04 fevereiro, 2006

"Nem só do pão vive o homem"

Conheci o Dr. Rodrigo da Cunha Pereira há alguns anos. Primeiro, pelos seus artigos e entrevistas na TV. Ele é Advogado, especialista em Direito da Família. Inaugurou, entre nós, uma abordagem sui generis das querelas familiares: uma compreensão para além do Direito, buscando entender as motivações inconscientes que tornam um inferno a convivência que prometia ser serena e amorosa entre os casais.

Rodrigo buscou conhecimento nos ensinamentos da Psicologia, em especial da Psicanálise, defendendo que a subjetividade de cada um deve ser levada em conta. A interpretação literal do texto jurídico é empobrecedora e pode levar a injustiças irreparáveis se desconhece a singularidade da cada caso e as motivações subjetivas que ensejam a conduta humana.

Certa vez, convidei-o para proferir uma palestra no lançamento de uma edição da Revista de Psiquiatria & Psicanálise com Crianças & Adolescentes, da qual sou editor.
O tema foi muito próprio: falou sobre a Paternidade.
Ultrapassou os ditames legais e enveredou pela especial relação entre pais e filhos. Defendeu uma tese original, apoiado em ensinamentos lacanianos a respeito do "pai simbólico": a verdadeira paternidade é adotiva!

Rodrigo enfatiza que o adjetivo se refere a um "movimento interior", "uma disposição do espírito", "uma decisão afetiva" que deve fundamentar a paternidade biológica tanto quanto a adotiva. É necessário que o pai (biológico ou não) "adote" realmente seu filho.

As crianças se sentirão abandonadas, órfãs mesmo, caso não recebam do pai o amor necessário ao seu desenvolvimento psico-social.
Esse tema foi brilhantemente retomado no artigo produzido pelo Dr. Rodrigo da Cunha Pereira publicado hoje no Caderno Pensar, do Estado de Minas.

Expõe suas idéias sob o título: "Nem só do pão vive o homem", explicando que "a compreensão social e jurídica da família contemporânea deve pressupor que a subjetividade interfere nessa organização, o que também afeta as decisões jurídicas".

O declínio da autoridade paterna, conseqüência do fim da ideologia patriarcal, apresenta hoje sintomas sociais sérios e alarmantes. Se os pais fossem mais presentes na vida de seus filhos, certamente não haveria tantas crianças e adolescentes com evidentes sinais de desestruturação familiar. Seria ingenuidade pensar que esses sintomas sociais que o cotidiano nos escancara são conseqüência apenas do descaso do Estado e de uma economia perversa. O que empurra um sujeito da favela para a marginalidade e o faz pôr fogo em um ônibus, é o mesmo “desejo desencaminhado” que faz adolescentes de classe média, ou rica, atearem fogo em um índio dormindo em um ponto de ônibus.

Rodrigo comenta uma decisão muito particular do STF (Supremo Tribunal Federal), ao dar ganho de causa a um filho que reclamou do pai uma indenização por danos morais sofridos. O filho em questão provou que fora abandonado afetivamente pelo seu pai, embora este tenha cumprido as exigências legais de pagamento de pensão alimentícia.

Escreve o Dr. Rodrigo:

O pai sempre pagou pensão alimentícia ao menor. Faltou alimento para a alma, afinal de contas, nem só de pão vive o homem. O pai, por seu lado, apresentou suas razões, dizendo que sua ausência se justificava por ter-se casado novamente e que moravam em cidades diferentes etc. Será que há alguma razão/justificativa para um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho? A ausência de prestação de assistência material seria até compreensível, se se tratasse de um pai totalmente desprovido de recursos. Mas deixar de dar amor e afeto a um filho... não há razão nenhuma capaz de explicar tal falta.

A defesa do pai alegara que "não se pode obrigar um pai a amar seu filho". Dr. Rodrigo argumenta:

Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas à sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas afetivamente. Afinal, eles são os responsáveis pelos filhos e isso constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O descumprimento dessas obrigações significa violação ao direito do filho.

É lógico que o dinheiro indenizatório não pagará, nunca, o prejuízo afetivo: o amor não tem preço, todos sabemos. Trata-se de uma intervenção ao nível do simbólico que ensina à sociedade que o abandono afetivo é violação de um dos direiros fundamentais dos filhos.

Muitos homens, ao se separarem, "encostam" os filhos nas mães, deixando a elas todo o cuidado afetivo, a educação, o apoio moral, a função de sustentar a Lei, etc. Contentam-se, esses pais abandônicos, a pagar a pensão alimentícia acordada judicialmente e deixam os filhos órfãos.

Um grande avanço esse entendimento "psicológico" da lei, não?