesquecível. Passeei com Duca pelos campos, namoramos numa casa semi-abandonada da Fazenda Japuré, pertencente ao tio. Quando voltamos para Belo Horizonte, domingo de tarde, "Um Girassol da Cor de Seus Cabelos" estava prontinha. Outra vez, dentro do ônibus, cantei para ela a música inteira: Vento solar e estrela do mar / a terra azul da cor do seu vestido...
Além uma iconografia preciosa traz, encartado, um CD, com músicas de se ouvir em êxtase. Se há mineiridade pura, há também uma universalidade que só a arte pode proporcionar.
Ler "Os sonhos" e um presente que você poderá se dar. Depois, me conte.