30 março, 2008

Biscoitos de polvilho

Tenho uma lembrança gostosa de tempos idos: comer biscoitos de polvilho feitos pela minha avó Nhanhá, que também preparava quitandas (alguém aí conhece brevidade?).
Tudo era assado num forno daqueles de barro, um iglu no meio do quintal, com a boca escancarada esperando um punhado de lenha. Aceso o fogo, era hora de pegar os tabuleiros, untá-los e depositar neles a massa mole do biscoito.

No fogão-a-lenha, a chaleira borbulhava de água fervente, logo derramada no coador de pano com boa porção de pó de café. Uma azáfama!

Finalmente, ali estávamos, vovó, vovô Ilidinho, as tias e os meninos aguardando os biscoitos que saíam quentes, corados ou mais branquinhos, crocantes e deliciosos. Não sei o que era mais gostoso, o sabor ou o barulho de mordê-los. Impossível parar de comer.
Podiam ser em forma de palitos, um dedo de espessura, ou mais encorpados. Às vezes, em anéis; outras, sinuosos, cobrinhas ou minhoquinhas de biscoito, como os chamava.

Pois, outro dia, deu-se o revirar do tempo: Amélia recebe uma receita da Dona Hilda, 94 anos, cujos biscoitos saboreamos algumas vezes. Anima-se e vamos em busca dos ingredientes:
- 5 copos (+ ou - 800g) de polvilho azedo
- 1 copo de óleo (aqui em casa, canola)
- 1 copo ( + ou - 250ml) de água
- 1 colher de sopa de sal
- 4 ovos

Como fazer?
Tudo medido, chega a hora de escaldar a massa.
Amélia ferveu o óleo, a água e o sal e derrama tudo sobre o polvilho, que esperava dentro de uma grande tigela. Com uma colher-de-pau vai fazendo um grude. Esperou amornar e sobre este grude quebrou os quatro ovos (gema e clara, claro!). Misturou bem e acrescentou água morna para dar o ponto de massa mole.
Por que? Porque essa massa será colocada em um saco plástico, com um furinho. Assim, vai espremer a massa, formando os biscoitinhos. As formas (tabuleiros) deverão estar untadas com manteiga ou margarina, senão agarra tudo. Levou ao forno, já bem quente.
A gente ficou arrodeando, doido pra comer. Menos de 30 minutos e o visor já nos deixa ver que estão levemente crescidos e corados.

O café exala aquele aroma irresistível e a mesa é posta. Você não vai acreditar, mas essa mistura rendeu pouco mais de quatrocentos biscoitinhos, eu disse quatrocentos! Então, sem economizar na comilança, ainda sobrou pra guardar nos potes. Eis a prova:

O dia terminou assim, em plena metrópole, na pós-modernidade: os aromas e os sabores do lanche reanimaram lembranças antigas, acomodadas em algum lugar de nossas mentes. Não havia o burburinho dos primos e das tias, nem os casos do vovô Ilidinho, muito menos os passinhos miúdos da vovó Nhanhá. Mas a família ao redor da mesa, a conversa animada e aconchego de casa aconteceram. O tempo parou.

Quisera ser um Proust, que ao comer
madeleines, foi assaltado por lembranças tais que escreveu: Em busca do tempo perdido...