22 novembro, 2004

Olhar, ver, enxergar

Parece-me que a língua portuguesa é a única em que o substantivo olho deu origem ao verbo olhar e à ação deste verbo, o olhar.
No Inglês, temos eye para olho; sight para o olhar; to look e to view para o verbo. Há sutilezas no uso desses vocábulos, pois nem sempre quem olha consegue ver. É o "o pior cego"!
Há o olhar objetivo para as coisas do mundo. Difícil é olhar para dentro de si mesmo, se descobrir, se conhecer: -"Vê se te enxerga, rapaz!"
Os olhos podem ser a janela da alma, demonstrando ódio, amor, curiosidade, frieza, medo, etc. Somos revelados pelo olhar! (Por isso o psicanalista se posiciona fóra do campo de visão do cliente).
É no olhar da mãe que a criança se descobre (isso dá um post!).
Você já se sentiu comido(a) pelo olhar de alguém? E o que dizer dos pais que, com o olhar, conseguem impor aos filhos sua autoridade?
Machado de Assis conseguiu imortalizar os olhos da Capitu, em Dom Casmurro:
"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo,o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. (...)"
Trocar olhares pode ser grave quanto um adultério, ou tão comprometedor quanto um contrabando. O voyeur que o diga.
Se, aqui nos trópicos, os olhos azuis ou verdes são valorizados como belos, profundos, misteriosos, sedutores e irresistíveis, já o alemão Goethe, no seu "Os sofrimentos do jovem Werther" (Die Leiden des jungen Werthers, 1774) inaugura o romantismo literário descrevendo a paixão do protagonista pelos olhos negros da Charlotte S...
Tantas associações possíveis acerca do olhar, do ver, do enxergar - tudo isso me veio à telha (expressão antiga, sô!) ao me deparar com uma exposição de fotografias feitas por um cego: Aconteceu em Itabira-MG (terra do poeta Drummond), onde estive, sexta-feira passada. Fiz uma conferência num evento acerca de "inclusão social" e lá estava o José Eustáquio, ex-funcionário da CVRD, que perdera a visão aos cinquenta e poucos, após trombose cerebral. Pois a inclusão social do JE se faz pelas exposição de fotos que anda batendo de paisagens que guarda em sua memória. Ruas, casas, vielas, montanhas, pessoas - tudo que tem um significado afetivo para ele está sendo, agora, capturado pelas lentes de sua câmera.
Quero lembrar-me do nome do filme chinês, acerca de um menino cego, rejeitado pelo pai: alguém sabe? Vale a pena assisitir! Há, também, um documentário brasileiro acerca de cegos e sua visão de mundo...
Ah!, tem um site que nos mostra o que é ver com o corpo todo: corram ao Bengala Legal para conhecerem a menina e a pedra!
Aprender a olhar e a ver, eis a questão.