26 novembro, 2004

Fome zero: uma contribuição

Em relação ao post anterior, no qual se comunica a utilização do esperma de bacalhau para confeccionar cosméticos, muitos comentários demonstram a geral preocupação com o aproveitamento de substância tão valorizada.
Falou-se da utilização do produto humano in natura para melhorar a pele, das predileções pelo beijinho doce de antigamente, das fórmulas para extrair o precioso líquido (motel com sessão privé), da disposição de se criar bacalhau com o intuito capitalista de se enriquecer...
Resolvi aprofundar um pouco mais e descobri que todos (os homens, claro) podemos colaborar para a politicamente correta campanha "Fome Zero". Como? Ora, elementar, meu caro Watson! Veja os passos (de novo, peço colaboração ao engenheiro químico Caborges e à química Márcia Barsotelli):
1) comprovar se a composição do esperma é, realmente, apenas isso: espermatozóides, líquido espermático, fosfato, frutose e lactose;
2) determinar a quantidade exata de cada um dos nutrientes acima;
3) calcular o potencial energético de cada - com perdão da palavra - ejaculação;
4) recompensar monetariamente os doadores voluntários (isenção do Imposto de Renda de acordo com sua "produtividade" (isso estimularia o Amor e não a Guerra, diminuindo a violência que se abate sobre a sociedade);
5) centralizar a coleta na Agência Nacional de Nutrição Espermática-ANNE- (da qual posso ser presidente ou tesoureiro, desde que a verba seja atraente, que bobo não sou);
6) distribuir os nutrientes de acordo com as necessidades. Por exemplo:
- onde falta água: líquido espermático;
- onde falta memória: fosfato espermático;
- onde falta açucar, doces, álcool combustível e leite: frutose e lactose.
- onde falta gente: o espermatozóide em si (os filósofos que definam qual é a essência mesma do bichinho).
PS 1 - Pronto! Não venham me dizer que não me esforcei!
PS 2 - Aceitam-se sugestões.

24 novembro, 2004

Beijo molhado e... salgado!

Notícia publicada na Folha on line:
Uma empresa de biotecnologia norueguesa disse hoje que aposta no mercado de esperma de bacalhau para a indústria de cosméticos. A Maritex, que é uma das maiores produtoras mundiais de óleo de fígado de bacalhau, pretende produzir sete toneladas de esperma de bacalhau para o mercado internacional de cosméticos.
Isso significa que você vai beijar espermatozóide de bacalhau na próxima "ficada", né? O papo vai ficar bem ictiológico:
-Hummm, que beijo gostoso, gata!
-É de bacalhau norueguês, gostou?
-Ótimo!
...
-Minha filha, isso aí na sua boca, é sapinho?
-Não, mãe, é bacalhauzinho!
-?
-A médica falou que é efeito colateral do baton Maritex.
...
-Você escovou os dentes, hoje?
-É claro!
-E esse bafo?
-Bacalhau português, uai!
O engenheiro químico [Alô, alô, Caborges!] garante: "Não tem cheiro nem sabor de nada". Mas, garantir mesmo, quem há-de?
O preço do esperma, dependendo da pureza, chega a U$ 200 o kilo. Se, antigamente, o quente era a tal galinha-dos-ovos-de-ouro, agora o que vale, mesmo, é o bacalhau-dos-ovos-dourados, pois não?
[Este post foi inspirado pelo divertido blogueiro Marcelo Barros]

22 novembro, 2004

Olhar, ver, enxergar

Parece-me que a língua portuguesa é a única em que o substantivo olho deu origem ao verbo olhar e à ação deste verbo, o olhar.
No Inglês, temos eye para olho; sight para o olhar; to look e to view para o verbo. Há sutilezas no uso desses vocábulos, pois nem sempre quem olha consegue ver. É o "o pior cego"!
Há o olhar objetivo para as coisas do mundo. Difícil é olhar para dentro de si mesmo, se descobrir, se conhecer: -"Vê se te enxerga, rapaz!"
Os olhos podem ser a janela da alma, demonstrando ódio, amor, curiosidade, frieza, medo, etc. Somos revelados pelo olhar! (Por isso o psicanalista se posiciona fóra do campo de visão do cliente).
É no olhar da mãe que a criança se descobre (isso dá um post!).
Você já se sentiu comido(a) pelo olhar de alguém? E o que dizer dos pais que, com o olhar, conseguem impor aos filhos sua autoridade?
Machado de Assis conseguiu imortalizar os olhos da Capitu, em Dom Casmurro:
"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo,o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. (...)"
Trocar olhares pode ser grave quanto um adultério, ou tão comprometedor quanto um contrabando. O voyeur que o diga.
Se, aqui nos trópicos, os olhos azuis ou verdes são valorizados como belos, profundos, misteriosos, sedutores e irresistíveis, já o alemão Goethe, no seu "Os sofrimentos do jovem Werther" (Die Leiden des jungen Werthers, 1774) inaugura o romantismo literário descrevendo a paixão do protagonista pelos olhos negros da Charlotte S...
Tantas associações possíveis acerca do olhar, do ver, do enxergar - tudo isso me veio à telha (expressão antiga, sô!) ao me deparar com uma exposição de fotografias feitas por um cego: Aconteceu em Itabira-MG (terra do poeta Drummond), onde estive, sexta-feira passada. Fiz uma conferência num evento acerca de "inclusão social" e lá estava o José Eustáquio, ex-funcionário da CVRD, que perdera a visão aos cinquenta e poucos, após trombose cerebral. Pois a inclusão social do JE se faz pelas exposição de fotos que anda batendo de paisagens que guarda em sua memória. Ruas, casas, vielas, montanhas, pessoas - tudo que tem um significado afetivo para ele está sendo, agora, capturado pelas lentes de sua câmera.
Quero lembrar-me do nome do filme chinês, acerca de um menino cego, rejeitado pelo pai: alguém sabe? Vale a pena assisitir! Há, também, um documentário brasileiro acerca de cegos e sua visão de mundo...
Ah!, tem um site que nos mostra o que é ver com o corpo todo: corram ao Bengala Legal para conhecerem a menina e a pedra!
Aprender a olhar e a ver, eis a questão.

18 novembro, 2004

Mensagem às estátuas

Você já pensou em se imortalizar na pedra, no mármore, no bronze ou no... no... blog???
Frequentemente ouvimos falar da inauguração de uma placa comemorativa ou do busto esculpido de uma personalidade a habitar uma praça ("logradouro público" - segundo a burocracia oficial).
Até os mortos têm, sobre suas tumbas, estátuas tragicamente belas, cinzeladas em mármore negro ou em alvas pedras: "Aqui jaz fulano de tal." Heróis da pátria, beneméritos, políticos orgulhosos de si, cada qual busca a imortalidade pétrea já tentada pelos faraós e suas mirabolantes pirâmides. "Vanitas vanitatum", "Mataiótes mataiotéton", "Vaidade das vaidades"...
Eis que me deparo com um poema de Angel Gonzales, cuja tradução livre deixo aqui:
Mensagem às estátuas
Sei que vocês, pedras,
violentamente deformadas e quebradas
pelo golpe preciso do cinzel,
ainda exibirão durante séculos
o último perfil que representam:
seios indiferentes a um suspiro,
pernas firmes que desconhecem a fadiga,
músculos tensos em inútil esforço,
cabeleiras pétreas que o vento não altera,
olhos abertos que não vêem a luz.
Pois sua imóvel arrogância,
sua fria beleza,
sua desdendosa imutabilidade,
tudo isso acabará, um dia!
O tempo é persistente, tenaz.
A terra também espera por vocês:
Ao pó retornarão. Caídas sob o próprio peso,
haverão de ser cinzas, ruínas, poeira,
quando sua pretensa eternidade nada mais será!
Tornar-se-ão pedras, já que pedras nunca deixaram de ser,
mineral sem vida, puro escombro,
depois de ter vivido por um tempo
ostentando memória de vitórias -
glória vã de algo também dissolvido no esquecimento!

09 novembro, 2004

Pongar e caronear

1 - Na minha infância, tão reprimido quanto excitante era "pegar uma ponga". Nova Era-MG, cidadezinha debruçada às margens do Rio Piracicaba, era rota de caminhões cuja dimensão minha pequenez classificava de gigantes. Transportavam carvão vegetal, dia e noite, extraído das matas que restavam no Vale do Rio Doce. Queimava-se madeira como se matas e florestas não servissem para nada e fossem inextinguíveis! Ao reduzirem a velocidade, serpenteando pelas ruelas estreitas, ladeadas pelo casario colonial, ofereciam o momento certo: garotos, corríamos e "pongávamos". Por alguns minutos (ou será que eram apenas um flash de segundos?) as mãos minúsculas agarradas na traseira, balançávamos as pernas e soltávamos. Nas subidas íngremes, dava para estender a emoção por um tempinho mais, até que a dor nos vencia, ou o medo. Um pó preto tingia-nos as mãos. Às vezes, algum transeunte nos "passava um pito" ou, mais tarde, contava aos pais. Aí, era repreensão, admoestações e até castigos. Menos perigoso e, portanto, menos excitante, era pegar uma ponga na garupa de bicicletas. Meu pai tinha uma tipo "camelo". Ele mesmo permitia que eu e meus irmãos fizéssemos aquilo: Saía pedalando devagar e lá íamos correndo até que, de um salto, um de nós pulava na garupa. Era uma festa! Recentemente, resolvi olhar no dicionário a palavra "ponga", resquício da infância, significante a pontuar lembranças de um menino do interior. Lá está, no Hoauiss: "Pongar = v. pegar (veículo) em movimento".
2 - Essa lembrança das pongas me assaltou quando li reportagem de página inteira no caderno de veículos do Estado de Minas. O articulista enumerou alguns conselhos para quem quiser "pegar carona" [De novo, o Houaiss: Na terceira acepção, "carona = transporte gratuito em qualquer veículo; bigu, boléia". Como os tempos bicudos exigem economia, nada melhor do que uma carona amiga. Mas, o bom caroneiro deve seguir os 10 mandamentos:
I- nunca se atrasar, jamais fazer o dono do veículo esperar;
II- elogiar o carango, sempre, mesmo que esteja caindo pelas tabelas;
III- oferecer (só oferecer!) para contribuir com o gasto de combustível;
IV- não discordar das opiniões do dono, nem em questão de futebol, religião ou política;
V- empurrar prontamente o carro, em caso de enguiço;
VI- rir das piadas do dono, mesmo que sejam péssimas;
VII- descer rapidinho, inventar uma desculpa, caso o motorista seja um kamikase;
VIII- não reclamar da música, mesmo que seja axé ou Chitãozinho e Xororó;
IX- nunca, jamais, em tempo algum, 'soltar gases' dentro do veículo;
X- não dormir durante o trajeto; babar no banco, nem pensar!
Com este manual de "auto"-ajuda, seremos bons caroneiros!

03 novembro, 2004

Para bem viver, filosofar é preciso

Sêneca foi um filósofo e escritor latino, nascido em Córdoba, na Espanha, aproximadamente quatro anos antes da era cristã. Além de outros escritos, deixou-nos "Doze Ensaios Morais, dentre os quais se destacam: "Sobre a Clemência", endereçado a Nero sobre os perigos da tirania; "Sobre a Brevidade da Vida", uma exortação à filosofia e "Sobre a Tranquilidade da Alma", que tem como tema o problema da participação na vida pública. Também escreveu Cartas Morais, das quais escolhi a número 1:

"1. Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o teu tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
2. Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!. Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.
3. Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é mesmo nosso. A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto - mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável - lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar de este ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.
4. Talvez te apeteça perguntar como procedo eu, que te dou todos esses preceitos. Dir-te-ei com franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as minhas contas em dia! Não te posso dizer que nunca perco tempo, mas sei dizer-te quanto, porquê e de que modo o perco. Posso prestar contas da minha pobreza. A mim, porém, sucede-me o mesmo que a muitos que, sem culpa própria, ficaram reduzidos à miséria: todos perdoam, mas ninguém ajuda.
5. Que mais há a dizer? Não considero pobre aquele a quem basta o pouco que tem. Prefiro, contudo, que tu preserves os teus bens e que o comeces a fazer quanto antes. Conforme diziam os nossos maiores, "já vem tarde a poupança quando o vinho está no fundo." É que o que fica no fundo, além de ser muito pouco, são apenas as borras!
Adeus!"

Não me chamo Lucílio, nem moro em Roma, mas li e reli essa Carta e ando pensando em colocar em prática algum conselho. Mas tá difícil, sô!