03 setembro, 2007

Sintomas

A experiência de trabalhar com crianças 'em sofrimento mental' é algo angustiante e exige de nós mais do que estudo e conhecimento. Há que verificar bem o sentido dos sintomas, para que servem e qual sua função na estruturação do sujeito.
Se, por um lado, a família pressiona pela 'cura' rápida - o que é compreensível -, nem sempre devemos ser tão afobados na supressão dos comportamentos ditos sintomáticos.
O termo 'sintoma' vem do grego, justaposição do prefixo 'sin' (= sentido de união) com o substantivo 'tómos' (= pedaço). Sintoma, pois, é uma tentativa de 'juntar os pedaços', 'juntar os cacos', montar um quebra-cabeças no qual podem estar faltando peças ou que necessita de mais tempo para se organizar.
Uma interrogação importante: por que o 'estilhaçamento'? Por que 'as peças não se encaixam'?
É tentador pensar apenas em alterações neurofisiológicas, em neurotransmissores descontrolados, em 'problema dos nervos'... as coisas, porém, não se resumem a isso, embora não se deva descartar hipótese alguma.
Atendi, outro dia, uma criança que chega com diagnóstico de 'hiperatividade' (TDAH), transtorno que afeta a média de 4% da população infantil, no Brasil e no mundo. Há critérios bem estabelecidos, etc., mas 'cada criança é uma criança'. No caso ao qual me refiro, há alguns meses houve piora sensível dos sintomas-tipo, com aumento de agressividade e inquietação. Outros comportamentos inadequados se agregaram, como regressão (fala como bebê, quer dormir na cama dos pais, não consegue tomar banho sem ajuda do adulto, alterna bruscamente o humor).
A história desse pequeno cliente de 9 anos evolui junto à derrocada do relacionamento dos pais. As brigas sempre foram constantes, mas 'o caldo entornou' com a descoberta de que a mãe tinha alguns casos extra-conjugais (no plural, mesmo). A criança participou do inferno-em-domicílio, tomava partido de um e de outra e acabou ficando com a mãe nos primeiros meses pós-separação. Há dois meses, coincidindo com a piora dos sintomas, foi morar com o pai, que entrou na Justiça pedindo sua guarda.
Algo que estava trincado acaba por se partir dentro do psiquismo do meu pequeno cliente: muitos cacos. Num esforço de recomposição, sin-tomas aparecem e não será suficiente um remédio a colar os pedaços.
Há que 'escutar' o pedido de socorro e oferecer possibilidades de elaboração do luto, do medo da perda, do ódio e do desespero, da descrença no amor e da infinita necessidade de amparo, de carinho e de amor.
Em troca, tem-se que aprender a falar com ela com as palavras certas, cuidando para que nada se mascare, não haja mentiras. A palavra verdadeira é tudo de que a criança precisa.
É mister, ainda, escutar os pais, cada qual com suas razões e desrazões, aplacar a hostilidade na medida do possível, fazê-los compreender que não deixam de ser pais, apenas não são mais marido e mulher.
Ah, quanto trabalho!
Por isso, às vezes, este blog fica tanto tempo parado, porém visitado pelos fiéis leitores que deixam mensagens tão carinhosas e palavras de estímulo.
O silêncio pode ser um sintoma.