08 dezembro, 2006

Natal mineiro

A montagem do presépio é um ritual conservado até hoje pela minha mãe, Aparecida ("eterna namorada" do meu pai, Soié). Ainda não vi o deste ano, suponho que já esteja enfeitando algum canto da sala, lá em Nova Era.

O mais trabalhoso sempre foi preparar as 'grutas': conseguíamos sacos vazios, daqueles de cimento, e separávamos as camadas de papel, maleáveis e resistentes. Depois vinha a etapa de espalhar o 'grude', feito na cozinha mesmo: farinha de trigo ou polvilho com um pouco de água fervente, o bastante para amolecer. Sobre as folhas untadas, joga-se areia 'de minério', bem azul e brilhante (só quem morou em regiões ricas em minério de ferro conhece). Após algum tempo, tudo sequinho, era hora de montar o cenário.

Corríamos ao quintal ou beiradas de barranco para colher 'musgos', verdinhos, umedecidos pelas chuvas de verão, com os quais montávamos as pastagens dos rebanhos de papel maché ou cerâmica. Os caminhos que levam ao estábulo onde nasceria o Menino Jesus eram feitos da mais fina e branca areia - semelhante a açucar refinado! - conseguida não sei como. Vasos de avencas e samambais compunham florestas das quais saíam toda sorte de animais: leões, tigres, elefantes...

Um espelho era colocado na horizontal, margeado por musgos e pequenas pedras: pronto! lá estava o lago povoado de patinhos a nadar.

Tudo minúsculo, uma síntese do universo, bem ali em nossa casa. Supra-sumo de refinamento era uma lâmpada escondida, cuja claridade iluminaria a majedoura, na qual repousaria o Deus Menino a partir da noite de Natal até o dia de Reis (06 de janeiro). Então, era hora de desmontar tudo e guardar as imagenzinhas, cuidadosamente.

São reminiscências renovadas todo ano, em princípios de dezembro, quando se desencadeia o marketing brutal sobre nossas cabeças e mentes, compelindo às compras.

Mas em meu coração de menino nada pode sufocar lembranças tão remotas e significativas.

Aqui, Amélia prepara, igualmente, nosso presépio, minúsculo e delicado: aos poucos, configura-se o arranjo composto de pequenas imagens de José, Maria e Jesus, além do boizinho e do jumento para aquecer o pobre Menino. Não faltarão as figuras do Três Reis Magos, vindos do Oriente para render homenagem ao recém-nascido, como dizem as Escrituras.

Neste ano, uma novidade: casinhas feitas de barro, delicadamente confeccionadas pelas mãos de artesãs do Vale do Jequitinhonha. Amélia vem adquirindo uma a uma, em cada feira de artesanato que visitamos. Há, ainda, aquelas presenteadas pela Ana&Daniel (Rio das Ostras-RJ), pelo Ângelo (Campos do Jordão-SP, Porto Seguro-BA, Maceió-AL e Serra do Cipó-MG). Pequena coleção temperada pelo afeto que nos une.

Assim, atualizamos os momentos mágicos de nossa infância e conseguimos contrapor um pouco de emoção e espiritualidade à orgia consumista em que se transformaram as 'festas natalinas'.

Não nos esquecemos de que 'natal' significa (re)nascimento de esperanças de um mundo melhor...