22 setembro, 2004

Na morada dos índios

"O que levaria uma mulher de 24 anos, estudante de letras, que gosta de dançar reggae, ir ao teatro e ler bons livros, a abandonar a cidade grande para viver com índios no Alto Xingu?"
Com essa pergunta, assim começa a reportagem publicada hoje no Estado de Minas, acerca de Andréia Duarte, mineira de 24 anos. A mocinha está morando, há 4 anos, com os índios tupis-guaranis, no coração do Brasil, numa aldeia próxima de Água Boa-MT.
Lembrei-me imediatamente de uma reportagem do Jornal do Brasil, na qual se afirmava que ela estaria apaixonada pelo cacique Kotoki, o que a teria arrastado para fora da "civilização". A fantasiosa história já a colocava como a quarta esposa do cacique!
Hoje, Andréia explica: "Não sou índia, não quero me tornar índia. Respeito aquele povo. Não vivemos (os brancos) como se soubéssemos que um dia vamos morrer. Estamos numa época em que as pessoas se prendem ao corpo, à estética, ao dinheiro. Você até ouve falar sobre as camadas pobres da população, mas ninguém faz nada por elas. Quero ter atitude, mesmo que seja ali, numa tribo de 300 pessoas. Esta é a minha fé. É uma luta por uma causa, não um romance. Eu, ele (Kotoki) e o pai dele conversamos sobre o assunto (boatos do casamento), achamos uma pena que, com tanta coisa importante para ser dita sobre os povos indígenas, as pessoas queiram falar sobre isso."
Escolheu a aldeia porque era a única que não possuía escola. Criou uma.
Isso serve prás cabeças, pensei: Não sei quem aprende mais, se os curumins [etim. tupi kunu'mi ou kuru'mi = 'menino, rapaz novo ou jovem'] ou ela mesma - e através dela, nós aqui, ditos civilizados.
Alguns exemplos citados pela Andréia:
  • Cultura: "costumo dizer que os kamayura são índios aristocratas. Eles não se assentam encurvados, não falam alto, não têm discussões entre si. Não são preguiçosos, chegam a ficar 6 meses construindo uma casa, pescam diariamente e plantam tudo que comem."
  • Sexo e casamento: "Os homens têm a função de construir a casa, plantar a roça. As mulheres colhem e buscam a água. Eles assam o peixe e elas fazem o polvilho. Tudo é muito organizado. Eles podem se casar com quantas mulheres quiserem e, muitas vezes, o casamento acontece para que haja divisão do trabalho. Transam por prazer, adoram sexo. Acho que o brasileiro parece ter herdado isso do índio."
  • Catarse coletiva: "Há um ritual em que as mulheres passam a noite xingando os homens. Já participei e adorei. Às vezes eles acham ruim, correm atrás das mulheres e jogam mingau na gente. Em outro ritual, eles dão o troco."
  • Ciúme: "Existe sim, mas não se separam por isso; as mulheres também pulam a cerca. São todos parentes e decidem quem pode se ralacionar com quem".

O Cacique Kotoki tem defendido a preservação da natureza, sendo que a principal preocupação dos índios do Xingu é com o desabastecimento de água. “As fazendas de soja desmatam e poluem as águas dos rios com os agrotóxicos”, denunciou Kotoki, o cacique da aldeia Kamayurá.
E ainda tem gente que, ao se referir a alguma coisa ruim, diz: -"Programa de índio!".Eu cá me pergunto: será?
A mineirinha Andréia disse que vai se tornar antropóloga. Só a entrevista já valeu por uma aula, não é?