30 setembro, 2007

Churrasco de surubim ou Surubim na brasa

Aos gauchos Afonso e Milton que abraçaremos (Amélia e eu) na próxima semana, vai parecer estranho e herético o nosso almoço de hoje: churrasco de peixe! Acontece que mineiro é de inventar coisas e lousas, mania de quem vive entre montanhas. Se há iguarias tradicionais (feijão tropeiro, pão-de-queijo, canjiquinha com costelinha, frango ensopado com quiabo e angu, etc.), há sabores novos e releituras gastronômicas inusitadas. Não temos mar - eis nosso trauma! - e sonhamos com praias, bem o sei. Entretanto, os rios correm no fundo de nossos quintais, há cachoeiras logo ali, lagoas plácidas acolá: as águas que aqui marulham, não marulham como lá! Nossos bosques têm mais flores, nossos rios têm mais peixe; a comida, mais sabores!

Encerro aqui este exórdio para deixar com vocês imagens que ilustram passo-a-passo o almoço preparado pelo filho Ângelo, na tarde amena deste início de primavera:

1 - O filé de surubim, após limpo, será fatiado em pedaços de mais ou menos 4cm de espessura. O tempero é tradicional: caldo de limão, alho-e-sal (pouco sal) e pimenta-do-reino. Ficará a marinar por 1 hora, enquanto se partirão ao meio algumas batatas e cebolas, não muito grandes. Estas, regadas generosamente com azeite e salpicadas de tempero em pó, irão ao forno ou à grelha até corar. Serão o acompanhamento.


2. Após alguns minutos expostos ao calor das brasas, cobrem-se os pedaços de surubim com um molho feito de extrato-de-tomate, azeite e leite de coco. O churrasqueiro sabe que deverá virar a grelha algumas vezes, para que o peixe fique bem assado em ambos os lados. A mesa deverá estar posta, pois em 10 minutos a iguaria estará pronta e deverá ser servida quente.




4. Os filés estão assados, crocantes por fora e suculentos por dentro. O tom avermelhado é convite ao paladar. Uma despretensiosa salada de alface foi preparada pela Amélia e as batatas exalam um aroma mediterrâneo. Vamos à mesa!

5. Caberia um vinho tinto encorpado, já que o sabor é marcante. Hoje fomos de cerveja, bem gelada, como convém.




Se ficou bom? É só aparecer por aqui que a gente oferece e vocês próprios conferem.



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Mais fotos, aqui.

27 setembro, 2007

Frei Betto: - "Engana que eu gosto"



Texto de hoje do mineiro Frei Betto, publicado no Caderno Cultura do Estado de Minas, disponível apenas para quem tem assinatura. Sem pejo (e sem tempo pra elaborar um post próprio) compartilho aqui:

Engana que eu gosto

"Assim, de engano em engano, para o bem de todos e a felicidade geral da nação, transcorre a nossa história"


Ora, é evidente que contra o senador não há “provas conclusivas”, tudo não passou de gentileza do lobista de uma grande empreiteira. A contabilidade pecuária está em ordem, embora haja certa desordem na documentação pertinente.

Desde muito cedo, o cidadão brasileiro é educado na síndrome do engano, enfermidade de etiologia política cuja cura só pode ser alcançada mediante doses maciças de auto-estima e senso cívico.

Os descobrimentos da América e do Brasil foram magníficos encontros de culturas transoceânicas. O saldo de milhões de indígenas mortos é mero acaso de organismos vulneráveis em suas defesas imunológicas às gripes e resfriados que os ibéricos contraíam em contato com as frias correntes marítimas.

A casa-grande, generosa com os escravos, tratava-os como filhos, e uns tantos senhores, livres de todo preconceito, chegaram a mesclar seu sangue de branco ao prenhar negras e gerar o mestiço e este símbolo nacional chamado mulata.

Graças à benevolência da casa-grande é que a senzala, farta de carnes variadas, brindou-nos com o prato de preferência nacional: a feijoada. E que não se olvide o bom-gosto do caipira, inventor deste coquetel que, hoje, conquista o sabor mundial: a caipirinha.

A rebelião de Vila Rica não passou de uma transposição extemporânea, ao solo pátrio, das idéias iluministas em voga na Europa. O bando de intelectuais, surpreendidos em sublevação contra a Coroa, fez de um alferes boi de piranha. Tanto que outro qualificativo eles não mereceram senão o de inconfidentes, incapazes de guardar confidência, segredo. À exceção do que teve o pescoço enforcado, deduraram uns aos outros. Hoje, o evento passaria à história como Deduragem Mineira.

E a Guerra do Paraguai? Foi lá o nosso Exército pacificar aquele povo iludido pela mente insana de um caudilho raivoso disposto a defender valores anacrônicos: a soberania nacional e os direitos sociais. Tamanha a paz que os nossos militares impuseram à nação vizinha, que apenas em cemitérios se pode encontrar tanta quietude.

Em Canudos, um bando de fanáticos, liderados por um fundamentalista desmiolado, ousou contrapor-se à proclamação da República! Não tivesse aquela gente resistido à ação pacificadora do Exército, teriam todos sobrevivido e, ordeiramente, retornado ao sadio trabalho nas lavouras canavieiras.

Tantas proeminentes figuras em nossa bela história: Vargas, pai dos pobres; JK, 50 anos em 5; Jânio, o homem da vassoura; Collor, o caçador de marajás! Merece destaque a Revolução de 1964, que salvou o Brasil da ameaça comunista e imprimiu índices astronômicos ao nosso desenvolvimento. Vide a Transamazônica, a Ferrovia do Aço, o Mobral e o fim do analfabetismo! Se um bando de subversivos preferiu trocar canetas por armas, insatisfeitos com a hierarquia trasladada dos quartéis às ruas, não fizeram as Forças Armadas outra coisa senão reagir em defesa da lei e da ordem.

Assim, de engano em engano, para o bem de todos e a felicidade geral da nação, transcorre a nossa história. Ela que avança em ciclos de prosperidade, do pau-brasil ao ouro, do café à cana-de-açúcar, do minério à madeira amazônica, da soja à carne e, agora, retorna aos canaviais, de onde jorra o etanol, a bola da vez a oferecer ao mercado externo.

Sabemos todos que a verdade é inconveniente, incômoda,
constrangedora. É melhor esse jeitinho elitista, capaz de acomodar as situações mais conflitivas e adotar, em nossas escolas, a versão cordial sobre o povo brasileiro. Povo pacífico, ordeiro, leal, com exceção de uns poucos que enxergam mensalão onde houve apenas “operações não contabilizadas”. E ainda querem avacalheirar o presidente do Senado!
Engana que eu gosto!, diz a nação. Porque não há reação, não há manifestações nem mobilizações. Cadê as lideranças populares, as centrais sindicais, as pastorais proféticas? Fora um ou outro protesto ou gesto de indignação, tudo permanece como dantes no quartel de Abrantes.
Razão tinha Proust que, em Sodoma e Gomorra, escreveu: “No mundo da política as vítimas são tão covardes que não se consegue considerar os algozes maus por muito tempo.”
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[Frei Betto é escritor, autor de A mosca azul –
reflexão sobre o poder (Rocco), entre outros livros.]

18 setembro, 2007

Delícia!


Estivemos em Nova Era-MG neste final de semana.

Afinal, não poderíamos perder isso aqui.


Amélia que o diga! (foto by Cláudio Costa)

15 setembro, 2007

Pequena Homenagem a Bashô

Foto by Cláudio Costa, 2007.

Pequena Homenagem a Bashô

(Fernando Guimarães, do Porto)

Bashô - Prefiro olhar esta árvore a olhar o templo que fica no vale. Prefiro olhar esta folha a olhar a árvore. E, depois, esta gota de água à folha onde está pousada. Agora pergunto-te: serás capaz de escrever um poema acerca desta gota?

Jovem Poeta - Julgo que sim. Por isso terei que falar da folha, da árvore e do templo.

Bashô - Será preciso? Então, por que não falar também do vale onde se encontra o templo? Nesse vale corre um rio.

Jovem Poeta - E referir-me-ei a esse rio...

Bashô - Talvez seja melhor falares nos seus peixes. São prateados porque é deste modo que neles aparece a sombra. E a sombra desce porque está a anoitecer.

Jovem Poeta - A noite é semelhante às escamas do peixe. Há nelas também um pouco de luz. Os teus ensinamentos ajudam-me tanto... Julgo progredir pouco a pouco, mas seguramente.

Bashô - As escamas... Estás a pensar agora numa folha?

Jovem Poeta - Sim. As gotas de água aparecem nessa folha como se escamas fossem.

Bashô - Mas ainda não disseste o que é preciso dizer acerca da luz e da noite. E de outras coisas. O vulto de alguém que, antes de principiar a madrugada, se encaminha para pescar nesse rio e leva consigo uma lanterna para atrair os peixes. A mulher que, em casa, lhe prepara a primeira refeição. O ruído um pouco abafado das chaleiras. O modo como um e outro se despediram...

Jovem Poeta - Queres com isso dizer que no poema muitas coisas devem ficar devidamente expressas, que ele deve referir-se a tudo?

Bashô - Não é bem isso. O que quero dizer é o contrário. Nele, tudo pode ser dito, desde que se fale apenas de uma gota d'água.

ooo000)))(((000ooo

(Fernando Guimarães, in "Limites para uma Árvore" - Poesia Afrontamento 2000)

08 setembro, 2007

Maria Aparecida


Nasceu minha mãe no dia 09/09 de um ano terminado em 9. Após 9 meses, cheguei a este mundo, em outro ano com final 9, quando minha mãe tinha 19 anos. Ela teve 9 filhos.

Mais uma vez, o número 09/09 se repete no calendário. Seria uma data qualquer, um domingo qualquer.

Domingo, entretanto, é o aniversário de minha mãe Aparecida, a moça bonita aí da foto.

O bíblico Salomão, há séculos, perguntou: "A mulher forte, quem a encontrará?"

Pois respondo: minha mãe é uma mulher forte, amorosíssima e cuidadosa com os filhos. Brinca, trabalha, dança (mesmo!), verifica, afaga, previne, remedia, aconselha, manda, pede, ajuda, reprime, resmunga, chora, sorri, tudo olha, faz-que-não-vê, intui, deduz, adivinha ("o mindinho me contou"), controla, apoia, socorre, reza, reza muito, tem fé e nos ensinou o bom caminho.

Faz aniversário há anos e continua jovem ao lado do namorado Soié.

O presente? Ah! quem ganha é a gente mesmo: ter você por perto, Mamãe, eis a dádiva que Deus nos deu.

Sua bênção para o filho, Cláudio.

03 setembro, 2007

Sintomas

A experiência de trabalhar com crianças 'em sofrimento mental' é algo angustiante e exige de nós mais do que estudo e conhecimento. Há que verificar bem o sentido dos sintomas, para que servem e qual sua função na estruturação do sujeito.
Se, por um lado, a família pressiona pela 'cura' rápida - o que é compreensível -, nem sempre devemos ser tão afobados na supressão dos comportamentos ditos sintomáticos.
O termo 'sintoma' vem do grego, justaposição do prefixo 'sin' (= sentido de união) com o substantivo 'tómos' (= pedaço). Sintoma, pois, é uma tentativa de 'juntar os pedaços', 'juntar os cacos', montar um quebra-cabeças no qual podem estar faltando peças ou que necessita de mais tempo para se organizar.
Uma interrogação importante: por que o 'estilhaçamento'? Por que 'as peças não se encaixam'?
É tentador pensar apenas em alterações neurofisiológicas, em neurotransmissores descontrolados, em 'problema dos nervos'... as coisas, porém, não se resumem a isso, embora não se deva descartar hipótese alguma.
Atendi, outro dia, uma criança que chega com diagnóstico de 'hiperatividade' (TDAH), transtorno que afeta a média de 4% da população infantil, no Brasil e no mundo. Há critérios bem estabelecidos, etc., mas 'cada criança é uma criança'. No caso ao qual me refiro, há alguns meses houve piora sensível dos sintomas-tipo, com aumento de agressividade e inquietação. Outros comportamentos inadequados se agregaram, como regressão (fala como bebê, quer dormir na cama dos pais, não consegue tomar banho sem ajuda do adulto, alterna bruscamente o humor).
A história desse pequeno cliente de 9 anos evolui junto à derrocada do relacionamento dos pais. As brigas sempre foram constantes, mas 'o caldo entornou' com a descoberta de que a mãe tinha alguns casos extra-conjugais (no plural, mesmo). A criança participou do inferno-em-domicílio, tomava partido de um e de outra e acabou ficando com a mãe nos primeiros meses pós-separação. Há dois meses, coincidindo com a piora dos sintomas, foi morar com o pai, que entrou na Justiça pedindo sua guarda.
Algo que estava trincado acaba por se partir dentro do psiquismo do meu pequeno cliente: muitos cacos. Num esforço de recomposição, sin-tomas aparecem e não será suficiente um remédio a colar os pedaços.
Há que 'escutar' o pedido de socorro e oferecer possibilidades de elaboração do luto, do medo da perda, do ódio e do desespero, da descrença no amor e da infinita necessidade de amparo, de carinho e de amor.
Em troca, tem-se que aprender a falar com ela com as palavras certas, cuidando para que nada se mascare, não haja mentiras. A palavra verdadeira é tudo de que a criança precisa.
É mister, ainda, escutar os pais, cada qual com suas razões e desrazões, aplacar a hostilidade na medida do possível, fazê-los compreender que não deixam de ser pais, apenas não são mais marido e mulher.
Ah, quanto trabalho!
Por isso, às vezes, este blog fica tanto tempo parado, porém visitado pelos fiéis leitores que deixam mensagens tão carinhosas e palavras de estímulo.
O silêncio pode ser um sintoma.