29 agosto, 2006

Cuide de sua panema

Manoel Tosta Berlinck , diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Pontifícia Universidade Católica (PUC-São Paulo), é sociólogo e psicanalista e tem feito contribuições espetaculares no seu campo de pesquisa. Leio regularmente seus artigos.

Outro dia, navegando pelo site da revista eletrônica Psichyatry OnLine Brazil, deparei-me com um artigo que me trouxe muitos conhecimentos e quero compartilhar alguns, aqui. É claro que recomendo os textos em sua integridade, mas blog é blog, não um livro técnico. As filigranas ficam a critério dos mais interessados.

Pois bem, a primeira coisa que aprendi foi o conceito de 'panema'.
- Panema ou Ipanema?
- Vamos por partes, como dizia meu professor de álgebra.

Panema ou panemice é uma força mágica, não materializada, que à maneira do mana dos polinésios é capaz de infectar criaturas humanas, animais e objetos. Panema é, porém, um mana negativo. Não empresta força ou poder extraordinário; ao contrário, incapacita o objeto de sua ação.

Berlinck cita o livro "Santos e Visagens" , em que o antropólogo Eduardo Galvão descreve o que vem a ser essa tal de 'panema'. O sentido mais usado do termo é 'incapacidade' mais permanente, inércia, desânimo, algo que inibe o sujeito e o impede de tomar atitudes mais decididas na vida.

Já os psiquiatras identificam esse estado a um dos sintomas de depressão: a apatia, o anedonismo (incapacidade de sentir prazer). Sobre isso a gente pode conversar depois.

A 'panema' pode ser desencadeada, segundo as crenças de alguns indígenas da Amazônia, quando o indivíduo transgride uma regra tribal, uma proibição, um tabu. Cita-se o exemplo: comer peixe preparado por uma mulher grávida.

Mas a parte mais interessante disso tudo é outra associação: os efeitos da maconha no organismo.
- Como assim?, perguntariam meus interlocutores.

Sabe-se que os efeitos do tetrahidrocanabinol (THC) são, predominantemente, uma certa sedação, calma, desligamento do estresse ambiental e interior.
Quando em uso constante e imoderado, o THC leva ao desinteresse pelos estudo, pelo trabalho e, às vezes, até pelo sexo. O oposto do que produzem os 'psicoestimulantes' como a cocaína e o álcool.

Cocaína e álcool, com efeito, geram estados de desinibição e euforia, muito prazerosos. Esses estados duram pouco tempo e, caso o sujeito demore a usá-los, vem a 'depressão, a ressaca, a rebordosa'.

- Eureka! Então maconha é a droga da melancolia!

É isso que Tosta Berlinck defende em seu artigo:
Quanto à maconha, penso que seu efeito é oposto ao da cocaína ou da anfetamina, que são drogas maníacas. Neste sentido, é possível dizer que a maconha coloca o sujeito num estado melancólico.
Penso, porém, que a maconha estimula um estado esquizo, uma certa fragmentação do ego sem ser acompanhado, necessariamente, pela paranóia, que freqüentemente acompanha esses estados de fragmentação. A maconha aumenta a sensibilidade, reduz o contato com o chamado "superego" e possibilita viagem "livre-associativa".

O autor não termina aí.
Mas eu vou terminar com um outro achado:

Se 'panema' é o estado de inibição, melancolia, travamento e culpa, qual o nome do estado de liberdade, ausência de culpa?

No tupi-guarani, a partícula "i", colocada antes do adjetivo, significa "não". Portanto, "não-panema" é Ipanema!

É o que afirma Berlinck:

Ipanema seria, então, um estado sem pecado, sem proibições, como bem observou Chico Buarque ("Não há pecado do lado de baixo do Equador"). Mas, também, sem mania, acrescento. Pois a mania é a impossibilidade de reconhecer o estado de melancolia que nos afeta.

Pois então, Ipanema é nome de um dos bairros e praia mais famosos da zona sul carioca, lugar de bares, teatros, festas, "Banda de Ipanema" e da famosa "Garota de Ipanema", não é? Portanto, um lugar ideal pra afastar qualquer panema...
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(Viram o que é associação puxando associação? A gente começou lá no Amazonas e terminou na beira da praia de Ipanema!)