27 maio, 2004

Antidepressivos x suicídio

Suicídio com antidepressivos?

Acabo de dar uma entrevista para o programa Rádio Vivo, da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte-MG (95.7 FM e 610 AM). O apresentador queria saber minha opinião acerca da possível exigência de se colocar, nos rótulos dos antidepressivos (AD), a inscrição:"Este medicamento pode levar ao suicídio" (sic). A notícia vem dos Estados Unidos, onde o órgão regulador da indústria farmacêutica e alimentícia (FDA-Food and Drug Administration) está sendo pressionado por defensores do consumidor, diante de alguns casos de auto-extermínio de pacientes em uso de AD. Fiz os seguintes esclarecimentos:
1. A primeira consideração é sobre o diagnóstico correto de Depressão. Na verdade, o termo "depressão" vem sendo utilizado indiscriminadamente. Nós, seres humanos, face a qualquer frustração (amorosa, empresarial, reprovação escolar, perda de um ente querido, etc) nos entristecemos, com toda a razão. Isto não significa que estejamos doentes. Ao invés de buscarmos as causas mais profundas do fracasso, que estão em nós mesmos - na maioria das vezes -, logo queremos um remédio que nos traga felicidade. A indústria farmacêutica estimula e se aproveita disso, fazendo-nos acreditar que existe a tal pílula da felicidade: o antidepressivo!!!
2. O diagnóstico psiquiátrico de Depressão deve levar em conta alguns critérios já estipulados em manuais diagnósticos, basear-se na história clínica e familiar do paciente e decidir pelo tratamento mais adequado.
3. Há depressões: a) predominantemente ansiosas, b) predominantemente com sintomas físicos (cefaléias, dores, problemas gástrointestinais, etc.), c) predominantemente com sintomas de irritabilidade, d) com sintomas de desânimo e inibição motoras, etc...
4. Neste último caso (depressão com inibição psicomotora), na forma mais grave (ideação de auto-extermínio) é que se deve tomar precaução quanto à possibilidade de uma passagem ao ato, ou seja, a real tentativa de suicídio. Isso pode ocorrer, paradoxalmente, na medida em que o paciente, após iniciar o tratamento, melhora e, sentindo-se mais animado e disposto, adquire forças para por em prática suas idéias de auto-extermínio e, aí sim, tentar realmente se matar!!!
5. Essas informações já constam na bula dos medicamentos e devem ser dadas pelo médico, no momento da prescrição (geralmente se explica isso aos parentes ou responsáveis pelo paciente). São casos raros, mesmo.
Mas não se pode esquecer que a depressão é uma doença que tem alto potencial de levar o sujeito ao suicídio, em índices muito elevados. Veja no PsicoWeb, que é um site espetacular de informação psiquiátrica, mantido pelo psiquiatra paulista GJBallone.
6. Além do mais, o tratamento para Depressão não é apenas medicamentoso, mas deve incluir uma Psicoterapia, processo em que o indivíduo terá oportunidade de rever sua posição na vida, sua relação com as pessoas e com o mundo em geral, implicar-se com seu adoecimento e com os processos de mudança, necessários para a não recaída. Na Medicina "organicista", o ideal é a restitutio ad integrum (volta ao estado anterior, supostamente íntegro), enquanto que na Psiquiatria que leva em conta o psiquismo da pessoa e sua responsabilidade no próprio adoecimento, a cura não será o retorno ao que era antes, pois, assim, estariam sendo restabelecidas as próprias condições de um novo adoecer!!!
A cura verdadeira supõe uma mudança de vida, geralmente feita às custas de muito esforço, onde cada um de nós terá que se haver com os descaminhos anteriores.
(Post republicado e atualizado)