13 novembro, 2008

Memória x repressão x poesia

Lembrei-me agora de como fui me despertando para o mundo simbólico da poesia.

Não aquela poesia "escolar" aprendida no Grupo Escolar Desembargador Drummond, lá de Nova Era, terrinha mineira e simpática às margens do Rio Piracicaba....

Falo de quando minha cabeça foi se abrindo para o
mundo mundo vasto mundo, nas aulas de Literatura Brasileira, no antigo Colégio do Caraça. Maurílio Camello e João Batista Ferreira, outrora padres e professores, fizeram-me a cabeça. Por conta disso, tive a ousadia de escrever uma cartinha ao tio-padrinho Ismar, pedindo um livro do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Tio Ismar tinha um modo especial de me presentear: foi-me dando, aos poucos, os livros de Monteiro Lobato, desde O Sítio do Picapau Amarelo até História do Mundo para as Crianças. Como eu viajava naquelas narrativas...

Tenho outras histórias com o Tio Ismar: deu-me o primeiro método para aprender piano, o Schmmol; levava-me a passear na Capital e, com ele conheci o asfalto (que ele brincava de chamar "chão preto"); levou-me a almoçar num restaurante "giratório", onde fiquei entre a comida deliciosa e o assombro diante das mesas que, literalmente, davam uma volta completa sobre o salão!!!


Pois bem, o tio atendeu meu pedido e enviou-me um exemplar da Antologia Poética, de Drummond. A correspondência passava na "censura prévia" do padre disciplinário (como casam os padres, este já se casou, também). Chamou-me ao seu gabinete, senho franzido, aspecto grave, tom de preocupação:

"-Meu filho, olhaqui, chegou um livro prá você, de um poeta muito esquisito!".


Impetuosamente lancei mão do livro recém desembrulhado, sobre a mesa.


"-Calma! quero comentar com você algumas coisas: veja essa poesia aqui... nem sei se é poesia".

Leu no meio do caminho tinha uma pedra..., "isso parece coisa de ateu, meu filho, sem esperança!".

Selecionou outro poema,
A Mão Suja. Escandindo bem as palavras, voz de mistério, reticente:


"- Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos."


"-Tá vendo, meu filho? isso não é coisa para um jovem puro e inocente como você. O autor está incentivando a masturbação! Isso vai desviar você do bom caminho!".


Dito isso, guardou o livro sob chave, numa gaveta da escrivaninha.

Desde então, nunca mais vi a Antologia Poética do Drummond!


Minha mãe, sabedora do meu gosto pela literatura e pelo poeta itabirano, passou a me enviar, semanalmente, recortes do jornal Estado de Minas, com as crônicas e poemas do poeta C.D.A.! Mãe é mãe.


Até que, saindo do Colégio, com um dos meus primeiros dinheirinhos, logo comprei aquele livro e muitos outros.... Só então, após anos, pude, enfim, usufruir do "presente" do Tio Ismar!