29 setembro, 2005

CASAMENTO É LOTERIA?

Depois de narrar a história do Pe. Antero e Jandira, uma improvável história de amor, fiz um post , sobre um artigo do Psicanalista Carlos Perktold, no qual ele aborda as vicissitudes da “Revolução Feminista”.

A partir de algumas observações do comportamento “amoroso” de jovens da classe média, afirma que, atualmente, há muita resistência por parte dos rapazes em estabelecer vínculos mais estáveis com as moças. Segundo Perktold, as jovens que têm hoje entre 25 e 30 anos, filhas das primeiras beneficiárias da tal revolução, acabam sofrendo mais, pois o crescimento intelectual, a independência financeira e a igualdade competitiva entre os sexos as tornariam ameaçadoras para uma classe de homens, que só querem “ficar”. Daí, Carlos Perktold conclui “o tiro do devastador canhão revolucionário das feministas dos anos 60 do século passado está saindo pela culatra social e as conseqüências são pagas por seus filhos".

Os comentários ao post foram ótimos:

Sandra , bem irônica e incisiva, diz: Sou independente financeiramente, sustento minha casa e meu filho, e acho que não estou a fim de ter outro para “cuidar” (...) Acho que a revolução era inadiável. Só não contávamos com a apatia dos homens e a falta de entendimento.

Afonso contesta com as estatísticas que indicam a estabilidade no número de casamentos e aponta a distorção sociológica do artigo: Os "muitos jovens adultos" que atendes em teu consultório - ou que podem freqüentar um consultório - são uma minoria.

Yvonne foi direta: se existe uma coisa que me deixa extremamente chateada é quando ouço alguém falar que o tiro saiu pela culatra no que diz respeito ao feminismo. Quanto à disponibilidade sexual, queremos sexo e parceiros para compromissos ou uma noite de amor sem grandes conseqüências. Isto também é um preço a ser pago por sermos livres. Não abro mão de viver esses tempos em nome de nada.

Bete concorda ipsis litteris com a Yvonne e acrescenta: E o que aconteceu com nos mulheres e que nos evoluimos e os homens continuam na mesma posicao, infelizmente.

Jacque se identifica um pouco com o tom do artigo e exemplifica: E já passei por uma situação hilária de um ex-namorado meu me perguntar, todo temeroso, quais as minhas intenções com ele. Ri muito e perguntei: "Vc tá achando que quero casar?" E ele respondeu: "é natural que a mulher pense nisso, né?" Respondi: "mas só temos 1 mês de namoro e essa idéia de casar ainda tá muito longe de mim". Ele então suspirou aliviado e riu. (Pode uma coisa dessas?)

Allan, lá da Itália, filosofa: quando é que deixaremos de ser homem e mulher, branco e preto, cristão e muçulmano e passaremos a ser somente seres humanos?

Ismael Cirilo, do alto de sua experiência de 81 anos, acha o tema complicado – afinal, ele e minha mãe se casaram em 1948, são um exemplo de vida em comum, esbanjam alegria. Mesmo assim, não deixou de comentar: esse tema é muito avançado para mim, entretanto, de acordo com o meu raciocínio, o Perktold tem razão, parece que o tiro saiu pela culatra.

Alberto Eiguer, psicanalista francês, em seus livros “Um Divã para a Família” e "O Parentesco Fantasmático" estabelece alguns “organizadores” que orientam a escolha de parceiro. Para ele, os casamentos e, por extensão, a família, se estruturam por mecanismos inconscientes ligados às primeiras experiências de vinculação .
Alberto Eiguer edifica um modelo de vínculos intersubjetivos narcísicos e objetais, do qual emergirá a representação do antepassado que desperta identificações cheias ou ocas, estruturantes ou aniquiladoras. E assim, mostra que doravante faz-se necessário - se admitirmos que o sujeito utiliza-se do outro como defesa, como fonte e motor de seu imaginário - pensar a família em termos de "transgeração" e "mito familial". Afirma que “os objetos parentais constituem o núcleo do inconsciente familiar”, para o bem e para o mal, penso eu.

Para Eiguer, são três organizadores: 1) Escolha de objeto; 2) as vivências do “eu familiar” e sentimentos de pertença”; 3) o romance familiar, vivido na primeira infância, representando uma imagem idealizada dos pais.

Quanto ao primeiro ítem - “escolha de objeto” - haveria três modelos:

1) Escolha objetal anaclítica, ou assimétrica: o homem ou a mulher buscam um parceiro que lhes forneça amparo e apoio (mãe ou pai da infância). É uma escolha alimentada pela pulsão de conservação e visa, antes de tudo, dominar a angústia de perda das figuras parentais. Haveria uma identificação mútua na perda e cada um idealiza o outro. De alguma forma, o casal se julga sabedor de como um deve sanar a falta do outro. Dois caminhos se oferecem: a) defensivo: quando o homem escolhe uma mulher que é o oposto ao pai e vice versa; b) regressivo: quando se identifica, no parceiro, um sucedâneo da figura parental de identificação. Conheço um casal, por exemplo, que se conheceu no Cemitério Parque da Colina(BH), quando ambos velavam as respectivas mães.

2) Escolha objetal narcisista, ou simétrica: Neste caso, a pessoa se liga a um parceiro que se assemelha:
a) ao que se é;
b) ao que se foi;
c) ao que gostaria de ser;
d) ao que possui uma parte do que se foi.

O vínculo se estabelece a partir de uma idéia de poder, orgulho, onipotência e ambição. Por exemplo: o parceiro seria alguém que seja difícil, a fim de se comparar com ele em força e em capacidade manipuladora. Há um jogo sadomasoquista na relação. Exemplo: uma pessoa, muito fechada, tímida e insegura se sente atraída pelo parceiro arrogante e sociável. É provável que uma das partes acabe desprezando a outra.

3) Escolha objetal edípica, ou dissimétrica: trata-se de uma escolha regida pela identificação madura e adulta ao pai do mesmo sexo.
Exemplos:
a) um rapaz se casa com uma mulher que, de alguma forma, representa a mãe dele;
b) casais que procuram o significado de sua relação amorosa, de interação homem-mulher, baseados nas vivências satisfatórias em suas famílias de origem.

As afirmações de Alberto Eiguer se basearam em pesquisas feitas durante anos, na França, com casais que procuraram terapia. As bases teóricas se fundamentam na teoria psicanalítica do Complexo de Édipo e sua resolução – teoria esta colocada em cheque por inúmeros autores. Afinal, Freud viveu na época vitoriana e tinha, por modelo, a família estruturada pelo pai, mãe e filhos. Esse tipo de família, por incrível que pareça, somente foi definido por Littré, em 1869 (há menos de duzentos anos).

Aliás, é bom lembrar que a palavra "família" deriva do verbete latino "famulus" = 'domésticos, servidores, escravos, séquito, comitiva, cortejo, casa, família'.

Atualmente, após a “revolução feminista”, a liberdade sexual, o desmascaramento das hipocrisias pequeno-burguesas, a facilidade de se obter divórcio, os filhos de pais separados ou “avulso”, inseminação artificial, clonagem, muita coisa mudou.

Será que, finalmente, os casamentos que “dão certo” são, mesmo, uma loteria?
________________________________________________________
[acrecentei ao verbete "Família", da Wikipédia, este comentário do livro de Alberto Eiguer. Confira]