22 julho, 2004

Gênio incompreendido, idiota sábio ou "louco varrido"?

O psiquiatra Márcio Candiani, a propósito do meu post "Uvas Verdes, fez o seguinte comentário:

Cláudio... atendi hoje a um paciente no Cersam Noroeste que se acha um gênio incompreendido... mas ele é... fez medicina por 2 anos... engenharia e largou.. por um surto psicótico... Era epiléptico e apresenta um transtorno delirante agora. Mora no interior e veio pra BH tratar de uma depressão. Cara inteligentíssimo, com um QI certamente muito elevado. Como há gênios incompreendidos... a professora de Einstein dizia que ele era um idiota... parecia uma pessoa com dificuldade de atenção (ou autista de alto funcionamento?) com capacidade genial para cálculos... como você já leu nos livros de psiquiatria da infância...
 
Márcio, o tal paciente se julga um gênio incompreendido? Acho que o juízo (ou a falta de) do próprio sujeito é que o faz se identificar como "gênio incompreendido". Talvez ele seja um gênio "incompetente". Há inteligências brilhantes (vide os filmes "Shine" e "Uma mente brilhante") que não têm um suporte afetivo, relacional e comunicativo adequado. Se a pessoa, por ser psicótica, não consegue estabelecer laços sociais (o psicanalista diria: não entra no mundo do simbólico), ela terá muita dificuldade em alcançar algum reconhecimento. Aliás, o povo costuma dizer que "todo gênio é um louco". Será que isso procede?
Às vezes, a gente escuta isso: -"Cuidado, não estude tanto que você vai ficar doido." Ou: -"Fulano estudou tanto que pirou!"
Há casos interessantes de idiotas sábios, como o personagen de Tom Hanks em Forrest Gump ou o "autista" (Dustin Hoffman) de Rain Man. A Psiquiatria tem um diagnóstico para estes casos, a Síndrome de Asperger, aplicado aos portadores de um tipo de transtorno grave do desenvolvimento. Tais indivíduos, mesmo apresentando lacunas importantes na área afetiva e relacional, demonstram inteligência altamente desenvolvida para campos restritos do conhecimento. Sua linguagem costuma ser típica, com maneirismo verbais, rebuscamentos e utilização de vocabulário muito elaborado para a idade cronológica.   Alguns destes "idiotas sábios" (idiot-savant) decoram listas telefônicas, roteiros aéreos ou minúcias de paisagens, fazem cálculos matemáticos complicadíssimos em segundos, etc. Entretanto, seu relacionamento afetivo-social é muito comprometido. Será que se tornarão "gênios incompreendidos" ou "loucos varridos"?
Voltando ao tema do post "Uvas Verdes", o que o Alexandre Cruz Almeida criticava eram os inteligentes, bem dotados, não psicóticos nem idiotas sábios, mas que não venciam na vida por falta de esforço, preguiça, adiamentos sucessivos de tomadas de posição, protelações, procrastinações, etc. Em um determinado momento da vida, lá vêm eles com aquela ladainha: "Se me tivessem dado uma chance..." ... "Se aquele chefe não me tivesse dispensado...", etc. Aí, meu, o Alexandre termina assim: "O gênio incompreendido é péssima companhia." Eu digo: "Um saco!"