19 abril, 2006

Cidadão ou voyeur?

Será que o interesse da população em conhecer mais e mais escândalos ou pseudo-escândalos ficará restrito apenas à satisfação do voyeurismo presente em maior ou menor grau em todo ser humano?

Há algum tempo, João Paulo – editor do caderno Pensar do Estado de Minas escreveu:
- “A curiosidade, que é base do jornalismo, também escora a fofoca”.

A curiosidade é, também, a base do desejo de conhecimento (epistemofilia) que, segundo Freud, pode ser entendido como uma “sublimação” da escopofilia (para o fundador da psicanálise, o termo “escopofilia” se refere ao desejo de ver a nudez e as relações sexuais dos adultos, presente em certa fase do desenvolvimento psicossexual da criança).

É impressionante como a escopofilia (prazer em ver, também chamado de voyeurismo) movimenta milhões de dólares. As bancas, por exemplo, estão cheias de revistas sobre celebridades que vendem cada vez mais todas as vezes que saem reportagens (fofocas) acerca de crises conjugais, flagrantes de adultério, fotos picantes obtidas por paparazzi, etc.

Os canais abertos da TV investem na mesma seara, ocupando a maior parte da grade de programação vespertina em programas voltados à satisfação da curiosidade voyeurística da população. Diante do milionário lucro da TV com os reality shows (tipo Big Brother) o prêmio de 1 milhão de reais para o finalista não passa de gorjeta miúda, é claro!

O filão da pornografia na Internet é outra conseqüência da exploração comercial do voyeurismo, movimentando bilhões de dólares por ano.

Tudo farinha do mesmo caso: reportagens sensacionalistas, pornografia e programas voltados para a “invasão de privacidade”.

O voyeur é insaciável: uma vez tendo satisfeito seu desejo (ver uma cena “proibida”, vislumbrar as partes genitais de alguém, etc), ele pode até se apaziguar por um tempo, para logo buscar novas e novas satisfações. Segundo os manuais de Psiquiatria, apenas uns 7% dos voyeurs partem para um ato sexual violento contra sua vítima (geralmente mulheres).

“Na teoria psicanalítica, a Dra. Phyllis Greenacre associa o fetichismo a um severo complexo de castração em homens e um conjunto mais complicado e menos prontamente estabelecido de reações relacionais no sexo feminino. Para o homem, o fetiche serve a uma função defensiva, um adjunto de reforço para um pênis de potência incerta. O fetiche serve para aumentar a eficiência do órgão (ou seja, do pênis), que não tem bom desempenho sem ele.” [clique aqui para saber mais].

Até onde a avalanche de notícias sobre o atual escândalo da corrupção política já esgotou sua capacidade de “chocar” o cidadão, não mais produzindo o prazer em saber das “coisas” ocultas, muito menos a mobilização do que comumente se chama “opinião pública” em se manifestar politicamente?

Será que a apatia frente à gravíssimas denúncias de corrupção é uma prova de que o noticiário intenso se tornou apenas fetiche para uma população (da qual fazemos parte) que se sente impotente (tal qual o portador de um pênis “de impotência incerta”?

Vamos continuar votando nos mesmos políticos corruptos, corruptores, mentirosos e falsos, mas que nos garantem “diversão e gozo” pelas suas falcatruas escancaradas diante das TVs, Revistas e Jornais?

Acho que o antídoto para o voyeurismo político é o exercício da cidadania. O resto é perversão.

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Ah! hoje foi minha estréia no Livros & Afins, com um "conto de natal".