21 março, 2005

EDUCAR É DESILUDIR

O Idelber Avelar é um dos mais lúcidos blogueiros que conheço. O cara é professor universitário em Tulane, nos EEUU há anos. Fala - e bem - de literatura, política, música, cultura em geral e... Clube Atlético Mineiro! Seu Biscoito Fino e a Massa é um dos blogs mais visitados, antes mesmo de completar 1 ano. Ou seja, se você não o conhece, saiba que está perdendo.
Desde o dia 18 passado, há menos de uma semana, começou uma enquete acerca da hipótese de considerarmos a opção de voto nulo, nas eleições de 2006. Tá dando pano prá manga! Eis as reflexões iniciais do Idelber:
1) o voto nulo, como movimento organizado da sociedade civil, pode ser uma forma legítima para que o eleitorado expresse seu descontentamento com a progressiva desaparição de toda a diferença entre os projetos políticos colocados na mesa;

2) o atual governo completa 27 meses não tendo melhorado nem um único
mísero índice social, tendo aplicado a mesmíssima receita ortodoxa, monetarista e concentradora de renda do governo anterior e utilizado todos os seus métodos mais fisiológicos, inclusive com extensa evidência de acobertamento de crimes;

3) o Partido do Trabalhadores chega ao cabo de um processo de liquidação completa de sua democracia interna;

4) o quadro partidário brasileiro mostra a consolidação de dois blocos (PT junto com PL, PP, PC do B e PTB, do outro lado PSDB junto com PFL e PDT, com migalhas do PMDB caindo dos dois lados) absolutamente idênticos em sua política econômica, prática política e pautas (não)éticas;

Considerando tudo isso, não espanta que vários setores da sociedade civil e da blogosfera, incluindo o Biscoito Fino e a Massa, estejamos considerando participar de uma campanha cívica pelo voto nulo de protesto em 2006, não só para presidente como para os cargos legislativos também.

Não me cobrem, por favor, que eu saiba de antemão o que se conseguiria com uma acachapante, escandalosa porcentagem de votos nulos em 2006. Não sei. Mas uma multidão votando nulo de forma organizada pode produzir algum movimento.

Caso você seja contra, por favor poupe-me do cliché de que é importante votar em Lula para que a “direita” não volte ao poder. A direita está no poder. Se for criticar a iniciativa, eu sou todo ouvidos (ainda estou tomando minha decisão), mas apresente um argumento mais inteligente.
Eu confesso que morro de curiosidade: Você está também considerando a possibilidade de anular seu voto em protesto? Você participaria de uma campanha pelo voto nulo? Seria receptivo a ela?

Trata-se de uma questão muito importante.
Todos somos educados, desde a infância, a acreditar na força do voto para o exercício da democracia e que cabe aos políticos garantir e proporcionar condições de vida mais igualitárias para o cidadão. Pensar em voto nulo é quase uma heresia - na verdade, o Idelber não propõe o voto nulo, apenas traz à baila essa possibilidade, como protesto contra a continuidade da política neo-liberal pelo governo Lula. Idelber afirma:

Mas não acho que a decepção seja uma questão de “falhas” ou “falta de coragem” ou “de vontade” do governo (...) Para este blogueiro houve traição profunda.
Já andei dando meus pitacos na caixa de comentários do Biscoito Fino, assim como têm feito outras pessoas muito mais importantes do que este pobre escriba: Por exemplo, o Rafael Galvão, cujo post "Sobre o voto nulo" merece ser lido.
H
No post de hoje, Idelber apresenta uma palavra importante: desencanto. Desencanto = perder o encanto.
O que é "encanto"?
Entre as 4 acepções propostas pelo indefectível Houaiss, escolho duas nas quais destaco a segunda:
a) quem ou o que agrada, atrai, deslumbra por suas qualidades (p.ex., beleza, inteligência, simpatia);
b) palavra, frase ou qualquer outro recurso que supostamente possui poderes mágicos de enfeitiçar; encantamento .
Tá na hora de deixarmos de acreditar em mágica, em encantos, na política.
Lembro-me da definição para "educação", feita pelo inglês Winnicott: educar é desiludir.
Que bom que o povo se desiluda, se desencante e passe a engajar-se mais nas discussões e ATUAÇÕES pela melhoria da vida. Iludir-se com políticos e encantar-se com suas pirotecnias? Não!
Há muitas AÇÕES que poderiam ser adotadas pela população (ou seja, por nós mesmos) no sentido de cobrar mais, agir mais, nos organizarmos melhor, etc. Inclusive, esta discussão proposta pelo Idelber, que está trazendo à consciência de todos que é preciso nos envolvermos mais e mais nas questões políticas, ao invés de ficarmos alienados, encantados e seduzidos por discursos demagógicos (deste e de todos os governos e de quase todos os políticos. Ou de todos?
Apesar do "desencanto" de muitos com o governo Lula, com a política econômica e fiscal draconiana (tudo vale para controlar a inflação e "acalmar" o mercado - leia-se: os detentores de riqueza), a última pesquisa do Instituto Sensus, feita em fevereiro/05, aponta Lula como vencedor das eleições presidenciais em 2006, por ampla maioria, em tcinco cenários diferentes apresentados ao entrevistado:

PRESIDENTE 2006 – 1º Turno

LISTA 1

FEV 05

%

Lula

46,5

Anthony Garotinho

14,3

Aécio Neves

11,1

César Maia

6,6

Outros

,5

Indecisos/Branco/Nulo

21,2

Total

100,0

PRESIDENTE 2006 – 1º Turno

LISTA 2

FEV 05

%

Lula

45,2

Anthony Garotinho

14,3

Geraldo Alckmin

12,9

César Maia

6,4

Outros

,7

Indecisos/Branco/Nulo

20,7

Total

100,0

PRESIDENTE 2006 – 1º Turno

LISTA 3

FEV 05

%

Lula

45,4

Anthony Garotinho

15,9

Tasso Jereissati

8,2

César Maia

7,3

Outros

,9

Indecisos/Branco/Nulo

22,5

Total

100,0

PRESIDENTE 2006 – 1º Turno

LISTA 4

FEV 05

%

Lula

44,4

José Serra

18,3

Anthony Garotinho

12,4

César Maia

5,4

Outros

,8

Indecisos/Branco/Nulo

18,9

Total

100,0

PRESIDENTE 2006 – 1º Turno

LISTA 5

FEV 05

%

Lula

45,4

Anthony Garotinho

13,8

Fernando Henrique

13,2

César Maia

7,0

Outros

,6

Indecisos/Branco/Nulo

20,2

Total

100,0

Será que o voto nulo impediria a reeleição de Lula? Quem e o que faria outro político eleito no lugar de Lula e, por suposto, de outro partido diferente do PT? O PT ainda é o PT? Será que o povo (nós, o povo) ainda temos esperança de que, num segundo mandato, Lula e seu governo cumpram as promessas de campanha?
A mobilização pelo voto nulo teria o poder de sensibilizar o atual governo e os políticos em geral? São perguntas para as quais não tenho resposta.

Mas ainda considero, talvez iludido e encantado, a importância do voto.
O nível da discussão está excelente e respeitoso. E você? O que acha?