12 dezembro, 2005

“Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno"

No Caderno Pensar, de sábado, Inez Lemos, psicanalista, faz considerações lúcidas a respeito do que é ser moderno, num mundo dominado pela globalização e pelos imperativos do consumo:

O mundo contemporâneo direciona o sujeito e sua racionalidade, dominando sua subjetividade e sua natureza. A vida moderna está sendo programada em função de interesses que rompem com o modelo clássico da existência humana. Para tanto, ela requer sujeitos dóceis, que se submetam aos imperativos sistêmicos da tecnoeconomia.

O ser humano poderia viver mais livremente, segundo a psicanalista, na medida em que exerça o fantasiar e o sonhar. Mas adverte:

Para nos tornarmos bons de fantasia, é preciso desejar mais com o coração e menos com o bolso.

Com tantos objetos de consumo oferecidos como garantia de felicidade total, o homem contemporâneo não tem tempo de desejar, apenas de correr atrás, compar, comprar e comprar:

Vivemos o sentido único, o sentido dado pelo mercado, pelo discurso da ciência e do capitalista. O mal-estar hoje está em se deixar contaminar pela narrativa do medo, do individualismo e do dinheiro.

Além disso, marca de nosso tempo, há as promessas de um corpo perfeito, saúde perene, beleza sublime. As academias, os cosméticos e os medicamentos estão aí como qualquer outro produto. Vai querer?

Acredito que quem teme tanto a morte é porque não acredita no poder da vida. Vive a vida de forma fraca, fragmentada. A vida, a idade, tudo vai. Vaidade. Viver a vida com medo da idade é tenebroso. O temor exacerbado da velhice revela a precariedade do ser humano, quando esse se ocupa pouco em explorar os subterrâneos de seu inconsciente, do saber mais de si. A ocupação com o corpo carne aponta para o descaso com o corpo erógeno, o corpo psíquico. Existe uma parte da vida que está sendo abandonada em função da obsessão pelo falso prazer. A vida que deixamos de esculpir com aos livros, romances e contos. A vida que está sendo forjada nas academias e nas drogarias é um pastiche, um simulacro. O eu moderno é perfeito por fora, oco por dentro e pode se perder em qualquer esquina...

Quase não há mais lugar para a poesia em nossas vidas. O ruído das músicas, do tilintar das máquinas conta-níqueis, da televisão e dos anúncios não permite reflexão, tempo de digerir idéias e fruir metáforas:

Acreditamos mais na televisão que nos livros. Nossa poesia é exibir bundas e seios siliconados.

A saída, onde está a saída? Carlos Drummond de Andrade é convocado a responder:

“Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno”.