29 junho, 2007

MP1D ou MDA?

Este post vai pra dois portoalegrenses: 1 - Milton Ribeiro, que hoje está fazendo mudança. 2 - Afonso Chato, que enfrentou um cano estourado, nos dias em que estive lá. Cláudia e Kaya que se cuidem: seus respectivos podem querer arranjar um maridaço!

Antes que me chamem de mentiroso, confiram a reportagem do Estado de Minas, depois me digam se o meu xará não vai criar escola.

ATENÇÃO: não sou eu o tal Cláudio Nolasco da reportagem - já sou marido por 24h de minha Amélia e, mesmo não sendo tão polivalente quanto o MP1D (marido por 1 dia) do anúncio, ainda não fui despedido.



O certo é que o anúncio distribuído em bairro nobre da capital mineira mexeu com a imaginação das 'solteiras por um dia ou não', ou seja, daquelas mulheres que se vêem às voltas com pequeninos problemas do cotidiano, tipo trocar lâmpadas, carregar piano, cortar a grama do jardim, segurar o pitbull pelo pescoço, trocar os 4 pneus da Cherokee, lavar o carro que atolou na volta do sítio... coisinhas assim, que um super-homem não resolva. Quanto a mim, ainda estou no primeiro grau da escala: já aprendi a trocar lâmpadas, desde que alguém carregue a escada, segure-a para não balançar e implore antes, implore muuuuito, né, Amélia?


Falando sério: se há uma coisa que me irrita é chegar em casa e me deparar com uma lâmpada queimada, um eletrodoméstico estragado, uma válvula de banheiro que disparou, a máquina de lavar com vazamento, a torneira da pia pingando, a cadeira manca, etc. Tudo isso já aconteceu e até que me saí bem. Quando termino o serviço, fico na maior empolgação, a Amélia diz que sou o tal - e acredito! - e penso: - Da próxima vez resolvo logo, não vou reclamar nem deixar para depois. Mas o próximo evento me desmente.


Pois o moço do anúncio é mesmo prendado: Foi assim que Cláudio Nolasco, de 44 anos, ganhou a simpatia de mulheres de BH, exaustas com o acúmulo de funções em casa. Conhecido como MacGyver pelos amigos de infância, justamente em função de suas habilidades em montar e desmontar brinquedos, ele fez um curso técnico de eletricidade, em 1981, mas, dois anos depois, embarcou para os Estados Unidos em busca do sonho americano. Com a cara e a coragem e um dicionário de inglês/português debaixo do braço, fez de tudo na terra do Tio Sam. [texto da reportagem de Déa Januzzi, no Caderno Bem Viver, de 24jun07].


Não lhe faltará serviço, com certeza. Conseguir mão-de-obra idônea e competente para os chamados serviços gerais é um dos problemas das grandes cidades. Ninguém se conhece, há uma infinidade de picaretas (não tanto quanto no Congresso, claro!) e o risco de piorar o que já se estragou é enorme, fora os orçamentos estapafúrdios: cobra-se pela cara do freguês.


Conversa vai, conversa vem, fico sabendo que a idéia não é tão original, pois em São Paulo já existe um tal de marido de aluguel [MDA].
Googlei e achei:

Agora, convenhamos, apresentar-se como "marido por um dia" ou "marido de aluguel", pode ser uma boa estratégia de marketing, mas não deixa de ser esquisito. Ou ambíguo. Talvez, por isso mesmo, façam tanto sucesso.

28 junho, 2007

A profecia

Em 5 de junho, agora, meus pais comemoraram 59 anos de casados!
Vamos abraçá-los neste final de semana, almoçaremos juntos e nos recordaremos de muitas histórias vividas.
Uma delas, com certeza, será o 'caso da profecia da cigana'.

26 junho, 2007

À procura da mulher bem resolvida

WILSON BENTOS, daqui de Belo Horizonte, escreveu o seguinte texto. Já está circulando pela www - às vezes sem o nome do Autor. Pois estive com ele e autorizou-me a publicar tudo. Mas vou colocar só o início e você poderá ler o resto no link original.


A mulher bem resolvida não anda por aí, dando sopa. É verdade.
Porque mulher resolvida mesmo já resolveu tudo, inclusive com quem compartilhar o travesseiro. É independente, inteligente, bem sucedida e não é carente, já que para ser bem resolvida tem que começar... [continua]


Depois que você ler tudim, me diga:
- Existe a mulher bem resolvida?

21 junho, 2007

Paranóia

Pintura de Radaelli (Porto Alegre-RS) - Photo by Cláudio Costa

Os padres que dirigiam o antigo Colégio do Caraça e lá ministravam aulas eram "vicentinos", religosos da congregação fundada por São Vicente de Paulo, cuja sede fica em Paris, à rua Saint Lazare. Por isso, são denominados 'lazaristas'.

Assim, o sistema de ensino e toda a disciplina foram adaptados dos costumes europeus e, ainda por cima, obedeciam aos rigores das 'regras' monásticas: acordávamos às 5,25h da manhã, mesmo no mais rigoroso inverno, no alto da Serra do Caraça. Aos sábados, domingos e feriados, eram condescendentes e dormíamos até mais tarde: 5,55h! Isso mesmo, ansiosamente esperávamos o bendito 'descanso': nunca trinta minutos fizeram tanta diferença. Após a missa cotidiana, seguia-se o café-da-manhã, composto de pão, café-com-leite e mingau-de-fubá. Aos domingos, um luxo: tínhamos manteiga. Aprendíamos a frugalidade monástica, por bem ou por mal. Quem não se adaptasse, que descesse a serra e voltasse 'para o mundo, lá fóra'.

O currículo era muito apertado, com aulas de Português, Literatura, Latim, Francês, Inglês, Grego, Ciências, Matemática e Religião. Esporte era obrigatório, assim como o banho frio.

Até hoje louvo a organização: cada aula durava 45 minutos, precedida de igual período para prepará-la. Todos os alunos tinham de ficar em suas carteiras, num enorme salão, a estudar a matéria específica da aula que viria. Silêncio absoluto. O padre disciplinário, ocasionalmente, percorria os corredores entre uma carteira e outra, conferindo se realmente o aluno se dedicava ao estudo determinado. Às vezes, é claro, pegava alguém a ler uma revista, um livro de contos, uma carta recebida da famíia. Era repreendido à vista de todos, um vexame.

Por um tempo, eu ocupava a última fileira do salão, logo à entrada da porta, nos fundos. Assim, quando o padre disciplinário aparecia, ninguém percebia. Chegava de mansinho e observava os oitenta jovens debruçados sobre os livros. Calmamente conferia um a um e retornava a seu gabinete.

Certo dia, no primeiro horário da manhã, pus-me a ler O Cão de Baskerviles de Sir Arthur Conan Doyle, aventura de Sherlock Holmes e seu amigo Dr. Watson. O suspense era enorme e me desligara completamente do mundo, concentrado no fog londrino e na trama policial.

Súbito, com o canto dos olhos, percebo algo a balançar suavemente um pouco atrás de mim e logo me convenci de que era a borda da batina do disciplinário. Fora descoberto! O desfecho era previsível. Em voz alta, o padre exclamaria: - Muito bem, "senhor" Cláudio, os problemas de geometria, hoje, serão resolvidos pelo detetive Sherlock? Todos os colegas se voltariam para mim e aguardariam o castigo: - Hoje você ficará sem a sobremesa e não poderá brincar durante o recreio após o almoço. Era a senha para uma gargalhada geral.

O que fazer? Se eu escondesse o livro, seria tachado de hipócrita dissimulador. Terrível. Se não o fizesse, então seria descarado, desafiador, impertinente e sem-vergonha. Terrível, também. Minha imaginação trabalhou a todo vapor e inventei uma esperança: quem sabe o padre não percebera meu deslize, estaria olhando lá para frente e nem se dera conta de minha falta? Alívio!

Fingi que nada me perturbava e debrucei-me mais um pouco para tentar encobrir a prova de meu crime. É claro que não conseguia ler e um suor frio escorregou fronte abaixo, coração disparado e respiração suspensa. Com o canto dos olhos, contudo, ainda percebia o vulto a balançar logo ali atrás, um pouco à minha esquerda. O danado do padre não saíria dali nunca mais?

Resolvi enfrentar o inevitável. Arranquei do medo e da vergonha um resto de coragem: confessaria meu crime e acataria o castigo. Não seria a primeira vez. Voltei-me resoluto e já enunciava um "desculpe-me, sr. padre" quando descobri, aliviadíssimo, a origem daquela sombra balançante: era a ponta de meu cachecol, pendurado no encosto da cadeira, que oscilava ao sabor da brisa matinal. Não havia padre nenhum e, portanto, nada de castigo. O mundo continuava a girar, o silêncio imperava e eu só escutava o bater assustado de meu coração. Joguei Conan Doyle para a gaveta da estante e ri, ri muito de mim mesmo.

...ooo)000(ooo...

Ao lado, o que restou após o incêncio que destruiu parte do Colégio, em 1968. O salão de estudos ficava no segundo andar, acima dos arcos. Atualmente, funciona, aí, o museu do Caraça.

[Clique aqui para ver mais fotos]

Caraça-MG - Photo by Ana Letícia (Art director: Cláudio Costa)

20 junho, 2007

Um defeito de cor & Mothern

Junho, aqui em Belo Horizonte, é repleto de feiras, atrações culturais, programas gratuitos ou pagos, tudo isso, acho eu, para 'esquentar o inverno'. Este chega oficialmente amanhã, mas já deu sinais de vigor há duas semanas, fazendo-me ressuscitar roupas de lã, adormecidas no aconchego dos armários desde o ano passado.

Um dos acontecimentos culturais mais empolgantes é o Salão do Livro, na 8a. edição. É ótima oportunidade para crianças e adultos conhecerem, de perto, autores e seus livros, folhear as últimas novidades ou os clássicos, livros técnicos, de arte, de literatura, infantis, importados, usados, etc e tal.

O 'Encontro Marcado' é um evento especial durante o salão, no qual o escritor responde a perguntas de um 'apresentador' e, a seguir, dialoga com o público: A proposta é promover conversas descontraídas, no formato de entrevista, que apresentam a trajetória do convidado, seu processo de criação, experiências, identificação no universo literário e suas obras.
Compareci, a convite do Idelber e da própria, ao Encontro Marcado com Ana Maria Gonçalves, que escreveu "Um defeito de cor". Muita gente já escreveu e falou sobre a maravilhosa epopéia produzida por Ana Maria Gonçalves.
Idelber assim a apresentou:
- É a primeira grande saga histórica em voz feminina no romance brasileiro, e é muito mais que isso. São umas 1.000 páginas, uns 400 e tantos personagens, 80 anos de história do Brasil-África-Atlântico-negro e uma voz alinhavando tudo: Kehinde, possivelmente Luiza Mahin, talvez a mãe do poeta negro Luiz Gama (continua aqui ).

Millor Fernandes simplesmente cai de joelhos diante do livro:
- Em suas 952 páginas, Um Defeito de Cor não tem hausto, parada pra respirar. Desmintam-me, por favor. É um dos livros mais importantes, coloco entre os melhores que li em nossa bela língua eslava. Entre os 100 melhores, Millôr? Que exagero é esse, rapaz?, entre os 10. TE CUIDA, SARAMAGO! (leia o Texto completo do Millôr)

Muita gente pergunta:
- Por que um livro tão extenso?
Ana responde:
- Foram dois anos de pesquisa e nove meses escrevendo, de domingo a domingo. Durante todo esse tempo, não fiz outra coisa, foi dedicação integral mesmo. Eu sou publicitária, e quando decidi parar tudo para escrever vendi minha agência em São Paulo e fui para a Bahia disposta a só pesquisar e escrever (Continua aqui).

Eu afirmo:
- Se você é daqueles que desanimam diante de 952 páginas, faça o seguinte: comece a ler! Duvido que não fique 'possuído' pela escrita, pelo personagem, pelo clima, pela história, pela emoção e pela abrangência de "Um defeito de cor". É começar e não parar. Depois me conte. Antes de completar um ano de lançamento, "Um defeito de cor" já ganhou o Prêmio de Literatura da Casa de las Americas!
E tem mais:


Ao final da entrevista, enquanto a Autora autografava seu romance, encontro o Idelber já bem acomodado numa mesa do "Café da Feira", em companhia das
Mothern, Juliana e Laura. Acheguei-me, é claro. Lá estava eu entre as globais do GNT: afinal, Mothern é um blog que virou sitcom de canal pago. Se você ainda não lê Mothern, não sabe o que anda perdendo.

Juliana, Idelber, Cláudio e Laura

Foi uma noite e tanto, mermão!

18 junho, 2007

Passeio de domingo


O domingo foi dia de passear: a filhota Ana Letícia e eu resolvemos, num repente, fugir de Belo Horizonte e respirar oxigênio puro a 1400m de altitude. Em 90 minutos estávamos no alto da Serra do Caraça, usufruindo da paisagem preservada, do silêncio quase monástico e da comida caseira "que só padre come"!
Se você quiser mais fotos, clique bem aqui.
Posted by Picasa

15 junho, 2007

Novos Amigos

Completa uma semana que me assentei à mesa no Atelier das Massas, do chef Radaelli, em Porto Alegre.

À porta, fila de espera, enfrentada sem muito sofrimento, pois compartilhada com alguns colegas que participavam do Congresso de Psiquiatria da Infância e Adolescência [foto à esquerda]. O Atelier fora sugerido pelo mineiro Fabiano, em curso de especialização na capital dos pampas.

Entretanto, pouco antes das 20h, o colorado Milton Ribeiro, em resposta a telefonema que lhe fizera, liga-me convidando para jantar. Por instantes, instalou-se o conflito:
"-E agora? saio com a turma ou com o Milton, que desejo tanto conhecer pessoalmente?"

Durou um átimo e devolvi-lhe a ligação:
"-Já estou de saída e espero você e a Cláudia dentro de uma hora, para a sobremesa." Ele topou!

O grande Milton, porém, de coração grande e alma generosa, prega-me supresa e tanto ao aparecer sorridente, ainda a tempo de entrarmos juntos: decidiram-se a compartilhar conosco o programa de sexta-feira, ele e Cláudia.
Reconhecemo-nos imediatamente e o virtual cedeu ao real. Tal como acontecera, na véspera, quando abracei Dom Afonso e sua família, no aeroporto.
O jantar foi maravilhoso: o bom humor e a espontaneidade do Milton e da Cláudia logo nos contagiaram e posso dizer, sem exagero, que nossa mesa era a mais loquaz, animada e estrepitosamente gargalhante do lugar.



Mais um amigo para ser guardado do lado esquerdo do peito, como diz a canção.

O cardápio? Massas, of course. Precederam-nas os frios, outra marca registrada do lugar. Fui premiado com o Spaghetti Brody, exuberantemente guarnecido de camarões, champignons, ervas, brócolis...

Tudo muito bem regado ao Boscato Gran Reserva Extra, produto da terra. Tal como na casa de Dom Afonso, brindamos com vinho da terra. Nota 10!
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Mais fotos: aqui.
Ah! assista à entrevista hilária que o Flávio Prada acaba de postar, com o próprio Milton.

07 junho, 2007

A Condessa e o Plebeu

Era uma vez um reino muito distante, daqueles que só existem na imaginação. Ouvia-se falar que o clima era frio no inverno e quente no calor. Às vezes o sopro do vento vinha do nordeste, por isso chamavam-no 'nordestão'. Outro vento, pior ainda, descia dos Andes, enregelando a alma e o seu envoltório, e nomearam-no 'minuano'.

Falava-se, igualmente, de lutas e guerras farroupilhas, do 'homem do laço', do porto, das guaíbas, dos banhados e até mesmo da serra e do néctar que jorra de suas videiras. Seriam paraguaios, uruguaios, platinos ou gaúchos?

Pois que tem alma de aventureiro não se intimida.

Arriei e montei no cavalo ao qual eu chamarei de Fokker 100, da raça TAM. Sacode um pouco, tem selas meio apertadas, veio na base do pinga-pinga (Campinas e Curitiba) e apeei no tal reino, ao sul do equador, mais ao sul do trópico. Setentrional, o reino? Não sou afeito a geografias mas voei pelos céus, sobre montanhas e rios, planícies e outros "acidentes geográficos".

Ao desembarcar, eis que sou recebido por uma condessa, a Condessa Clarissa, acolitada pelo papai e pela mamãe, nobres, todos eles muito nobres.


Nobreza e fidalguia não rimam, mas fazem bem ao coração: quase me matam de tanta emoção (agora, rimou!).







P
alavras não há - socorram-me, poetas e trovadores!
Inspirem-me, musas e ninfas!
Forneçam-me significantes para um significado maior do que eu mesmo, plebeu das grimpas das Gerais, sendo recebido por tão ditoso séquito.

Morram de inveja, se invejosos forem os meus leitores.

Então, o céu estava límpido, o sol brilhava tépido, o vento não era nem minuano nem nordestão, era brisa que vivifica a alma e nos confirma que "amigo é coisa pra se guardar, no lado esquerdo do peito".
A Condessa

No mais, aqui estou. Acabei de chegar, nem esquentei lugar e já estou "em casa", neste reino do Rio Grande.

06 junho, 2007

De poetas, congresso e gentileza

Muita gente pensa que as ciências ditas "psi" - Psicologia, Psicanálise, Psiquiatria, Psicopatologia - desvendam todos os mistérios, profundos mistérios, de nossa alma. Um dos maiores enganos do leigo e, principalmente, do profissional psi é acreditar nisso, apesar de reconhecermos que o radical grego 'psiché' possa ser traduzido como 'alma' - não no sentido teológico, claro.

Na verdade, quem mais sabe - muitas vezes sem o saber - do que nos vai no fundo da alma são os poetas e os escritores. Não qualquer poeta. Não qualquer escritor.


Querem um exemplo?




Poesia e prosa, arte pura, psicologia sem psicologismo, psicanálise sem psicanalice. Este aí sabe desvendar mistérios e narrar o inenarrável.

Ah! o Fabrício tem um blog. Imperdível!
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Aterriso em Porto Alegre, na manhã desta quinta-feira, dia 7. Participarei do Congresso da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infanti e Profissões Afins (ABENEPI).
Serei recepcionado, no aeroporto, pelo blogueiro D. Afonso Chato que não tem nada de chato, pelo contrário, disponibilizou-se com a maior presteza e demonstrou que as trocas virtuais de comentários e idéias podem gerar amizades reais.
Vou conhecê-lo ao vivo e a cores. Espero, ainda, ter o privilégio de trocar figurinhas com o Milton Ribeiro e a blogoseira toda. Depois eu conto.


04 junho, 2007

O futuro é a morte

Alguém ainda se lembra do documentário "Falcão-Meninos do Tráfico" de MV Bill? Escrevi o texto abaixo em 09.abr.2006 e o publiquei no Bombordo (que está parado sei lá por quê):

Falcão – Meninos do Tráfico (
MV Bill – “Mensageiro da Verdade) reavivou as discussões acerca de uma realidade praticamente negada. A “negação” não significa desconhecimento, mas um “mecanismo de defesa” – quase sempre necessário – para que suportemos a vida.
Os temas violência, criança abandonada, ausência do Estado, falta de Educação, miséria se entrelaçam e provocam intelectuais, sociólogos e políticos a buscarem causalidades e apontarem soluções. Por outro lado, o senso comum – entidade abstrata e intangível, porém prevalente – aponta o dispositivo policial como melhor remédio: “são os traficantes; é preciso acabar com o tráfico; isso é coisa de bandido”.
Transgressões, com efeito, clamam por medidas corretivas e punitivas. Entretanto, mais do que o respeito (medo?) ao ordenamento jurídico da sociedade, a submissão à Lei é um dos componentes da subjetividade (“realidade psíquica, emocional e cognitiva do ser humano, passível de manifestar-se simultaneamente nos âmbitos individual e coletivo” – apud Houaiss).
O documentário de MV Bill é protagonizado por 17 crianças, das quais apenas uma sobreviveu. A crueza das cenas e das falas chocou a muitos, principalmente pelos pequenos “falcões” – os meninos usados pelos traficantes.
O desprezo à própria vida e a falta de senso do que é socialmente classificado como bom ou ruim, certo ou errado e a falta de identificação a modelos “éticos” de comportamento provocam-nos a interrogar:
- Qual o sentido da vida para esses meninos? De onde vêm tanta insensibilidade e ausência de temor à punição? Será que não sentem culpa? Não têm medo de morrer? Colocam-se no lugar do outro? São vítimas ou delinqüentes juvenis? De quem ou do que é a culpa?
As respostas não são simples, muito menos unânimes.
Ao apropriar-se da tragédia grega do Édipo, Freud toma o personagem criado por Sófocles como paradigma das vicissitudes de todo ser humano no caminho de entrada na cultura. Assim como “Falcão”, Édipo não tem nome, é simplesmente “aquele que tem os pés inchados” – conseqüência do furo em seus calcanhares, feito pelo pastor que o salvou da morte.
O “medo à castração” determina sua fuga para Corinto. O castigo seria aplicado pelo pai caso o filho realizasse os desejos incestuosos em relação à mãe. Isso remete à passagem da natureza à cultura, condicionada à relação com a Lei. O temor à Lei é condição para que o sujeito estabeleça uma “sociedade” com a cultura humana: é mister que se obedeçam as regras da linguagem, por exemplo, sob pena de não ser compreendido ou ser tachado de louco.
“Uma lei que não é temida – que não tenha potência de interdição e de punição – é uma lei fajuta, de fancaria, impotente. No entanto, o temor à lei, sendo necessário, é absolutamente insuficiente para fundar a relação do ser humano com a Lei. Uma lei que se imponha apenas pelo temor é uma lei perversa, espúria – lei do cão.” (Hélio Pellegrino).
A “civilização”, é verdade, provoca sempre um “mal-estar”. Embora garanta um certo ordenamento, exige uma dose de renúncia pulsional, controle dos instintos (erótico e agressivo). Mas também proporciona alguns ganhos, é claro.
Freud não chegou a fazer uma crítica à sociedade capitalista e não menciona que a violência da repressão em nossa sociedade existe também pela forte carga de injustiça social. Mas o mito é um paradigma.
A “solução” estaria num pacto: renúncia à onipotência (tudo é permitido) em nome de ganhos para o indivíduo e para a sociedade. Compensam-se as perdas com a conquista de certos direitos: ao nome, à filiação, à estrutura de parentesco, à sobrevivência digna. O pertencimento à cultura que acolhe o indivíduo supõe acordo a respeito de seus valores e ideais – até mesmo direito para criticá-los e denunciar as injustiças.
A compreensão do tal “complexo de Édipo” para além da construção da subjetividade pode iluminar um pouco as discussões acerca da tragédia que se abate sobre incontáveis “Falcões”. Estes nascem e morrem nas sombras. "Existem" apenas nas estatísticas que acusam índices assustadores: o enorme número de jovens entre 12 e 18 anos que são assassinados, vítimas da violência, caso não sejam atingidos, antes, pela mortalidade infantil por fome e doenças causadas por falta de saneamento básico, etc.).
A Lei imposta na micro-esfera do romance familiar (pai-mãe-criança) deve ser compensada pelo atendimento às necessidades da criança (afeto, sustento, educação, acesso aos bens materiais e culturais), do mesmo modo que as renúncias exigidas pela sociedade deveriam garantir a todos os cidadãos os direitos inalienáveis a cada um: trabalho, remuneração digna, expectativas de ascensão social, preservação da integridade física e psíquica, etc.
Sempre que fracassa a figura do Pai (não necessariamente o pai da realidade, mas o pai “simbólico”, representante da Lei e garantidor das compensações), a criança romperá o pacto estabelecido e as exigências da cultura serão insuportáveis: reaparecem os impulsos agressivos, incestuosos, predatórios.
Da mesma forma, quando falha o Estado – garantidor do que chamaríamos de “pacto social” – o que esperar senão a emergência dos impulsos delinqüênciais e homicidas? Com que autoridade pode a sociedade exigir o fim da verdadeira guerra civil travada em forma de assaltos, tráfico de drogas, desrespeito às normas, quando predominam as leis implacáveis do capitalismo selvagem, que mantém um número crescente de cidadãos sem nome, sem casa, sem trabalho, sem remuneração digna, sem esperança de inclusão social? As promessas e ofertas do Mercado não incluem os excluídos.
Os “Falcões”, de alguma forma, expressam o fracasso de políticas sociais excludentes. Em “nome-de-qual-Lei” adotarão os valores defendidos por uma sociedade – que somos nós mesmos – que lhes nega nome, identidade e futuro?
- O futuro é a morte.

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Referência: Pellegrino, Hélio. Pacto Edípico e Pacto Social in: Grupo Sobre Grupo - Luiz Alberto Py et alii - Editora Rocco, RJ, 1987.

02 junho, 2007

Blogar é Falar

Gerbera - By Cláudio Costa

Pois é, quando se puxa o "fio" da memória, nunca se sabe o que vem lá do fundo de nossas lembranças.

O passado é como um tesouro escondido.

Bobo quem pensa que "o que passou já morreu".

O inconsciente não conhece o tempo, tudo está lá, gravado e tão vívido

quanto o que foi vivido: emoções se reanimam

e todos os nossos sentidos são atiçados.

Perfumes de outras épocas, sons distantes, imagens esmaecidas, tudo se revigora quando as associações se desencadeiam.

Eis o segredo das "Mil e Uma Noites", o segredo de Sherazade, que para não ser morta pelo califa, vai desfiando contos intermináveis.

Ou seja: falar, narrar, contar, rememorar, ter alguém que queira nos escutar e... faz-se o milagre do viver.

O homem inventou a linguagem - ou fomos por ela inventados?

In principio erat Verbum... No princípío, o Verbo.

Por isso se bloga tanto: falar, falar, falar.

Assim nos mantemos vivos, na suposição de que haja quem se interessa em ouvir.

Quando alguém comenta, dá um pitaco, palpiteia, discorda, provoca, faz um ruído qualquer, raspa a garganta, gargalha ou ironiza, eis que tomamos vida.

Afinal, somos constituídos pelo Outro, pois para ele existimos.