10 agosto, 2004

Beba água e fique feliz

O Estado de Minas de ontem transcreveu notícia publicada no The Observer - jornal britânico - de domingo, afirmando que estão sendo encontrados traços do antidepressivo Prozac (cloridrato de fluoxetina) na água consumida pelos ingleses. A Agência para o Meio Ambiente da Grã-Bretanha sugere: tanta gente vem tomando o tal remédio que seus resíduos, expelidos principalmente na urina, estão se concentrando em rios e na água encontrada no subsolo. Taí um "efeito colateral" não previsto nas bulas.
O título irônico da reportagem do The Observer diz "Stay calm everyone, there's Prozac in the drinking water" [Fiquem todos calmos, há Prozac na água potável].
It should make us happy, but environmentalists are deeply alarmed: Prozac, the anti-depression drug, is being taken in such large quantities that it can now be found in Britain's drinking water.
Environmentalists are calling for an urgent investigation into the revelations, describing the build-up of the antidepressant as 'hidden mass medication'. The Environment Agency has revealed that Prozac is building up both in river systems and groundwater used for drinking supplies.
Por que será que tantos de nós recorrem a drogas lícitas e ilícitas?
A sociedade pós-industrial tem características interessantes, acompanhando a evolução tecnológica para diminuir cada vez mais o esforço físico dispendido na produção de bens (reservando-o aos cidadãos de segunda categoria, conforme bem salientou o Allan Robert em seu último post na Carta da Itália.)
Por outro lado, a indústria química (aí incluída a indústria farmacêutica) desenvolve produtos mais sofisticados e eficientes, numa promessa de felicidade plena, ausência de conflitos e de dor. "Prazeres imediatos" (imediato significa "sem mediação" do esforço, do trabalho, da busca, da espera, etc.) são o objetivo de tanto recurso às drogas (legais e ilegais). Eles proporcionam, imediatamente, a sensação de prazer, euforia ou desligamento do mundo - além de cortar as dores, físicas e espirituais: vide o aumento do consumo dos antidepressivos e ansiolíticos, maconha, extasy...).
Na esfera sexual, a facilidade para se terem relações sexuais -sem mediatização da côrte, da amizade, do namoro- faz com que as aproximações pessoais fiquem mais difíceis, paradoxalmente. A internet com sua oferta de "sexo-virtual" dá a ilusão tanto a homens e mulheres, principalmente jovens, de que gozar é ato puramente mecânico, basta o estímulo certo. "Dá trabalho chegar numa menina, convencê-la a ficar e, ainda por cima, corro o risco de receber um não", lamenta um jovem cliente.
Tenho observado aumento incrível de pacientes que já entram em meu consultório de Psiquiatria e Psicanálise com o explícito pedido: "Dr., quero que o senhor me receite aquele remédio que dá felicidade, o Prozac"!
É preciso relembrar aquelas palavras com que o velho Sigmund Freud, já em 1929, iniciava seu delicioso texto O mal estar na civilização:
O trabalho psicanalítico nos mostrou que as frustrações da vida sexual são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas como neuróticas não podem tolerar. O neurótico cria, em seus sintomas, satisfações substitutivas para si, e estas ou lhe causam sofrimento em si próprias, ou se lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos com o meio ambiente e a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o primeiro nos apresenta um novo problema. A civilização, porém, exige outros sacrifícios, além do da satisfação sexual.
Freud salienta que a felicidade completa, a ausência de sofrimento, de conflitos, de dores, de aborrecimentos e de sacrifícios é utopia legítima buscada por nós, humanos. Existem, entretanto, obstáculos intransponíveis: a fragilidade do corpo (dores, doenças, envelhecimento e Morte!), as incontroláveis forças da natureza (maremotos, terremotos, vulcões, furacões, enchentes, raios, etc.) e a pulsão agressiva, que habita cada um de nós.
Será que a solução está em beber a água-com-prozac da Inglaterra ou uma boa caninha?