16 julho, 2005

UM AMOR VIRTUAL "AVANT LA LETTRE"

Quando eu era criança, lá em Nova Era, adorava acompanhar meu pai, o Soié do Ontem e Hoje, em seu trabalho de telegrafista da outrora venerável ECT - Empresa de Correios e Telégrafos.

Naquela época, não havia ainda os Marcos Valérios e os mensalões, conquanto a política dos coronéis, provavelmente, já se utilizava do poder do dinheiro para comprar eleitores e subornar políticos. Ou não?

Soié, com certeza, tem muitas histórias daqueles tempos quase heróicos, em que o Código Morse era impresso em fitas de papel, intermináveis (ponto, traço, ponto...). O aparelho emitia um estalido intermitente, que meu pai decodificava "de ouvido"!

A história a seguir é de um tempo muito anterior ao que eu, de calça curta e suspensório, sonhava em aprender a decifrar, para além do código, o mundo que imaginava existir do outro lado das montanhas daquele vale banhado pelo Rio Piracicaba.

Estamos em Londres, dia 29 de janeiro de 1867:

Ao meio-dia, John envia um telegrama para seu amigo Jonathan, em Nova York:
- Quero me casar. Arranje-me uma americana do meu gosto.
Meia hora depois, de Nova York, recebe a resposta:
- Tenho justamente o que desejais: olhos azuis, dentes de neve, cabelos pretos, cintura delgada, sem magreza, amiga da ordem e da economia, em suma, um tesouro.
Às 13 horas, John estava decidido:
- Dou-vos plenos poderes para tratar do negócio.
Às 14 horas, Jonathan informa que a moça estava interessada no casamento, mas desejava ver uma foto de seu futuro marido.
Trinta minutos depois, John adaptou um aparelho chamado Casseli e envia sua foto.
Às 15h, a decisão da moça, no telegrama de Jonathan:
- Achou-vos bem parecido. Consente no casamento!
Associa ao texto uma imagem da moça, agora noiva. John, já apaixonado, dispara várias mensagens do tipo:
- Adorável Jenny, desde o primeiro segundo em que vi vossa pulquérrima imagem, ficou ela gravada no meu coração.
Inda mais:
- Anjo adorado, já me tarda poder chamar-te de minha mulher, apertar-te nos meus braços.
John autoriza imediatamente Jonathan a comprar jóias no valor de 100 mil francos e presenteie a amada.
Às 18h, avisa ao amigo que, logo à meia-noite, embarcará num navio para casar-se assim que chegar a Nova York.
Entretanto, às 20h, recebe um telegrama "urgente", com os dizeres:
- É inútil embarcardes. Enquanto tratava de vosso negócio, pude apreciar todas as excelentes qualidades de Miss Jenny. Abri-lhe meu coração; posto que ela vos estime, dá-me preferência visto que sou seu vizinho.
Furioso, John pede reparação, ou seja, propõe um duelo:
- Um de nós deve morrer!
Jonathan concorda, e até provoca:
- Nada de demora, devo casar-me ainda hoje, à meia-noite!
À meia-noite em ponto, acompanhados de quadro testemunhas, duas em cada país, John e Jonathan seguram um fio, no qual é liberada uma carga elétrica.
John, em Londres, cai morto.

E a gente, neste início do século 21, achando que virtual só a internet...

Essa deliciosa e trágica história de amor, na qual uma pessoa se apaixona, é traída e morta em curtíssimo espaço de tempo, foi contada pelo Jornal "Diário de Minas", de Ouro Preto, em janeiro de 1867.
Uma mentira bem tramada, através da qual o articulista da época propõe uma discussão atualíssima: diante de novas e mais rápidas formas de comunicação, novas formas de sociabilidade se articulam.
Superando a intermediação dos mensageiros e a demora das cartas, surgiram o telégrafo, o telefone, o fax, a internet.
Amores se tecem e se desfazem, na rapidez do teclado. As propostas, via Messenger ou pelos chats, começam com um "vamos teclar?", passam pela webcam e terminam com um logout. Promessas, imagens e emails não resistem a um delete!

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Os créditos deste post são para Jairo Faria Mendes, que me inspirou com seu artigo de hoje, no Caderno Pensar, do Estado de Minas.