29 abril, 2005

A HORA DE DRÁCULA

Carlos Perktold foi meu aluno no Curso de Psicologia da PUC-Minas há muitos anos. Se não me engano, ainda tem um escritório de contabilidade, é “curador” de artes plásticas e, principalmente, já é reconhecido como um dos mais importantes psicanalistas ligados ao Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Quando saliento que foi meu aluno, é para afirmar que o aluno superou, em muito, este humilde professor.

No Caderno Pensar de sábado (23/abril/05), brindou-nos com uma reflexão pertinente e polêmica acerca do que chamou de descompassos afetivos. Disse:

- "A comunicação na era da internet prescinde da presença do outro e desvaloriza os códigos humanos construídos por séculos, em nome da rapidez e superficialidade."

Para ele, intermediado pela máquina, o próximo não é o vizinho, o colega da faculdade, mas alguém preferencialmente distante:

- “A internet trouxe consigo a mensagem antibíblica de amar o próximo que está bem longe de nós. Para adolescentes e um certo grupo de aficionados por ela, há um sistema no ar chamado Messenger, no qual é possível dialogar ao mesmo tempo com várias pessoas distantes. Essa nova forma de comunicação deveria desenvolver nossa afetividade, pelo contato humano entre seus interlocutores. Nota-se que, com freqüência, ocorre o contrário. Se um dos seus participantes descobre ser vizinho de alguém no circuito, raramente se apresenta e manifesta interesse para uma conversa pessoal na porta de casa ou ali na esquina. Deleta-se o vizinho imediatamente e prefere-se o próximo de Manaus, Fortaleza, Porto Alegre ou Canadá. Quanto mais longe, melhor. Nessa última hipótese, maior também é a chance de os interlocutores se tornarem amigos ou amantes virtuais. Quando se conhecem pessoalmente, a desilusão “se desmancha no pó”, tal como o elefante drummoniano.”

Continua o Carlos Perktold:

"A depressão de hoje vem empurrada de fora para dentro, como uma tsumani metafórica, através de desejos que não são nossos, quase sempre impossíveis de serem realizados. Eles são impostos pela mídia, pelo sistema neoliberal, esse Drácula pós-moderno, e pela crença de que seremos pessoas melhores apenas depois do próximo botox, da nova cirurgia plástica corretiva, da compra da roupa de marcas famosas, de ter o belo corpo dos profissionais da beleza e da aplicação dos mágicos e caros cosméticos, que nos farão jovens para sempre. A perpetuidade da juventude é privilegiada ilusão dos vampiros, que acordam apenas quando o dia se põe a dormir. Precisamos (re)descobrir o óbvio: apenas o humanismo neutraliza o vampiro contemporâneo."

Na relativa impessoalidade do mundo virtual, a máquina se interpõe entre as pessoas qual película impermeabilizadora que bloqueia o calor do contato pessoal, as inflexões da voz e o brilho dos olhares.
Do mesmo modo, os apelidos (nicknames), utilizados para garantir a privacidade, se tornam um recurso absolutamente imaginário através do qual o internauta projeta sua “identidade idealizada”, como que para “vender um produto” a ser consumido: um eu imaginário para um interlocutor imaginário: Pode-se ser jovem, engraçado, rancoroso, poético, apaixonado, desiludido - enfim, um camaleão virtual, um nanico a brandir armas e vociferar impropérios, um revolucionário de araque, um romântico sem romance.
Afinal, quem está "teclando"?

- "A perpetuidade da juventude é privilegiada ilusão dos vampiros, que acordam apenas quando o dia se põe a dormir."

O marketing de um Narciso feito de pixels se esboroa no ar quando cada um se descobre inexistente ao se desconectar.

O texto termina assim:

"É chegada a hora de Drácula. Nela, a falta de humanismo e o desamor vivem na sombra da noite para sempre, pendurados em tênues e passageiras ligações, representadas por alguns beijos numa festa ou num encontro furtivo.

Como em todo deserto, no desumano nada cresce ou floresce de forma afetiva. Acreditar que possa ser diferente disso é outra camuflagem draconiana. Breve, o último humanista, através de um ensaio, ou o último poeta, através de uma ode, anunciarão ao mundo a única solução da crise afetiva em que vivemos: a volta do humanismo. Sem ele nosso destino é nos animalizar."

P.S. 1- Recomendo dois textos do Carlos Perktold:

O sintoma William Moreira e Assisto, logo existo. ambos sobre a incapacidade de muitos jovens não entenderem a palavra escrita.

Tudo isso dá pano prá manga e idéias para muitos posts.
Quem se habilita?

P.S. 2 - Neste mês de abril, o Pras Cabeças completou um ano. o "Termo de Abertura" foi feito em 12 de abril de 2004:

"Termo de Abertura"
Abrindo este blog prás cabeças: mas escrevo com cabeça e coração, pelo menos é o que pretendo. Falar o quê? Falar de quê?

De tudo!
Vai ser difícil: "Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto lutamos mal rompe a manhã." (Carlos Drummond de Andrade)
Então, vamos lá!

P.S. 3 - continuo recomendando o Ontem e Hoje, de meu pai Soié. Mineiridade pura! No último post contou o caso do Taxista Cruel e a cachorrinha Xica. Só mesmo em Nova Era-MG, prá acontecer tal coisa.

26 abril, 2005

Guias para uma viagem (ao) interior

Como turista defronte a um gruta, deparo-me com três guias turísticos, que me fazem propostas distintas:

O primeiro, com uniforme próprio e aparência de experiente e seguro, interroga-me sobre o motivo que me levou ali. Digo-lhe de meu desejo de conhecer a famosa gruta. Confesso-lhe também meus receios, meu medo de entrar e daquilo que poderia encontrar lá dentro. Termino assim:
- Sr. Guia, o que tenho? Como fazer para resolver isso?
Após anotar tudo numa ficha, meu nome e dados pessoais, pergunta-me sobre minha família e, diz:
- O sr. tem uma espeleofilia associada a uma espeleofobia de origem idiopática. Siga minhas instruções e tudo será resolvido.

O segundo guia, cuja indumentária não o distinguia das demais pessoas, escuta minha demanda com solícita atenção e fala:
- Compreendo seu conflito. Entraremos juntos. Na medida em que você sentir alguma coisa, algum incômodo, alguma curiosidade, explicar-lhe-ei tudo. Fale à vontade, expresse quaisquer sentimentos e caminhe no seu ritmo: estarei sempre por perto. Aos poucos, se esclarecerá seu medo e vai conseguir dominá-lo.

Ao terceiro guia, um tanto semelhante ao segundo, apresento o que considerava meu problema.
Escutou-me com atenção e solicitou-me que falasse um pouco mais. Explicasse melhor o que eu queria. Era minucioso! Quase nunca concluía ou dava sua opinião.
Finalmente, convidou-me a entrar na caverna – escura e desconhecida para mim – e fez uma
proposta estranha e instigante:
- Nessa viagem (ao) interior, você deverá falar de tudo que lhe vier à cabeça. Não esconda nada, por mais absurdas que pareçam seus pensamentos, suas idéias, seus sentimentos, seus sonhos. Às vezes surgirão lembranças, experiências, personagens remotos de sua vida... Teremos, provavelmente, um passeio longo. É possível que você descubra coisas impensáveis, esquecidas e, mesmo, valiosas. Quem sabe o que de verdade você teme? Se isso acontecer - o que espero - então você poderá assumir todo seu desejo. Conhecendo o que você quer, saberá para onde ir e o que buscar. Não será fácil. Vamos?

Certamente caricatural, essa analogia me ocorre, com freqüência, quando tento explicar o modus operandi do psiquiatra, do psicólogo e do psicanalista.
Procurados pelo mesmo paciente, suas propostas de trabalho serão, com certeza, diferentes, pois seus métodos e técnicas se sustentam em teorias diversas. Ninguém poderá garantir os resultados, embora alguns profissionais se considerem deuses infalíveis, oniscientes e poderosos.

Nem sempre o turista encontrará o “guia” que lhe convém e a demanda deverá ser reformulada.
Um guia não poderá avaliar o outro a partir dos próprios princípios, uma vez que a coerência interna de uma teoria, aliada à prática, jamais alcançará isenção suficiente, ou a neutralidade epistemológica ideal.

Psiquiatria, Psicoterapia e Psicanálise são campos distintos. Às vezes se opõem e se contradizem, outras vezes se aproximam, chegam à interseção e podem interagir.

O que vai definir a escolha de um ou outro profissional e sua “arte” de trabalhar pode ser a demanda, a sorte, o azar, um anjo ou um diabo. Entretanto, é necessário que não nos enganemos, já que, na maioria das vezes, o cliente é aquele que diz:

- Dr., ajude-me a mudar sem que nada mude.

Psiquiatra, Psicólogos ou Psicanalista?

Psiquiatra é aquele profissional que cursou a Faculdade de Medicina e se especializou no tratamento de doenças mentais. Antes de tudo, um médico que deve fazer diagnósticos e pode prescrever medicamentos, remédios, fármacos.
O Psicólogo, por sua vez, cursa uma faculdade de Psicologia e, na clínica, especializa-se em alguma técnica psicoterápica. Trabalha com técnicas diversas, individualmente ou em grupo, mais ou menos diretivos. Alguns se encaminham para as organizações, empresas, dão consultoria, fazem seleção profissional, etc.

Tanto um quanto outro podem fazer formação psicanalítica, passando pelo processo de sua própria análise e, aí, tornando Psicanalistas.
Estes, embora tenham por fundamento a teoria freudiana do inconsciente (Sigmund Freud), podem desempenhar seu ofício de acordo com linhas teóricas consequentes aos seguidores do fundador: kleinianos (Melanie Klein), winnicottianos (Donald Winnicott), junguianos (Carl Gustav Jung), lacanianos (Jaques Lacan) - para citar os mais comuns. Explicam o adoecimento a partir de conflitos internos entre forças contraditórias dentro do próprio indivíduo, principalmente na repressão aos impulsos sexuais, etc.

Dentre os próprios Psiquiatras - todos médicos -, podemos encontrar:

a) os psiquiatras mais organicistas ou biológicos, que defendem a idéia de que o adoecimento psíquico é devido a alterações bioquímicas, problemas com os chamados neurotransmissores - substâncias que fazem a transmissão dos impulsos nervosos dentro do cérebro, tipo: dopamina, serotonina, noradrenalina, norepinefrina, ácido gamaaminobutírico. Consequentemente são mais adeptos da medicação e sempre tratam com remédios.
b) Outros, em geral, passaram por uma experiência analítica ou psicoterápica, e consideram o uso da palavra (talk therapy) como o recurso terapêutico fundamental. Dispõem-se a "escutar" o que o paciente tem a dizer (ou teme dizer).

Alguns pacientes referem-se a estes dois grupos com expressões do tipo:
a)psiquiatra médico – o que só receita remédio –
b)psiquiatra psicólogo – aquele que conversa!

É evidente que tal polaridade esconde duas armadilhas a serem evitadas:
“A primeira é o medicalismo, que responde ao pedido de ‘remédio’ com a solução química, tida como mais rápida e eficaz, como se não houvesse outro ‘remédio’ para o sofrimento.
A segunda é o psicologismo, que responde ao pedido de soluções para o ‘trauma’ , entendido como ameaça ou castigo psicológico por uma conduta errada, com a tarefa moral de corrigir o erro através de uma pedagogia supostamente esclarecida”. (Ana Cristina Figueiredo)

Não cair nessas armadilhas foi o que, surpreendentemente, conseguiu um clínico, aluno meu em um dos cursos que ministrei para profissionais da rede pública em Belo Horizonte:
Relatou o acontecido num Posto de Saúde, quando, diante da falta do cardiologista, uma senhora muito nervosa, esbravejante, ameaçava chamar a TV para testemunhar a “desorganização” do serviço.

Nosso clínico se prontificou a atendê-la.
Pediu a receita anterior do cardiologista, para fazer a prescrição. A senhora imediatamente saca da bolsa um papel dobrado, entrega-o ao médico, que constata, surpreso, tratar-se de uma Certidão de Casamento! A mulher, logo, percebe o engano (ato falho?) e quer retomar o papel:

– Doutor, eu me enganei.
O médico, de pronto, retruca:
- Estou vendo que seu problema é, realmente, de coisas do coração.

Foi o que bastou para a paciente, surpresa, assentir com a cabeça. De imediato principia a narrar suas atribulações conjugais. Ao final, ela própria pede para ser encaminhada ao serviço de Psicologia.

Moral da história: cada turista tem o guia que merece.

21 abril, 2005

CIÚME E DESESPERO: O INFERNO

Procura-me um rapaz (N.) de 20 anos, universitário.

Acaba de perder a namorada (T.):

- “Ela é linda, doutor, uma modelo. A gente namora desde o segundo ano do colegial, eu tinha 15 anos e meio; ela, 14. Fazíamos tudo junto: fins-de-semana, festas, passeios, almoços, cinema, até a própria faculdade: ela quis entrar pra mesma faculdade que eu, um ano depois de mim. A gente só não se via quando estava dormindo! Agora, ela não quer saber mais de mim, brigou comigo. Chegou pra mim, de repente, na quarta-feira passada e, sem mais nem menos, falou:

- Olha, N., há dois meses estou repensando nossa relação. Resolvi dar um tempo!

Essas palavras me detonaram, Doutor. Desmontei. Chorei, implorei, falei que ela estava errada, que ela era a mulher de minha vida. Mas ela foi irredutível, saiu do carro, lá no estacionamento da faculdade e me deixou ali, feito criança, chorando. Na hora do almoço não fui pra minha casa, mas pra casa dela. Cheguei lá e falei com a mãe dela que T. estava ficando louca! A T. chegou e nem queria olhar pra mim. Mas insisti que deveríamos conversar mais. Aceitou. Fomos pro quarto dela e, aí, ela falou que não suportava mais meus ciúmes, que queria viver a vida, que queria sair com os colegas – coisa que eu não deixava. Se eu nem mesmo tenho amigos, como é que vou ficar sem ela? Mas ela não cedeu. Então lhe prometi que iria mudar, seria outro homem, que ela poderia sair, sim, mesmo que me machucasse. Jurei, da boca pra fora, claro, que a deixaria ir às festas da turma dela sem mim, que fosse ao shopping com as colegas, até mesmo que viajasse prum sítio, no final de semana. Mas ela tinha de me prometer que não ficaria com ninguém, que não beijaria ninguém, pois eu não suportaria. Eu me mataria se soubesse disso. Ela concordou e só então fui pra casa. À noite, liguei pra ela, só pra conversar como amigos e não a encontrei. Ela tinha ido pro barzinho com a turma dela. Não agüentei: desci a Avenida Afonso Pena a 140km, cortando pela direita e pela esquerda, devo ter sido multado naquele radar da Contorno, ali do Tobogã, o senhor sabe? Cheguei na Prudente de Morais. Ela bem ali, alegre, rindo, cheio de gente, uns caras que eu nunca vi. Avancei pra cima dela. Só não bati, mas xinguei de tudo: irresponsável, insensível, traidora, burra! Burra, sim, porque me tinha largado pra ficar com gente que só quer saber de sarrar ela. Burra porque não enxerga meu amor por ela, que ela é a mulher de minha vida. Tenho certeza disso, ela é a mulher de minha vida. O pessoal até me segurou, senão teria batido nela. Acabei indo pra casa, arrependido, com medo de ter colocado tudo a perder, pois eu a agredi feio. Não durmo desde então. Hoje é segunda e não consigo comer desde quarta-feira. Emagreci já 6kg por causa dela. A vida perdeu o sentido, doutor. Quero morrer. Mas não tenho coragem de me matar, não vou deixá-la por aí. Ainda mais porque acredito que ainda vou reconquistá-la. Posso falar com ela pra vir aqui? Pra ela fazer uma terapia com o senhor e voltar atrás? O senhor me ajuda?”

Ao nascer, perdemos o a segurança e aconchego proporcionados pelo útero e adquirimos duas ansiedades básicas que nos acompanharão pelo resto da vida: o medo do ataque e o medo da perda. Logo, estabelecemos uma relação idílica com a mãe, na ilusão de que formamos um par perfeito, até que descobrimos uma terceira figura, um gigante, o pai – o marido dela, o Outro. Na grande maioria dos casos, mais um intruso se interpõe: um irmão a se aninhar nos braços daquela que imaginávamos ser somente nossa.

Essas primeiras experiências amorosas e de “frustração” nos deveriam ter ensinado que:

a) não existem garantias de exclusividade;

b) não podemos manipular as ações do outro;

c) e mais ainda: não podemos dominar o desejo do outro!

Os ciúmes existem e atormentam os humanos desde Caim e Abel. Shakespeare desenvolveu o tema em Otelo. Os homens já inventaram o cinto de castidade. Mata-se e se morre por amor (?).

Os ciúmes podem ser decompostos em três sentimentos básicos que se manifestam em condutas correspondentes:

a) Insegurança: baixa de auto-estima e conseqüente medo de não ser amado, ansiedade, sentimento de posse e necessidade de controle. O ciumento se torna possessivo e cada vez mais insuportável ao outro. Cava sua própria desgraça!

b) Inveja: quero que meu (minha) amado(a) não dê a outrem o que julgo ser somente meu; não tolero ver outra pessoa receber o carinho, o afeto, o olhar daquele(a) que amo!

c) Raiva: odeio meu amado (minha amada) quando não faz aquilo que eu desejo. Odeio também quem recebe a atenção que deveria ser somente para mim. E meu ódio me leva à agressividade: tenho de destruir ambos: meu objeto de amor – que agora odeio – e o intruso – usurpador do meu bem e causa minha perda!

Muitas vezes, a baixa de auto-estima e a culpa por meus sentimentos e ações agressivas para com o objeto amado são tão insuportáveis que a agressividade se volta contra mim mesmo: então quero morrer: "se você não ficar comigo, eu me mato! Já que você me traiu, prá que viver?" O meu “suicídio por amor” contempla minha dupla necessidade: a autopunição e a punição de quem eu amava e agora odeio. E me odeio, por não possuir você, por ter deixado você escapar de mim, por odiar a quem amo!

Tais idéias podem ser fruto de fantasias, até mesmo de delírios (tal como o delírio de ciúme dos alcoólatras). Neste caso, as consequências são terríveis.

Se é verdade que um certo grau de ciúmes pode “esquentar” uma relação e mesmo erotizá-la, é mais comum que ciúmes patológicos tornam o amante cada vez mais rígido, vigilante, controlador, inseguro, às vezes deprimido e, muitas vezes, agressivo. A pessoa não suporta a idéia de perder o objeto de amor pela convicção de que jamais encontrará alguém que o substitua. O pensamento recorrente é:

- Tenho de estar absolutamente seguro(a) de que ele/ela me ama, pois sem seu amor não posso viver. Tenho que estar atento(a) porque, a qualquer momento, quando menos espero, posso ser roubado(a).

É o inferno, dentro de nós!

[Estou preparando uma palestra sobre o tema “Ciúmes”. Vou aproveitar os comentários deste post. Se você quiser colaborar, deixe aqui seu testemunho, sua vivência, se já presenciou alguma cena, se conhece alguém com ciúmes, se você mesmo já “pagou mico”, etc. Desde já, obrigado!]

20 abril, 2005

Divertissement

Estão dizendo que o Bento XVI será um papa ranzinza, inquisidor... Mas a Itália também tem humor. Lá, como cá, os homens são quadrados e as mulheres são redondas (no bom sentido, claro!). Quer ver? Clique aqui, ligue o som e aguarde carregar...

19 abril, 2005

ON THE ROAD

Sapassado, José Maria Maciel e eu viajamos a fim de inspecionar o trabalho com as vinhas, na Serra do Caraça . São 110 km a leste de Belo Horizonte, pela tortuosa BR-262 - apelidada carinhosamente de "rodovia da morte" (São tantas estradas com este apelido, que disputam para ver quem mais mata e faz jus ao epíteto).
O assunto de nossa conversa evoluiu da indignação com abandono das estradas pelo DNIT (governo atual e anteriores) e com a imprudência dos motoristas, a ultrapassarem em locais proibidos e desenvolverem velocidades incompatíveis com a rodovia, com risco para si e - pior - para nosotros.
- É preciso educar este povo! exclamou Zé Maria.
- Como assim?
- Tem que informar, educar, mostrar sempre os riscos. Este povo precisa saber comportar-se melhor!
Fiquei a matutar sobre o alcance do que, comumente, chamamos de
"educar" e sobre a real eficácia do conhecimento:
- Conhecer não é suficiente. Saber do perigo, só, não funciona. Os fumantes sabem dos riscos e fumam. Os alcoólatras evoluem para a sarjeta e prosseguem, os alunos são avisados da prova e não estudam...
- Então, o que adianta?
- ?


18 abril, 2005

Bagunça!

Neste final de semana - e hoje vai continuar - estamos com pintor aqui em casa! Uma bagunça só. A gente se esquece de como um simples buraquinho na parede se transforma em toneladas de poeira, uma gotinha de tinta se espalha pela casa toda e umas folhas de jornal pelo chão (salve o synteko!) passam a significar que um furacão esteve por aqui. Ou seja, sem tempo e cabeça para postar algo mais profundo, emerjo (existe isso?) do caos, lentamente. Eis o retrato de como as coisas andam, por aqui:
La chambre de Van Gogh a Arles, 1889

17 abril, 2005

14 abril, 2005

BRICOLAGEM

1- Em janeiro deste ano escrevi um post sobre o shopping popular de Belo Horizonte, o famoso Shopping Oi. Falava das incríveis ofertas de produtos de todos os tipos, desde câmeras digitais a guarda-chuvas, bonés, adesivos e mil quinquilharias.

Pois, hoje, comunico às interessadas: o maior best-seller daquele ponto de venda é o soutien de silicone! Vendem-se às mancheias, como dizia Machado de Assis. Os preços variam de 40 a 100 reais (uma pechincha, se comparado às custosas cirurgias plásticas). A freguesia é composta de mulheres de todas as classes sociais, que sonham com os seios fartos e empinados (ou serão os homens, a sonhar?). Uma compradora diz: "É ótimo, pode aumentar ou diminuir os seios, só tenho medo de que descole e caia." Referia-se ao soutien e seu líquido de aderência. Ah, bom!

2-
Convidado por Lula às exéquias de João Paulo II, José Sarney, em artigo publicado nos jornais dos Diários Associados, fala de sua decepção com o aerolula:

Quando entrei no avião, com a imaginação do PSDB na cabeça, sobre os luxos do avião, sofri uma imensa decepção. Foi tão grande que me perturbou a viagem. O tal avião nababesco era igual ao Airbus 319 da TAM, em que sempre viajamos para São Luís. Apertado, de uma configuração franciscana, e o quarto do presidente mais acanhado do que o de cozinha de quitinete. Dão saudades os espaços largos do Sucatão.

Para quem pertence à Academia Brasileira de Letras, é muito "ão" para um parágrafo só!

3- Se o aerolula não é lá essas coisas (em termos de luxo), que dirá o belorizontino ao retornar aos tempos de antanho? Olhaí a "novidade":

Os bondes serão vistos, de novo, nas ruas de Belo Horizonte, após quase meio século afastados da paisagem urbana. O prefeito Fernando Pimentel (PT) anunciou, ontem, que o transporte entrará em circulação dentro de um ano para operar, de início, no circuito turístico formado pelo Museu Histórico Abílio Barreto, na avenida Prudente de Morais, Praça da Liberdade, Mercado Central e Parque Municipal, no Centro.

4- Está excelente o post de hoje do Idelber, acerca da prisão do jogador argentino Desábato, por racismo. Corra e leia.

5- Outro post a ser lido é o de Lúcia Malla, uma brasileira que viaja pelo mundo, atualmente na Coréia do Sul. Os fatos que ela descreve sobre o esgotamento dos recursos naturais na ilha de Nauru são um alerta para todos nós.

6- Mais uma dica? Você já conhece o Ontem e Hoje, blog do meu pai Ismael Cirilo, o Soié? Divirta-se com o seu mais recente "causo": Romaria.

7-
Crianças “analógicas” não sabem buscar com instrumentos eletrônicos; crianças “digitais” precisam aprender a navegar uma enciclopédia, um sumário de revista e as páginas de um livro. Uns não sabem o que é verbete e nem que a lombada é tão importante em alguns tipos de livro de consulta; outros não sabem o que é um link e como funciona um sistema de busca digital. De qualquer forma, importante é não separar as mídias como se fossem estanques e levar todos a navegar por todo tipo de suporte, todo gênero de texto. Cada indivíduo deve alcançar o letramento, seja ele no papel ou no monitor. (Ana Elisa Ribeiro, doutoranda em lingüística pela UFMG)

13 abril, 2005

NELSON FREIRE

Acabamos de chegar do Palácio das Artes, onde Amélia e eu assistimos ao Concerto da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.

Na primeira parte, enlevamo-nos com a 6a. sinfonia em fá maior, opus 68, a "Pastoral", de L. van Beethoven. Trata-se de uma das mais populares, pois é extremamente descritiva:
1° movimento: "despertar de sentimentos felizes na chegada ao campo";
2° movimento: "cena à beira do riacho";
3° movimento: "alegre reunião de camponeses";
4° movimento: "trovões e tempestade";
5° movimento: "canto do pastor: sentimentos alegres e gratos após a tempestade".
O prato principal veio na segunda parte: o grande pianista Nelson Freire, acompanhado pela OSMG, brindou-nos com o Concerto n. 4 em sol maior, opus 58.
Aí, meu caro, a emoção foi de arrepiar. O mineiro de Boa Esperança, no esplendor de seus 61 anos, nos faz duvidar que o homem seja a evolução do macaco: parece feito por Deus, mesmo! Depois de pronto, quebrou-se a forma...
Ao final, após quase vinte minutos de aplausos, Nelson Freire gentilmente tocou mais duas peças para piano. A platéia delirou.
Ainda não vi, mas já recomendo Nelson Freire, o filme, dirigido por João Moreira Salles. Tá na minha lista.

10 abril, 2005

DOMINGO MAIOR

1 - Para um domingo tão ensolarado quanto este, uma boa música e palavras de alto astral podem não ser a solução para os obstáculos da vida, mas não fazem mal... Ligue o som e clique aqui .

2 - O que é o real? Pergunta João Paulo Cunha, editor de Cultura do caderno Pensar, do Estado de Minas. Suas reflexões surgiram da análise da cobertura jornalística da agonia, morte e exéquias do Papa João Paulo II.

Afirma: Meios de comunicação e várias manifestações da arte perderam a dimensão dos assuntos de interesse humano e giram de forma bêbada atrás de seus próprios mitos de fancaria.

O Papa morto não é o Papa, é uma imagem do Papa. A forma como os meios de comunicação têm coberto um momento chave para o mundo mostra que mais informação nem sempre quer dizer informação melhor (...) houve o show, mas a informação não avançou. A culpa é menos das coberturas em si do que da nova formulação do jornalismo, que passou, nas últimas décadas, a assumir cada vez mais sua proximidade com a diversão.

Um dos signos da atual arte do consumo é a busca de rapidez, como valor por excelência. A compressão espaço-temporal transforma em defeito de composição qualquer raciocínio que exija tempo, toda narrativa que se sedimenta na vagareza, imagens que se constroem com delicadeza. As pessoas, atualmente, são ávidas por resumos, querem speed, ritmo, cortes sucessivos que destruam o pensamento em nome do efeito.

3 - Assisti, ontem, ao filme Magnólia, do diretor Paul Thomas Anderson, estrelado por Tom Cruise, Jason Robards, William Macy, Melinda Dillon, Philip Seymour Hoffman, Julianne Moore, John C. Reilly, Melora Roberts, Jeremy Blackman, Philip Baker Hall, Michael Bowen. Trata-se de um quebra-cabeças formado por fragmentos da vida de inúmeros personagens. Aos poucos, cada um vai chegando a uma situação crucial na própria vida, em que seus sentimentos e suas decisões terão peso às vezes insuportável. Apesar de incômodo, vale a pena ver.

3 - O Idelber Avelar, que tem o melhor blog do mundo, outro dia contou que fez uma palestra acerca do escritor argentino Júlio Cortázar .

Pois hoje, lendo o caderno Pensar do Estado de Minas de ontem, descubro a indicação de Cronópios Revista (Virtual) de Literatura & Arte. Cronópios? Corri pro Houaiss. Não existe a palavra em Português. Mas não desisto e vou lendo os artigos da tal Cronópios até chegar a este parágrafo esclarecedor da Suzan Bloom:

Algumas das características mais marcantes de Cortázar em sua obra são a transgressão e o ludismo. A transgressão é encontrada tanto no tempo e no espaço como na linguagem e nos personagens. O ludismo pode ser percebido nas palavras e nos personagens, um exemplo disso é a criação de seres que nominou como cronópios, famas e esperanças. Esses seres são encontrados em Historias de Cronopios y de Famas. Vivendo e aprendendo.

4 - Pra não perder o costume, o almoço de hoje foi a quatro mãos: enquanto eu grelhava o salmão, a filhota Ana Letícia fez o molho de alcaparras com alecrim e “passou” na frigideira o arroz-com-alho”. Acompanhamos com o “Vinho de Uva” (este é o nome!!!) feito pelos padres do Caraça, com nossas uvas!!! Pra lá de bom!

5 - Prá encerrar este domingo enorme, Amélia, Ana Letícia e eu iremos, no final da tarde ao Mercado das Pulgas:
objetos antigos ou contemporâneos, novos ou usados podem ser comprados ou trocados - como ocorre nos mercados que o inspiraram, o Marché Aux Puces, de Paris, e a feira de San Telmo, de Buenos Aires. Um dos destaques da programação é o revival do Drosophila, bar que agitou a cidade nos anos 80 e agora organiza um minifestival de arte eletrônica, uma mostra de filmes eróticos japoneses, apresentações de strip-tease, festas e um museu de coisas bizarras.

6 - Chega! Amanhã é outro dia.

07 abril, 2005

EXISTE A CRIANÇA?

Deparei-me, recentemente, com uma situação difícil, mas não rara: minha esposa (Amélia, psicoterapeuta) e eu (psiquiatra) atendemos a uma criança de 8 anos. Além de ser hiperativa, enfrenta sérias dificuldades no ambiente familiar (sujeita, portanto, a estresse constante).
Trata-se de um menino muito inteligente, com capacidades artísticas já comprovadas, muito afetivo e consciente de que precisa tratar-se. Comparece às sessões de psicoterapia com muita disposição. Infelizmente, sua identificação com "a doença" estabeleceu-se desde a mais tenra idade, uma vez que sua família se compõe de pessoas com alto nível intelectual, alguns da área médica e psicológica, de tal forma que os termos científicos aplicados ao seu quadro circulam a todo instante. Ao ingressar numa nova escola, no início deste ano, o próprio menino se definiu assim: "eu sou muito impulsivo, não posso ser contrariado, fico nervoso à toa". Um dos objetivos do tratamento é, exatamente, promover a desidentificação com a patologia, pois ele é muito mais do que um portador de TDAH. É uma criança, na plena acepção do termo!
Isso tudo não impediu que as crises de agitação e desafio às normas provocassem rejeição por parte do corpo docente e, pasmem, da parte de alguns pais de alunos, que pressionaram a escola para que o menino fosse afastado.
De novo, a exclusão se fez.
Agora, nosso pequeno paciente está em outra instituição, não sem "dar problemas", apesar de já ter iniciado o tratamento proposto: orientação familiar e para os professores, medicamento apropriado - com algum resultado benéfico - e psicoterapia.
O leitor: - Este blog está virando um tratado de psicologia?
Respondo: - É claro que não!
O leitor: - Mas prá que falar disso?
Respondo: Vocês já perceberam que "a criança (quase) não existe" em nosso mundo-blog? A gente navega, pula de site em site, nada de se falar de crianças, da situação da infância... quando muito, uma ou outra mãe - às vezes, o pai - que se reporta aos seus "lindos filhinhos", tudo muito cor-de-rosa.
Isto não é novidade.
Philippe Ariès , em dois livros indispensáveis (L'Enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime [Seuil]) e História Social da Infância e da Família) já demonstrara que a criança não existia socialmente antes do seculo XX :
It did not exist at all in the Medieval period, grew into existence in the upper classes in the 16th and 17th centuries, solidified itself somewhat more fully in the 18th century upper classes, and finally mushroomed on the scene of the 20th century in both the upper and lower classes.
Ariès, após suas intensas pesquisas bibliográficas e iconográficas, demonstra que, até à idade média, "nas sociedades pré-industriais até meados do século XVIII, a vida era muito "dura", não havia ternura entre as pessoas, não se tinha a sensibilidade à flor da pele:
O clima social era muito duro, sofria-se e morria-se precocemente. Pode-se dizer, sem risco de ideologização, que havia uma real desigualdade diante da morte. Tratava-se de um tipo de sociedade da qual não se deve ter nostalgia nenhuma! Ainda mais, a criança, que nos interessa, a criança era, ela mesma, o ser mais mal amado naquela sociedade; ela morria ainda mais facilmente e mais precocemente que os adultos".
Les sociétés pré-industrielles, mettons jusqu'au milieu du XVIIIe siècle, sont des sociétés « dures », où l'on n'était pas tendre l'un avec l'autre et où l'on n'avait pas la sensibilité à fleur de peau. Le climat social y était très dur, on y souffrait et on y mourait tôt. On peut dire sans risque d'idéologisation, qu'il y avait une réelle inégalité devant la mort. Un type donc de société que nous ne devons nullement considérer avec une quelconque nostalgie. Plus encore, l'enfant, qui nous intéresse vous et moi, l'enfant était, lui, le plus mal aimé de cette société; il mourait encore plus facilement et plus vite que les adultes.
Será que, nos dias atuais, a situação de fato mudou?
Não se podem desconsiderar os
Direitos da criança promulgados pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1959, muito menos, entre nós, o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (LEI N. 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990). Quem conhece esses dispositivos legais? Quem sabe os direitos dos jovens e as obrigações da sociedade para com as crianças e adolescentes? Quantos criticam sem conhecer? Taí porque digo que A CRIANÇA INEXISTE, ainda!
Esse tal do ECA só aparece na mídia para ser criticado, “por defender e proteger as crianças marginais, os pivetes que nos assaltam e irritam em todo sinal de trânsito!” Esquecem-se (ou nós nos esquecemos) que os ditames dessa lei são perfeitamente adequadas à proteção de TODA criança. Apenas em poucos artigos trata das medidas de proteção ao menor “infrator”.
Aliás, é significativo que se aplica o epíteto de “menor” somente aos filhos dos outros, aos marginais e excluídos: “menor abandonado, menor de rua, menor infrator”. Os nossos, não, estes são CRIANÇAS...
Entretanto, quantas crianças ainda estão excluídas da cultura, perambulam pelas ruas e campos, sem instrução, sem vocabulário, sem diversão, sem amparo, sem afeto?
Num excelente estudo, Walter Omar Kohan (confira em
Infância e Educação em Platão) nos recupera, de forma curiosa, os quatro traços principais de como era considerada a infância em Platão:
a) como possibilidade (as crianças podem ser qualquer coisa no futuro);
b) como inferioridade (as crianças — como as mulheres, estrangeiros e escravos — são inferiores em relação ao homem adulto cidadão);
c) como superfluidade (a infância não é necessária à pólis);
d) como material da política (a utopia se constrói a partir da educação das crianças).
O deus Mercado descobriu as crianças como novos consumidores, alvo de campanhas publicitárias, que vendem moda, entretenimento, programas de TV, filmes e livros. Será esta a inclusão social que interessa realmente aos infantes?
Algumas questões:
· Por que, ao chegar à vida adulta, mantemos um discurso politicamente correto acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, sem a exigência de uma prática pessoal e social inclusiva?
· Quanto tempo, cada um de nós, dispensa no trato com as "nossas" crianças?
· Qual o nível de indignação e efetivo protesto, diante dos absurdos que a mídia (leia-se: programas de TV) impõe sobre a infância?

Às vezes, acho que o mundo blog está servindo exclusivamente como palco ao nosso narcisismo e... foda-se o mundo!