28 dezembro, 2007

Maria Cleonice

Maria Cleonice - é assim que gosta de ser chamada, pois "os nomes duplos inspiram nobreza"- acordou bem disposta.
Bonita, suave, de olhos azuis, ajeitou o cabelo, caprichou na maquiagem, borrifou um pouco de Poison nas curvas de seu pescoço e no colo bem feito. Os 41 anos não lhe cobram quase nada.
Feliz? Pode-se dizer que sim, embora o ex-noivo, Antônio, ainda a faça suspirar, com recordações que lhe avivam a libido. De verdade, nunca se afastaram; embora casado com Vanessa, o moço é seu colega de escritório. Além disso, mantêm explícita amizade e, para espanto de uns e admiração de outros, Maria Cleonice é íntima do casal - coisa dos tempos modernos.
Às nove da manhã, suavemente envolta pela fragância venenosa do perfume, ela está diante do ex-noivo que, mais uma vez, solicita-lhe visita a um cliente, na vizinha cidade de Santa Luzia:
- Não sei se é possível, Tonico, meu carro está na oficina.
- Pois lhe empresto o meu, vá no Corsa.
...
Lá pelas onze, Antônio explica isso à Vanessa que, no trajeto para casa, tomada por um ciúme medrado insidiosamente nos últimos tempos, demonstra-lhe desagrado:
- Benzinho, essa mulherzinha já tá abusando, você não acha? Tá sempre arrumando desculpa para ficar perto de você e, agora, nosso carro está com ela! Estou me segurando, não é de hoje!
Antônio evitava qualquer discussão. Contemporizou:
- Ah! meu amor... tá bom, tá bom, não vou dar mais colher de chá, você sabe que te amo!
A tempestade quase fora adiada se não tocasse o celular. Era Maria Cleonice:
- Oi, meu Tonico, passo na sua casa, devolvo o carro e almoço com vocês.
Indeciso entre não desagradar à mulher e à ex-noiva, passa o telefone à Vanessa:
- Você decide.
- Olhaqui, sua noivinha frustrada, fique no seu lugar, vê se desconfia e dá um tempo!
...
Às 16,32, o porteiro do prédio de Antônio e Vanessa abre o portão para o Corsa do 504.
Bonita, suave, de olhos azuis, Maria Cleonice ajeita o cabelo:
- O carro já está na vaga, Feliz Natal!
...
A fumaça toma conta do ambiente. Espessa e negra, provém da garagem. Os bombeiros são chamados.
Maria Cleonice comemorara o Natal incendiando o "corsinha do Tonico".
Na delegacia, explica:
- O fogo se alastrou, não foi minha culpa. Não queria queimar os outros cinco carros, lamentou.
Bonita, suave, de olhos azuis...
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Publicado pela vez primeira em dez.2004.

24 dezembro, 2007

Natal são muitos

Cada pessoa experimenta um sentimento particular por ocasião do Natal: se dermos ouvidos ao que nos ensina a psicologia do desenvolvimento, as vivências da primeira infância, os vínculos primários e mais um caldo de imagens armazenadas no inconsciente configuram a matriz que sustentará o sujeito pelo resto da vida. Há controvérsias, bem sei, mas não se pode ignorar o conteúdo imagético e afetivo que se evoca em certas ocasiões, como no Natal, por exemplo.

Há os que se sentem plenamente imbuídos da idéia do sagrado e valorizam os rituais religiosos com a celebração alegre do nascimento do 'menino-deus': preparam-se no tempo do advento e comemoram a epifania como o acontecimento mais importante para o gênero humano. Trata-se de uma experiência mítica e místico-religiosa, que os afeta em sua singularidade e os faze se sentir partícipes de um projeto de salvação universal. Ser religioso importa num conjunto de crenças e, para alguns, uma fé convicta sustenta sua posição perante o mundo. Se, de um lado, a fé e o pertencimento ao grupo garantem a segurança do "um" pela identificação ao "outro", contudo não é suficiente: de que vale a fé sem as obras? O esgarçamento dessa dimensão ao longo dos séculos e sua incorporação pela cultura judaico-cristã-ocidental mitigaram as exigências éticas e reduziram a rituais o comprometimento exigido nos primórdios.

Inda mais, o avanço do capitalismo e seu mais perverso corolário, "não existem pessoas, o que existe é O Consumidor", descambaram na transformação das festividades natalinas em orgia consumista, cujos templos são os palácios dos shoppings ou as tendas abarrotadas de ofertas. A cada ano, o onipresente departamento de marketing inventa o 'produto dos sonhos' e nosso desejo é capturado pela promessa de felicidade infinita, aqui e agora. Basta comprar o celular G4, a tv de plasma, o laptop de mil recursos, o automóvel definitivo.

Não se pode negar que existam ainda muitas e muitas pessoas dotadas daquele 'sentimento oceânico' do qual se ocupou Freud: trata-se do anseio por um pertencimento ao mundo, desejo esse em que o medo da perda de amor se situa na dianteira do sentimento de autopreservação e segurança a partir da identificação com o universo em que o indíviduo vive. Para Romain Rolland, o pensador francês que criou este termo, o sentimento oceânico seria o fundamento do sentimento religioso. Creio que o perído natalino desperta uma certo olhar compassivo para o semelhante, servindo de alívio para a culpa que alguns carregam pela indiferença à fome, à miséria, à exclusão. Distribuem-se presentes, fazem-se campanhas de solidariedade, distribuem-se migalhas aqui e ali. O mundo parece mais cor-de-rosa, ainda há esperança quanto ao futuro da humanidade, o ser humano pode até ser bom. Mas a vida continua, cada qual mergulha na azáfama cotidiana em busca de acumular bens, riquezas e segurança, enquanto os excluídos aguardam o próximo Natal, que será usufruído apenas pelos sobreviventes. E la nave va.

Deparamo-nos com muitos que dizem detestar o Natal. Se uns criticam o consumismo, outros reclamam do trânsito, muitos se sentem angustiados com os gastos para presentear por pura obrigação. Mas há os que se sentem tristes, verdadeiramente deprimidos: o Natal é a pior época do ano, confessam. Às vezes dizem: 'não sei o porquê disso'. Bastam alguns minutos de atenção e nossos ouvidos se enchem de lembranças amargas, ressentimentos nunca resolvidos, culpa, raiva, solidão. Podem acusar a sociedade de ser hipócrita e não há como tirar-lhes a razão. Mas não se trata de ter razão, pelo menos na clínica.

É tempo de reencontros, reaproximações, visitas à família distante, encontro com vizinhos, abraços na repartição, festinhas de amigo-oculto (sempre chatas e burocráticas!)...

Como enfrentar tantas contradições? Mergulhar de cabeça nas compras? Comer, comer e comer? Isolar-se de tudo e de todos? Rezar e orar? Cada um encontrará seu jeito próprio, pois as receitas em oferta pela mídia nem sempre são fáceis de seguir.

Quanto a nós, vivenciamos um pouco de tudo isso. Reencontramos os amigos, desejamo-lhes sinceramente um Feliz Natal (cada qual sabe como é ser feliz - não?), decoramos a casa, repartimos uns poucos presentes. Evitamos o consumismo e o desperdício. E o aniversariante do dia, aquele que deu origem a tudo isso, este tem um lugar simbólico na simplicidade de um presépio artesanal. Amélia, Ângelo e Renatinha representaram na estante uma pequena vila do interior. Os caminhos são tortuosos, como a vida. Mas as cores são vivas e, um pouco afastado, lá está ele, o Menino:

Presépio feito por Amélia, Ângelo e Renatinha,

com casinhas-de-barro (artesã: Jovita, do vale do Jequitinhonha-MG) Foto by Cláudio Costa.

22 dezembro, 2007

E F E M É R I D E S

Bolo de chocolate e cerejas, com creme ganache: Arte da Amélia. Foto by Cláudio

1. Ontem foi o aniversário da Ana, filhota. A proximidade com o Natal torna o mês de dezembro mais cheio de festividades. Ana não deixou por menos: festa no trabalho, festa-show na Utópica Marcenaria, com direito a show da Banda Copo Lagoinha e presença de amigos e amigas e, last but least, um almoço aqui em casa, preparado pela Amélia, claro! Vieram: tio Clóvis & Consola, tia Zilah, tia-madrinha Rosa, prima Adélia, amigas Gil, Renata e Manuela, o mano Ângelo & sua Renatinha. Ou seja, o apê se encheu de gente e de alegria. Filhota, parabéns!

2. Outro dia foi a inauguração da "árvore-de-natal-da-Lagoa-da-Pampulha". Parece que já está virando tradição. Começou no Rio -Lagoa Rodrigo de Freitas-; São Paulo construiu a sua no Ibirapuera e, agora, Beagá entra no esquema. Há patrocínio comercial, claro, mas não deixa de ser mais um motivo para a gente circular pelos lados da Igrejinha da Pampulha. Pelas
fotos que vi, parece que a "deles" está mais bonita, mesmo! A vantagem é que essas imensas estruturas são flutuantes e temporárias. A Ana aproveitou uma foto minha e colocou como banner no Mineiras, Uai!. Ficou bonito.

Árvore de Natal na Lagoa da Pampulha-BH. Fotos & composição by Cláudio Costa. Ver mais.

16 dezembro, 2007

O Rio de Janeiro continua lindo, amigão!


1. Mais um pulinho ali: estive, ontem no Rio. Tempo bom - sol sem muito calor, mas nada de folgar: fui de manhã e voltei à noite, já que tudo se resumiu em trabalho.

O que vi do Rio?

1. Aeroporto horroroso, o tal do Tom Jobim. Saindo de lá, em direção à zona sul, você pega a 'linha amarela' (cercada da favelas) ou a 'linha vermelha' e cai na Av. Brasil, cujo trânsito é qualquer coisa de louco. Pro centro - minha reunião foi na Presidente Wilson - o caminho passa pelos armazens decadentes e sujíssimos do porto, numa avenida, a Rodrigues Alves, que avança debaixo de uma via suspensa. Tudo muito feio e, por suposto, perigoso.


2. Aos poucos, o cenário do 'Rio Antigo" se mostra: Mosteiro de São Bento, Rua Santa Luzia, Academia Brasileira de Letras, Teatro Municipal, Candelária e o Bar Amarelinho, já na Cinelândia. Andei por esses caminhos há muito tempo e nunca me sairam da memória as ruas estreitas, igrejas coloniais e gente, muita gente.


3. E o Rio de Janeiro continua lindo. Literalmente abri uma cortina e vislumbrei o Aterro do Flamengo, Museu de Arte Moderna, Monumento aos Pracinhas, Marina da Glória, Outeiro de N. S. da Glória e, lá longe, o Pão de Açucar. Estava dentro de um cartão postal:



4. À tardinha, hora de voltar pro Galeão. Deram-me uma dica: vá ali pro Santos Dumont e tome o frescão, é só R$ 6,50. Como o tempo sobrava, aceitei a alternativa. Mas...



Mas em frente ao Santos Dumont (a parte nova) não vi ponto de ônibus. Perguntei ao segurança que me apontou o lugar correto, uns 200m além. Virei as costas quando escuto:


- Ô amigão!


Era o segurança, correndo em minha direção e já dizendo:


- Olha aqui, tem um amigão meu ali, mexe com frota de carro executivo, ele te leva.


- Mas não estou com pressa, amigão (nessa hora, é bom ter "amigões", não?).


Estacionado, vi o tal-que-mexe-com-frota-de-carro ao lado de um Honda prata, todo sorridente, um corpanzil que dava três de mim. Pensei: -Mais parece um leão-de-chácara, vigilante de boate.


Hesitei por meio segundo e perguntei o preço da corrida.


- O preço é 50 paus, mas faço por 25, amigão.


- Só tenho 15, não vai dar.


- Dá sim, amigão, vamo lá!


Com tanta prova de amizade, não resisti. O segurança me olhava todo sorridente e o amigão/motorista já abria a porta do banco traseiro. Delicadezas cariocas, presumo.


O motorista contou vantagens do seu novo Honda, dizendo que, agora, estava casado com aquele carro. Empolgadíssimo, explicou:


- Foi ontem, foi ontem mesmo que o emplaquei.


Elogiei ao máximo sua nova esposa, enquanto voltávamos pelo mesmo trajeto da manhã: "Pelo menos estamos indo em direção ao Tom Jobim", pensei.


5. Voei de volta pela Gol, tratado como marajá: 1 horinha só de atraso, poltrona apertadíssima e lanche requintado: um pacote de amendoim torrado e 1 copo dágua!


6. A aproximação do Aeroporto de Confins foi sob os últimos raios de sol:



7. Em casa, Amélia me pergunta:


- E aí, meu bem, como foi lá no Rio?


- Ótimo, arranjei um amigão!

09 dezembro, 2007

Oscar Niemeyer e eu

As comemorações do centenário de Oscar Niemeyer se fizeram ao longo deste ano. Mesmo quem não tem interesse especial em arquitetura se depara, cotidianamente, com referências às obras do aclamadíssimo arquiteto.

Foi Juscelino Kubitschek, prefeito da capital mineira na década de 40, quem abriu espaço para Niemeyer, entre nós: convocou-o para transformar a Lagoa da Pampulha em atração turística. Oscar projetou, então, o Iate Clube, o Cassino, a Casa do Baile e a Capela de São Francisco de Assis. Dez anos depois, já governador, JK faz outro mutirão de obras e, novamente, convoca o já consagrado arquiteto. Novas obras são construídas: o Colégio Estadual de Minas Gerais (1954), a Biblioteca Pública (só terminada mais tarde), o Edifício Niemeyer (1955), o Banco Mineiro da Produção, hoje Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), a Escola Técnica da Gameleira e o Conjunto JK. (Veja o vídeo desta reportagem (8min) da GloboMinas). Para ver fotos, plantas e descrição das obras em BH, clique aqui.

Niemeyer, entretanto, não é unanimidade. Alguns criticam a repetição de fórmulas ou mesmo o que chamam de hostilidade do ambiente de moradia e trabalho e, até mesmo, o uso que dele fazem alguns políticos: ao invés de promoverem concursos fazem a contratação direta do arquiteto e se blindam contra críticas.

Quando universitário, morei por quatro anos num apartamento criado pelo Oscar Niemeyer! Uma caixa de vidro e cimento, com janelões voltados para o norte, inundada de sol durante o inverno e de luminosidade ofuscante o ano inteiro. Os corredores imensos, totalmente dependentes de iluminação artificial, são desafio para os claustrofóbicos. Trata-se do enorme Conjunto JK, uma "cidade" com 5.000 habitantes! Habitei o nono andar do bloco mais baixo (24 andares). O espigão tem 36. A foto abaixo fala por si:



Apesar disso, gosto muito das 'invenções' de Niemeyer e me surpreendo cada vez que me deparo com suas obras. Em Curitiba, visitei o Museu Oscar Niemeyer de onde recebi, outro dia, um pedido inusitado: querem reproduzir algumas fotos minhas da Igrejinha da Pampulha. Viram-nas no meu álbum do Flickr, disseram que estão ótimas e ilustrarão uma revista especial sobre Niemeyer! Claro que autorizei e aguardo, ansioso, receber um exemplar.

Àqueles que visitarem nossa cidade, fica o convite: além do pão-de-queijo, do quiabo-com-angu e de muita prosa, conheçam também a BH de Niemeyer.