22 agosto, 2006

Resiliência

Li que foi feita uma pesquisa acerca de "famílias de risco" para transtornos de conduta.
Entenda-se por "risco":
  • situação econômica precária;
  • um dos pais, ou ambos, desempregados;
  • ambiente familiar desestruturado;
  • pais separados ou com relacionamento hostil;
  • presença de pais usuários de drogas (lícitas ou ilícitas);
  • atitudes violentas, etc.

A pergunta era: nas famílias de risco há maior probabilidade de que pelo menos um dos filhos se torne marginal, criminoso, participante de gangue, usuário de drogas - uma dessas desgraças ou todas juntas?

Alguns achados surpreenderam:
Às vezes, por mais desestruturadas que fossem as relações familiares, uma criança poderia 'escolher' ser diferente: não repetir a desordem, a violência, o esgarçamento da lei. Crianças assim, mobilizados por forças internas, se engajariam em programas de cidadania, buscariam estudar e alcançariam um crescimento inusual comparado com seus pares.

A Psicologia denomina resiliência à capacidade de resistir aos fatores ambientais, familiares e relacionais adversos ao desenvolvimento de uma personalidade sadia.
O termo tem origem na Física: capacidade de certos corpos de retornarem à forma original após terem sofrido deformaões elásticas. Em Medicina, explica a resistência de algumas pessoas frente a infecções, por exemplo.

[ O dicionário Houaiss define bem: Resiliência: s.f. 1 fís propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica 2 fig. capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças ¤ etim ing.
resilience (1824) 'elasticidade; capacidade rápida de recuperação' ]

Alguns fatores favorecem a resiliência em jovens submetidos a "condições familiares de risco", tais como a participação em programas de inclusão social proporcionados pelo poder público (escolas integrais) ou por empresas com "responsabilidade social" (inclusão digital, grupos de dança, arte, esportes, religiosos, etc;

Saliento, entretanto, uma constatação no mínimo curiosa:
  • o hábito de a família toda tomar junta uma refeição pelo menos uma vez ao dia era um diferencial significativo para diminuir os riscos de marginalidade!

Mesmo sendo o ambiente tumultuado, o encontro em torno da mesa de jantar se constitui como ocasião de discussões, acertos, programações, combinações, cobranças, manifestações de afetividade, etc. E esse encontro, segundo a pesquisa, aumentava a resiliência.

No mesmo sentido, leio no EM de sábado passado (Caderno Pensar, disponível online só para assinantes) um artigo da psicanalista Inês Lemos, no qual ela tece considerações sobre a descrença atual nas utopias que pregavam a liberdade e o progresso social.

Fala de seus tempos de estudante de Filosofia e relembra:
Ao som de Joan Baez, sonhávamos e acreditávamos nas músicas e nos livros! E como líamos! Marcuse, Sartre, Camus, Althusser, Foucault. Os franceses sempre nos seduziam. O Collège de France,por exemplo, era um paradigma, um ideal de cultura e estudo a ser perseguido.

Do artigo de Inês, coloco aqui os primeiros parágrafos, pois foram eles que despertaram em mim as associações que iniciam meu post de hoje:

Na mesa falta o pai.
A mãe às vezes vem, às vezes. E a criança, na solidão imposta pelo mundo moderno, prossegue sua jornada agonística.

Em outros tempos, a mesa era lugar para puxar prosa, resolver conflitos, deixar as palavras caírem e, com elas, traçar itinerários, viagens – para dentro e para fora. Porém, agora, as mesas servem mais para computadores serem instalados.

As refeições, essas podem ser feitas rapidamente no self-service da esquina, ou no sofá em frente à TV.

Mas devemos voltar ao tempo das mesas, mesmo que modestas, mas intensas de conversas e afeto. Naquela época, a comida era desculpa para reverenciar a vida. Apetite, todos tinham, e muito! Não se usava fluoxetina. Tudo parecia mais manso, sereno, e a bebida servia ao congraçamento. Era lá, “em torno da mesa larga, largavam as tristes dietas, esqueciam seus fricotes, e tudo era farra honesta acabando em confidência”. A mesa de Drummond – que, em seus versos, homenageia a vida – agora se ressente da falta de gente para comer, juntos, a confiança e a crença no mundo.

(...)
Educar virou sinônimo de dinheiro,
toda a gente deve estudar,
para rico logo ficar.
E o menino cresce sem ídolos admirar.
O mito moderno é o que aparece na televisão,
sem erudição.
Que decepção!
Ela é cheia de frustração,
essa vida de desmoralização.

Tudo a ver com resiliência.