03 julho, 2004

A Santificação de Brizola

Fernando Massote, professor de Ciências Políticas na UFMG, de renome internacional, publica no maior jornal de Minas, o Estado de Minas, comentários sempre pertinentes, às vezes irônicos, perfunctórios e mordazes. Seus estilo, muitas vezes querelante, não transige frente ao comodismo dos arranjos (ao contrário do mineiro "come-quieto", morde e grita, se preciso for). Os muitos e fiéis leitores, às sextas-feiras, abriam direto na página de "Opinião" para conferir. Lá estava o Massote! Por razões não reveladas, o EM restringiu-lhe a frequência para quinzenal. Finalmente, nesta última semana, cadê o artigo do Professor? Em seu lugar, lá estava o ex-presidente Sarney, com uma insossa prosopopéia. Cadê o professor? Por intermédio de amigos, recebi uma cópia da crônica censurada. Confira aqui e divulgue!

A última batalha de Brizola
As elites - udenistas e udenistizadas - viram Brizola partir com alívio. E ensaiaram, com Sarney e outros, um adeus isento, procurando enterrá-lo definitivamente, sem apelo nem sobrevida. Pura retórica e literatura decadente de velhos conservadores correndo, sempre - sem alcançá-lo nunca - atrás do trem da história! Procurando cancelar o que Brizola teve de mais característico – uma grande causa à qual sempre permaneceu fiel - Sarney o apresentou, num artigo recente, como um eterno espadachim “que não escolhe a causa e o lado quando se põe na raia”. Um herói sem causa!...
Lênin denunciou, certa vez, esta manobra, afirmando que “quando morremos, os inimigos nos transformam em santos!” Os santos são (ou foram), em geral, heróis que tiveram uma causa bem terrena, como Jesus na sua luta contra o Império Romano, mas dela foram desvinculados pela ressurreição/beatificação da igreja católica que corta as amarras com os grupos sociais ou nacionais que lhe deram origem!... Instituição interclassista e cosmopolita muito ciosa de si mesma, a igreja não aceita concorrência e cancela, na história dos seus santos, as marcas das suas origens sociais e nacionais.
Foi sempre do mesmo modo que as elites udenistizadas trataram Brizola: como um herói sem outro compromisso que com o próprio temperamento exaltado e as próprias alucinações. “Já que herói importante ele é - do povo e não nosso –“ cogitavam e cogitam sempre, os conservadores, permanentemente amedrontados pela luta popular: “procuremos impingir, colar em seu rosto, um dístico historicamente desvirilizante, para ver se pega e dar-lhe uma morte definitiva: “herói sem causa”. Ou santo. Um ser sem qualquer energia histórica.
Desmentindo Sarney, a militância brizolista, rouca pela intensa vaia ao presidente que virou as costas à promessa – de mudar o Brasil – pela qual foi eleito, demonstrou que mesmo do além, Brizola continuou e continuará a inspirar os que se apaixonam pelos destinos democráticos do Brasil. Para não prolongar a vaia, Lula não pôde permanecer no local mais do que cinco minutos!...
Brizola pôde, assim, tendo passado pelo purgatório histórico-político, partir imune, histórica ou moralmente ileso, escapando e sobrevivendo, definitivamente, às tocaias e laços insidiosos com que seus inimigos sempre procuraram liquidá-lo. Derrotando as últimas manobras oligárquicas contra o líder que, parodiando a carta testamento de Getúlio, “deixava a vida para entrar na história”, o povo, entristecido ao dar-lhe o último adeus, agitava o lenço ensopado com as lágrimas de quem perdeu mais um dos seus heróis mais verdadeiros. (massote@massote.pro.br)
O pensamento político e as crônicas podem ser conferidas no site
Fernando Massote.