26 julho, 2004

Querer não é desejar

Muita gente se expressa assim, quando algo não vai bem:"Queria tanto que tal acontecesse...". Nessas horas, cabe a pergunta: -"Queria mesmo?" Ou como aquele bordão antigo, num homorístico em que Jô Soares exclamava, irônico: -"Querias!". Quantos de nós respondemos a um convite, com a indefectível fórmula: -"Gostaria muito de ir.". Quando usamos a esfarrapada desculpa do "ah! esquecí-me!, nosso interlocutor nos olha com ar de desprezo ou ironia, como se dissesse: -"Arranja outra desculpa, ô meu!
Parece que sabemos, mesmo sem teoria alguma, que há uma diferença enorme entre DESEJAR e QUERER. O "querer" é algo consciente, dito abertamente ou não. Quero isso e não quero aquilo. O "desejar" mora em outro cenário, bem mais embaixo, lá no "porão" do inconsciente, e nem sempre é tão acessível. Pode até acontecer de a gente "querer" o que não se deseja e "desejar" algo que, conscientemente, negamos. Tratam-se de desejos inconfessáveis, socialmente incorretos, o dos quais nos envergonhamos.
Mas esse desejo é poderoso, tanto assim que, sem mais nem menos, cometemos um "ato falho": um esquecimento, um gesto, uma fala que nos traem, desnudando o que estava escondido (muitas vezes escondido até de nós mesmos).
Freud, o criador da Psicanálise, escreveu um livro sobre isso: Psicopatologia da Vida Cotidiana. Nessa obra, de linguagem elegante e acessível, ele ensina que o pensamento aparentemente mais sem sentido, o lapso mais casual, o sonho mais fantástico possuem um significado que pode servir para desvendar os segredos da mente. (Você não vai se arrepender de ler.)
O sofrimento de cada um se constitui, no fundo, no fundo, num conflito entre o "querer" e o "desejar", muitas vezes incompatíveis. A gente acaba aprendendo que vai ser necessário fazer algumas concessões, tanto de um lado quanto de outro, e que o fato de não se poder ter tudo não é o fim do mundo. Aliás, o "desejo" nunca se realiza completamente, estando o "objeto desejado" escorregando sempre para um mais além, o que, graçasadeus, sustenta o próprio desejo.
Nós não somos donos do nosso desejo, mas somos responsáveis por eles. Como nem sempre se coadunam "desejo" e "querer" mais os "laços sociais" que se tramam ou se desfazem de acordo com a cultura, ficamos por aí, "peregrinando neste vale de lágrimas" que é a nossa vida, pontuada de momentos felizes.... Agora, tem uma coisa: quase sempre, para não dizer sempre, somos presenteados de acordo com nosso empenho. Sem esforço, nada feito.

22 julho, 2004

Gênio incompreendido, idiota sábio ou "louco varrido"?

O psiquiatra Márcio Candiani, a propósito do meu post "Uvas Verdes, fez o seguinte comentário:

Cláudio... atendi hoje a um paciente no Cersam Noroeste que se acha um gênio incompreendido... mas ele é... fez medicina por 2 anos... engenharia e largou.. por um surto psicótico... Era epiléptico e apresenta um transtorno delirante agora. Mora no interior e veio pra BH tratar de uma depressão. Cara inteligentíssimo, com um QI certamente muito elevado. Como há gênios incompreendidos... a professora de Einstein dizia que ele era um idiota... parecia uma pessoa com dificuldade de atenção (ou autista de alto funcionamento?) com capacidade genial para cálculos... como você já leu nos livros de psiquiatria da infância...
 
Márcio, o tal paciente se julga um gênio incompreendido? Acho que o juízo (ou a falta de) do próprio sujeito é que o faz se identificar como "gênio incompreendido". Talvez ele seja um gênio "incompetente". Há inteligências brilhantes (vide os filmes "Shine" e "Uma mente brilhante") que não têm um suporte afetivo, relacional e comunicativo adequado. Se a pessoa, por ser psicótica, não consegue estabelecer laços sociais (o psicanalista diria: não entra no mundo do simbólico), ela terá muita dificuldade em alcançar algum reconhecimento. Aliás, o povo costuma dizer que "todo gênio é um louco". Será que isso procede?
Às vezes, a gente escuta isso: -"Cuidado, não estude tanto que você vai ficar doido." Ou: -"Fulano estudou tanto que pirou!"
Há casos interessantes de idiotas sábios, como o personagen de Tom Hanks em Forrest Gump ou o "autista" (Dustin Hoffman) de Rain Man. A Psiquiatria tem um diagnóstico para estes casos, a Síndrome de Asperger, aplicado aos portadores de um tipo de transtorno grave do desenvolvimento. Tais indivíduos, mesmo apresentando lacunas importantes na área afetiva e relacional, demonstram inteligência altamente desenvolvida para campos restritos do conhecimento. Sua linguagem costuma ser típica, com maneirismo verbais, rebuscamentos e utilização de vocabulário muito elaborado para a idade cronológica.   Alguns destes "idiotas sábios" (idiot-savant) decoram listas telefônicas, roteiros aéreos ou minúcias de paisagens, fazem cálculos matemáticos complicadíssimos em segundos, etc. Entretanto, seu relacionamento afetivo-social é muito comprometido. Será que se tornarão "gênios incompreendidos" ou "loucos varridos"?
Voltando ao tema do post "Uvas Verdes", o que o Alexandre Cruz Almeida criticava eram os inteligentes, bem dotados, não psicóticos nem idiotas sábios, mas que não venciam na vida por falta de esforço, preguiça, adiamentos sucessivos de tomadas de posição, protelações, procrastinações, etc. Em um determinado momento da vida, lá vêm eles com aquela ladainha: "Se me tivessem dado uma chance..." ... "Se aquele chefe não me tivesse dispensado...", etc. Aí, meu, o Alexandre termina assim: "O gênio incompreendido é péssima companhia." Eu digo: "Um saco!"

21 julho, 2004

Observatório da Imprensa publica PrasCabeças!

Achei mais do que bom o Observatório da Imprensa publicar meu post acerca da manchete obscura do Jornal Estado de Minas, em 16/7/04. Na verdade, enviei uma carta ao jornal mineiro, que não se dignou a responder nem a publicar. Pois o "Observatório" acolheu minha manifestação, que você pode ler aqui ou aqui.

Rosto de Gelo

Não sei quem é Roberta Wollen, mas tropecei com este poema e... gostei!
Não sei se é por causa de meu nariz gelado neste inverno siberiano que se abateu sobre Belo Horizonte ou porque conheço gente assim, "frio, calculista, rosto impassível" a esconder sentimentos.

Congelei meu rosto
para suportar o frio
que vem de fora de mim.
Fiz uma máscara risonha,
modelada com a dor
de disfarçar meus sentimentos.

E as pessoas me aceitaram,
apreciando o ruge e o batom,
a coloração do rímel nos meus olhos
cujo brilho sugere a umidade
de um pranto a querer-se insinuar.

Aceitaram até a palidez
que não pude esconder,
as rugas tensas da testa,
a escuridão do olhar.

E atrás do riso estridente
que irrompe alto e banal,
preso em represa
de estática energia,
debatem-se lágrimas revoltas
de uma revolta impossível,
formando uma barreira que
- até quando? -
me impede de sair deste lugar.

E essas lágrimas apagam a fogueira
que me incendeia o coração por dentro,
para que não derreta o gelo
tão duramente esculpido,
o gelo do meu rosto
que é como o mundo quer...

[Poema de Roberta Wollen]

20 julho, 2004

Rumo ao interior

Tenho lido no Caneta de Saia, blog do Carrazzoni(SP), sua opinião acerca de São Paulo, cidade em que mora. Entre outras causas das mazelas da grande metrópole, Carrazzoni, acertadamente, aponta o inchaço populacional, com o aporte incessante de migrantes, desde o final da década de 40, durante o processo de industrialização. Firmou-se em nossa cultura um preconceito contra o interior do Brasil, e das pessoas "da capital" contra o "interior".
Acho que isso nasceu na época do famigerado "Jeca Tatu", dos "caipiras"... Monteiro Lobato, o que escreveu o livro "Jeca Tatu", acabou se retratando acerca de sua descrição pejorativa do homem da terra, agricultor, em que apontava a "lerdeza" e a "preguiça", a fala arrastada, o raciocínio primário, a inércia que deixava o mato crescer ao invés de plantar para colher e comer. Alertado por  médicos sanitaristas, atentou para o fato de que os "jecas" eram assim por causa da subnutrição, dos maltratos pelos senhores das terras e pelas precaríssimas condições de vida. Lobato abriu a própria cabeça e  se transformou num defensor do "verdadeiro" Brasil, denunciando a expropriação dos pobres. Defendeu o "petróleo é nosso" e valorizou a "esperteza e sabedoria" do povo simples. Foi até preso pela polícia política do Getúlio.
Engraçado que, em Brasília, fala-se mal do "interior": por exemplo, quando alguém faz algo errado no trânsito, dizem: "Ô goiano!" O brasiliense, que mora no mais profundo interior do Brasil, bem no meio do cerrado, não se acha "do interior".
Aqui em Belo Horizonte, diante da direção arriscada ou de um descuido qualquer no trânsito, logo alguém grita: "Ô baiano!".
O que é o interior? De onde vem essa expressão? É lógico que tudo começou já no descobrimento do Brasil, com a criação de vilas e arraiais no litoral. São Vicente, São Sebastião do Rio de Janeiro, Illhéus, Porto Seguro, Olinda... estes foram os sítios mais bem estruturados. Pouco a pouco, com as descobertas de riquezas (pau-brasil,cana-de-açucar, ouro, café) a população deslocou-se para as montanhas, os altiplanos, subindo o curso de grandes rios (São Francisco, Rio Doce) e abrindo trilhas ("Estrada Real", por exemplo, de Paraty-RJ a Diamantina).
Mais recentemente, com a expansão da fronteira agrícola e agroindústria, implementação de parques industriais, mineração e metalurgia e, por último, incremento do turismo rural, nosso interior tem alcançado nível de qualidade de vida surpreendente, muito melhor do que nas degradadas metrópoles.
A cultura circula rapidamente através da TV, Rádio, estradas (ainda esburacadas... mas isto é outra história) e internet.
 

17 julho, 2004

"Uvas verdes"

Tenho visitado o blog do Alexandre Cruz Almeida, onde leio coisas bem interessantes. Ultimamente, ele tem comentado o fim de seu casamento. Fala abertamente das dificuldades enfrentadas e abre espaço para comentários dos leitores, muitos leitores. Alexandre fala de outros fracassos e do propósito de ser feliz, que não abandona. Selecionei uns pedacinhos de seu último post, muito pertinente e instigante:  
Os Uvas-Verdes e os Gênios Incompreendidos
O mundo é cheio de pessoas que escolheram não ser bem-sucedidas. Vocês devem conhecer alguém assim. Há o colega que tirou 5 na prova, mas tem certeza que teria tirado 10, se tivesse estudado - mas não quis. Há a dona-de-casa, com uma bela voz, que se tivesse seguido carreira hoje seria maior que a Maria Rita - mas preferiu criar 8 filhos no Grajaú. E por aí vai. São os uvas-verdes, pessoas blasé que nunca mergulham de cabeça em nada, que nunca se esforçam 100% para alcançar nenhum objetivo.
Assim, deixam sempre aberta a possibilidade de dizer: é, não consegui, mas a verdade é que nem tentei. Se tivesse tentado, teria conseguido, mas preferi minha vidinha.
Fracassos e Fracassos
Alguns de vocês sugerem que meu problema talvez seja não meu fracasso, mas meus objetivos. Não me considero um fracasso porque não sou rico, porque não sou bonito, porque não fui publicado, porque não vendi trolhões de livros, porque não tenho uma coluna no Globo, porque não ganho R$15.000 por mês, nada disso - apesar de serem todas coisas que eu gostaria muito. Me considero um fracasso por ter fracassado em alcançar dois objetivos relativamente simples: manter minha empresa e manter meu casamento.
Como não sou uva-verde, não posso nem me consolar dizendo que teria conseguido se tivesse me esforçado mais. Não. Eu dei 100%, me esforcei ao máximo, usei todos os truques. E, ainda assim, falhei. Por isso, estou me sentindo fracassado. Meu "fracasso" em alcançar objetivos não-importantes (nunca fui campeão de surfe) ou até mesmo objetivos importantes, mas para os quais eu não me esforcei (ter coluna no Globo), é absolutamente irrelevante.
O Gênio Incompreendido
O mundo também é cheio de gênios incompreendidos. Vocês devem conhecer alguns. Por definição, o gênio incompreendido tem mais de 30-35 anos. É fácil perceber porquê. Quando o cara tem menos de 30, ele ainda não se acha incompreendido: só gênio. Ele é gênio, sabe que é gênio, sua genialidade só ainda não estourou porque ele é muito novo, ainda é cedo, o mundo ainda vai ouvir falar muito dele. O sujeito apenas se torna um gênio incompreendido com o passar do tempo, a medida em que nada acontece, ele não estoura, o mundo não ouve falar nele. Então, ao invés de reconhecer que ele não é gênio coisa nenhuma, o indivíduo conclui que o mundo não o compreendeu, que o mundo não o merece, que ele está a frente de seu tempo.
Na verdade, não acho que esse é um modo intrinsicamente errado de se encarar a situação. Por um lado, há a real possibilidade de ele ser mesmo um gênio que o mundo não percebeu - Bach, Kafka, etc. Por outro, acredito mais em felicidade do que na verdade: de que lhe adianta encarar uma verdade - sua total incompetência - que só vai lhe trazer tristeza? Melhor ser feliz na crença de sua genialidade não-compreendida.
Infelizmente, raros são os gênios incompreendidos felizes: quase todos chafurdam na amargura e na inveja com a mesma sofreguidão com que porcos chafurdam na lama.
Pior que fracassado, o gênio incompreendido é um amargurado. O erro foi do mundo, não dele. E como o mundo é um adversário grande demais, o tipo de amargura do gênio fracassado leva à imobilidade e ao rancor. Para que lutar, se o mundo está contra mim? Para que produzir, se o mundo é incapaz de entender minha mensagem? Melhor ficar pelos bares, bebendo cerveja e destilando veneno contra o establishment cultural. A princípio, alguns são até fascinantes, mas é ilusão. O gênio incompreendido é péssima companhia.
Eu gostei muito disso tudo aí de cima. E você?

16 julho, 2004

What is this?

Embora embebido pelo temor de ser tachado de xenófobo, anglófobo, purista ou ranzinza, não posso deixar de opinar acerca da manchete de hoje (16.jul.2004) de alguns jornais brasileiros, dentre os quais o Estado de Minas: "Ranking da ONU vira briga entre Lula e FHC". A utilização de termos estrangeiros é um recurso legítimo em toda e qualquer língua, uma vez que há palavras intraduzíveis ou tão conhecidas que vão sendo assimiladas e enriquecem o vocabulário. Certas traduções, é verdade, forçam a barra, tal como os lusitanos fazem com termos da computação: empregam rato ao invés de mouse, por exemplo. Outros povos igualmente se utilizam de termos portugueses (ou brasileiros), quando não há equivalente ou para transmitir o espírito próprio original. Pois bem, a manchete (do francês, manchette, que pode significar título de notícia, notícia principal e modalidade de receber a bola, no voleibol) traz a palavra ranking (do inglês, rank = fila, fileira, classe. Daí: ranking: classificação, placar, etc.). Minha implicância (má vontade; quizila, embirração, birra) vem da suposição de que uma importante notícia deveria ser transmitida  claramente, inteligível à maior parte dos prováveis leitores. O tal Índice de Desenvolvimento Humano, fator da suposta discórdia entre assessores - e não entre o atual Presidente com seu antecessor - restou obscurecido. Creio que muitos alfabetizados passaram os olhos rapidamente sobre o sujeito da oração (ranking) e foram logo atraídos para o complemento (briga entre Lula e FHC). Se essa foi a intenção do Editor, sobrou-lhe sutileza, pois pode ser mais interessante discutir as brigas entre poderosos que levar os leitores a se concientizarem do baixíssimo nível de desenvolvimento e suas causas. Caso contrário, acho que foi um anglicismo desnecessário.

14 julho, 2004

O melhor e o pior daqui

Várias pessoas vivem falando em sair do país, mudar de cidade, ir para o interior. Elogiam cidades distantes; ou, ao contrário, as comparam com Belo Horizonte e dizem que aqui é muito melhor. Sem pensar muito, deixando virem as imagens, aqui vai minha lista.
Adoro:
1.O clima
2.Praça JK
3.Mercado Central
4.Pampulha – Mineirão e Museu de Arte
5.Palácio das Artes
6.O horizonte, as montanhas, a vista do alto
7.Barzinhos e Restaurantes mil
8.Comida: Pão-de-queijo; feijão-tropeiro
9.Café-do-Museu
10.Livraria Status
Detesto:
1.A desigualdade social, com suas conseqüências óbvias
2.Flanelinhas (“guardadores” de carros)
3.Pedintes, panfleteiros e malabaristas em toda esquina
4.Pixações
5.Briga de torcida (Galo x Cruzeiro)
6.Descaso com as calçadas, principalmente nos bairros
7.Feiúra de tudo que não é bem cuidado
8.Abundância de esquinas e conseqüente abundância de semáforos
9.A construção de metrô mais lenta do mundo
10.Os fiscais do BHTrans, multando, multando, multando
É acabar de fazer as listas e logo aparecem mais 20 coisas que adoro e que detesto.... Fica pra outra.

13 julho, 2004

Pão, o vilão

Segundo a Revista Americana de Nutrição Clínica, American Journal of Clinical Nutrition, o pão-de-forma branco é um dos fatores principais para o aumento da barriga daqueles que o consomem. A notícia publicada pela BBC informa que "os pesquisadores avaliaram cinco diferentes estilos de dieta, cada uma delas tendo um tipo de comida como principal alimento. Participaram do teste 459 homens e mulheres em bom estado de saúde.
De todos eles, aqueles que tiveram a dieta à base de pão de forma branco foram os que ganharam mais circunferência na linha da cintura.
Em um ano, tiveram um aumento médio de um centímetro na medida da cintura, três vezes mais do que o registrado pelos que tiveram uma dieta mais saudável à base de comidas integrais e pão preto."

É lógico que "não só de pão vive o homem", mas todos sabemos que comer alimentos ricos em carbo-hidratos (massas, doces, pães, bebidas alcoólicas) e gorduras (queijo gordo, carnes gordas, etc) é o caminho mais curto entre uma cintura fina e uma pança rotunda.
O pior é o trabalho que dá "perder" barriga! Além da reeducação alimentar, haja caminhadas, corridas, musculação, abdominais, plásticas e um milagrezinho do santo padroeiro.

12 julho, 2004

O sermão de Bill Gates - será?

Conta a lenda, com o título: Bill Gates authored a list of 'Rules Kids Won't Learn in School.' que o dono da Microsoft teria sido convidado a falar sobre o sucesso e de quais seriam as regras para vencer na vida. Gates teria formulado as seguintes regras:
O que as crianças não aprendem na escola
Segundo Bill Gates :
1 : A vida não é fácil, acostume-se com isso.
2 : O mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que você faça alguma coisa útil por ele ANTES de você sentir-se bem com você mesmo.
3 : Você não ganhará US$ 40.000 por ano assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição antes que você tenha conseguido comprar seu próprio carro e telefone.
4 : Se você acha seu professor rude e chato, espere até ter um chefe. Ele não terá pena de você em nenhuma circunstância. Você será cobrado o tempo todo.
5 : Fritar hambúrgueres, cortar grama ou lavar carros não está abaixo da sua posição social. Seus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam de "oportunidade".
6 : Se você fracassar, não é culpa de seus pais, então não lamente seus erros, aprenda com eles.
7 : Antes de você nascer seus pais não eram tão chatos como são agora. Eles só ficaram assim por pagar as suas contas, levar você à escola, lavar suas roupas, fazer comida para você e ter que ouvir você falar o quanto você é legal.
Então, antes de salvar o planeta para a próxima geração, querendo consertar os erros da geração dos seus pais, tente limpar seu próprio quarto, lavar seus talheres e ser mais amável com sua mãe.
8 : Sua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores por imposição da Associação de Pais, Alunos e Mestres, a vida não é assim, ela sempre fará esta distinção.
Em algumas escolas não se repete mais o ano letivo , e o aluno tem quantas chances precisar até acertar. Isto não se parece absolutamente em nada com a vida real.
A vida não é dividida em semestres. Você não terá sempre os verões livres e é pouco provável que outros empregados o ajudem a cumprir suas tarefas no fim de cada período.
09 : Televisão não é vida real. Na vida real, as pessoas têm que deixar o barzinho ou o clube e ir trabalhar.
10: Seja legal com os " Nerds": Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar para um deles.
Sejam ou não do Bill Gates, essas palavras parecem conter alguns corolários lógicos, ou não?
Obs.: Crédito deste post:
Físico Cínico. Mais detalhes sobre o assunto em:Urban Legends.

10 julho, 2004

ExpoCachaça: alto astral

Realiza-se neste final de semana a 7a. ExpoCachaça, feira anual de produtores de cachaça, pinga, água-que-passarim-não-bebe, caninha, "da boa", e outros mil sinônimos, como nos ensina o sábio Aurélio:
Cachaça: Aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do melaço. [Sinonímia: abre, abrideira, aca, aço, a-do-ó, água-benta, água-bruta, água-de-briga, água-de-cana, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, aguardente, aguardente de cana, aguarrás, águas-de-setembro, alpista, aninha, arrebenta-peito, assovio-de-cobra, azougue, azuladinha, azulzinha, bagaceira, baronesa, bicha, bico, birita, boa, borbulhante, boresca, branca, branquinha, brasa, brasileira, caiana, calibrina, cambraia, cana, cândida, canguara, canha, caninha, canjebrina, canjica, capote-de-pobre, catuta, caxaramba, caxiri, caxirim, cobreira, corta-bainha, cotréia, cumbe, cumulaia, danada, delas-frias, dengosa, desmancha-samba, dindinha, dona-branca, ela, elixir, engasga-gato, espírito, esquenta-por-dentro, filha-de-senhor-de-engenho, fruta, gás, girgolina, goró, gororoba, gramática, guampa, homeopatia, imaculada, já-começa, januária, jeribita ou jurubita, jinjibirra, junça, jura, legume, limpa, lindinha, lisa, maçangana, malunga, malvada, mamãe-de-aluana ou mamãe-de-aruana, mamãe-de-luana, mamãe-de-luanda, mamãe-sacode, mandureba ou mundureba, marafo, maria-branca, mata-bicho, meu-consolo, minduba, miscorete, moça-branca, monjopina, montuava, morrão, morretiana, não-sei-quê, óleo, orotanje, otim, panete, parati, patrícia, perigosa, pevide, pilóia, pinga, piribita, prego, porongo, pura, purinha, quebra-goela, quebra-munheca, rama, remédio, restilo, retrós, roxo-forte, samba, sete-virtudes, sinhaninha, sinhazinha, sipia, siúba, sumo-da-cana, suor-de-alambique, supupara, tafiá, teimosa, terebintina, tira-teima, tiúba, tome-juízo, três-martelos, uca, veneno, xinapre, zuninga.]Pois estamos chegando de lá, quase tontos, eu, Amélia, AnaLetícia e Daniel. Passamos 4 horas peregrinando de stand em stand e provando da quebra-guela, prá não fazer desfeita com os expositores. Gente da boa, atenciosa, animada, alegre, risonha e franca. Êta povo bão, sô! Prá começar, um desfile com a Russo Jazz Band:
. Prova daqui, prova dali, a gente vai conhecendo gente boa. A Daniela, debutando com sua Prosa&Viola foi logo nos presenteando com uma garrafa da boa:
. Outra purinha que a gente provou -e adorou!- foi a Rainha das Gerais, produzida em Curvelo, portão do sertão mineiro, terra do casal de "cachaçólogos", José Carlos & Maria das Graças, que virou os olhinhos abraçando o filho:
. A feira é uma festa que ninguém pode perder! Foi montada na Serraria Souza Pinto, um velho galpão construído nos primórdios da capital mineira, totalmente remodelado para eventos de alto nível. Tão alto, que não resisti e fiz pose com a dupla Lula&Palocci. Prá não dizer que é conversa de bêbado, aqui está a foto:

06 julho, 2004

Festa no interior

Meu irmão Clóvis, dublê de engenheiro e psicodramatista, acaba de me enviar uma história das boas, coisa típica de mineiro. Imagine a cena: à noite, assentados no caramanchão de seu sítio no Retiro do Chalé, irmãos, esposas, cunhadas, sobrinhos, filhos... cada um de nós contando o "causo" mais pitoresco, e vem o Clóvis com este aqui:
-"Vamos para Jaboticatubas?", perguntei. -"Vamos, a gente chega lá, faz uma "patela" cozida no fogão de lenha, com mandioquinha e outras guloseimas, uma pinguinha do "Sô Cazinho", e no domingo a gente volta", foi a resposta.
O convite veio rápido, a resposta mais depressa ainda, e rapidinho estávamos em Jaboticatubas.
Retiramos os excessos de gorduras e nervos da patela, chama crepitando no fogão à lenha, panelas de pedra e de ferro aquecendo a água e cozinhando a mandioca, tempero caseiro (da roça mesmo!) e ... aquele cheirinho delicioso de comida da roça, cachacinha pura de primeira, papo legal, com D. Luzia, Clé, Cristiane, Carmen, Ludmila, Antônio, outros, eu e Consola, curtindo um início de noite super agradável, à beira do fogão de lenha.
-"Vamos ao aniversário do Daniel? O Daniel do buffet", alguém falou. -"Olha, eu acho que não vou, pois não fui convidado!", respondí. -"Pode ir sim, todo mundo da cidade está convidado, e os visitantes também!", explicou. -"Mas primeiro vai ter missa de São Benedito, procissão, reza no terreiro da casa dele, e depois comida à vontade", esclareceu o André.
D. Luzia falou: -"É isso mesmo, ele fez uma promessa para São Benedito curar a esposa dele, São Benedito curou, e todo ano ele dá a festa para todo o povo. Já é o sétimo ano consecutivo, quem quiser pode ir..."
E lá fomos nós. Primeiro à missa na Igreja Matriz. São Benedito sendo homenageado, cânticos especiais, e o Daniel, agradecendo as graças alcançadas e convidando todo mundo para a sua festa.
-"Agora estou oficialmente convidado", comentei com Consolação. -"Então também vamos".
Acompanhamos a procissão até à casa do Daniel. No caminho, orações, banda de música, foguetes. Chegando lá, um altar especial para São Benedito, mais orações, cantos religiosos, danças (camdoblé) em sua homenagem, velas, agradecimentos e mais promessas. Num mastro, no terreiro da casa do Daniel, foi içada uma pintura de São Benedito, mais uma homenagem do povo, que realmente tem fé!
Toda a rua reservada, somente para os convidados, com várias barraquinhas: canjica, caldo de feijão, caldo de mandioca, quentão, bolos e doces. Tudo por conta do Daniel... Fogueira (mais ou menos 2,5 m de altura) no meio da rua (no meio da festa) aquecendo todas as pessoas que quiseram participar. E, acreditem, não ví nenhum empurrão, nem uma baderna. Tudo na mais perfeita paz. Os garçons, com as bandejas de bolo, broas de fubá, copos com canjica grossa, quentão, caldos, oferecendo para todos. E todo mundo comendo, se fartando de felicidade. Um bolo de 4m de comprimento esperava a hora do parabéns para ser servido aos convidados. Após às homenagens merecidas a São Benedito, em um palco, algumas apresentações artisticas, músicas e canto.
"Vamos embora? Já são mais de 23h, o parabéns só vai ser cantado mais tarde, e tem uma "carninha" deliciosa esperando a gente lá em casa". "E o bolo?". "Fica para o próximo ano...".
E voltamos para casa, para saborear a deliciosa cachaça do "Cazinho", a patela quentinha e o calor do fogão de lenha. E depois de agradecer pelo dia maravilhoso, um bom sono de felicidade!

05 julho, 2004

Festa do Vicente

Hoje é aniversário do cunhado Vicente Camilo. Cunhado é isso: começamos a namorar as irmãs Rosa e Amélia quase na mesma época. Vicente, estudante de Engenharia. Eu, na Medicina. Passeios juntos não faltaram. O grande e emocionante passeio, quase fugido, foi à praia, Guarapari-ES, distante 500km de Belorizonte! Um fuscão verde, varando as estradas, serpenteou pela encaracolada BR-262, subiu a Serra dos Aimorés (onde fica o Pico da Bandeira) e desceu ao litoral. Após aquela distância toda, eis três mineirinhos (eu, Amélia e Rosa) desfilando nossa branquice, enquanto o Vicente, moreno alto, bonito e sensual, chegara já "no ponto".
Alugamos um apartamento num famoso edifício com "varandas de fora-a-fora". Desempacotamos roupa de cama e corremos para fazer o supermercado: cerveja, refri, presunto, queijo e pão. Pronto! Com a despensa bem fornida, era hora de correr prás areias monazíticas (seja lá o que for isso). Bem, Amélia e Rosa foram pegar uma cor enquanto os barbados no barzinho, à sombra, enxugávamos garrafas. Nem precisa dizer que, à tardinha, eram camarões tostados, sem poder encostar... inda bem que passou logo e ainda restavam uns dias...
Hoje, séculos depois, estamos aqui saboreando pão-de-queijo recheado com pernil assado, vinho, cerveja, lembranças e muito riso. A torta recheada de creme de coco, branquinha como neve, dormita sobre a mesa, à espera do ataque. O tempo passa, mas recordar é viver!

04 julho, 2004

A excomunhão do cronista

A "censura" do Jornal Estado de Minas a tantos quantos discordam do governo "em exercício" se materializou na omissão do artigo do cientista político Fenando Massote, reproduzido aqui no post de ontem, e culminou com sua exclusão do quadro de colaboradores. Após mais de 20 anos nas páginas do diário, eis que recebo a seguinte mensagem:
Crônica de uma morte anunciada
(A imprensa garroteada pelo Estado em Minas Gerais)
Os leitores que por anos me acompanharam às sextas-feiras, na página de opinião do Estado de Minas, foram tomados de surpresa no dia 02 de julho p. passado, quando o meu último artigo - A Última Batalha de Brizola - não foi publicado. Disseram-me que a cadeia dos Diários Associados nada queria publicar a favor de Brizola. Mas a direção do jornal não se limitou a recusar o artigo. Ela me declarou “persona non grata” depois de 23 anos de colaboração tendo, nos últimos anos, regularidade semanal e quinzenal.
O fato é que minhas relações com o Estado de Minas prosseguiam tensas - por razões políticas - desde a campanha política de 2002. O então candidato do PSDB Aécio Neves e seu staff de campanha, manifestamente, não gostavam de meus artigos. Para comprovar isto – já que nada tenho contra a pessoa do governador que não tive ainda o prazer de conhecer pessoalmente - abro aspas para publicar trecho de uma carta do Sr. Robson Damasceno dos Reis, chefe do comitê de imprensa do candidato Aécio Neves, enviada ao EM e publicada em 19.09.02.
“... artigo (do prof. Fernando Massote) da edição de 6/09/2002, então, é um primor de propaganda explicita e ofensiva contra o candidato Aécio Neves".
JK e Tancredo não teriam, absolutamente, subscrito o envio desta carta. O artigo que o Sr. Robson, a mando de Aécio Neves, incriminou nos termos acima, foi publicado no EM sob o título “Oh, Minas Gerais!”. Eis o trecho que mais provocou a ira de então candidato:
“Um candidato a governador que é apresentado como "jovem e bonito" na melhor linha do marketing comercial é o mais direto filho do passado (...) Na falta de qualquer militância política própria ele se sustenta, prodigiosamente, como se vê, como filho político do avô, Tancredo Neves!”.
Este artigo – que não teria sido publicado pelo EM depois da posse de Aécio - repercutiu nos programas de TV durante a campanha. Mas a ojeriza do governador pelos meus artigos não é, assim, tão recente.
Na noite de 15 de maio de l999, vendendo a casa que tinha em Nova Lima, a uma quadra da minha residência, o então presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, reuniu ali centenas de convivas para uma festa que fechou o bairro. O barulho infernal dos aparelhos de som dominou o ambiente das 20h. De sábado às 9h. de domingo.
Protestei, então, pelo fato, em defesa da cidadania publicando em l9.05.1999, no EM, o artigo Viva o Barulho, em que escrevia:
“Procuraremos a justiça contra o deputado, mas a sua defesa é praticamente insuperável: ele tem imunidade parlamentar que reforça a impunidade”.
Em 25.09.03, reagindo à onda de repressão contra a liberdade de imprensa advinda do Palácio da Liberdade, publiquei – na A Gazeta (ES), no Correio da Cidadania, de Contagem e aqui, no Proposta – o artigo Paixão e Ambição, também censurado pelo EM. estabelecendo uma comparação entre o avô, Tancredo Neves e o neto.
“Não cabe, portanto, comparação entre o avô e o neto já tão divididos pela distância entre seus dois mundos. A diferença começa no palanque onde o avô se comportava como um artista e onde Aécio gosta de agir como o chefe, atento a todos os detalhes e preocupado em determinar quem deve ou não falar!... A discrepância não se limita, enfim, aos palanques. Nos últimos dias correram notícias (...) de demissão e remoção de jornalistas de órgãos da mídia. O antigo respeito pela imprensa (...) que impregnava o velho PSD liderado por Tancredo Neves parece, assim, ser considerado hoje demodée por novos políticos mais controlados pela ambição do que pela paixão”.
Na mais recente entrevista do nº 09 do jornal Proposta com o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Aloísio Lopes, foram feitas criticas ao jornal de ser subserviente, sempre, ao governador de turno. Participei da entrevista como membro do Conselho Editorial do jornal. Foi este o álibi de que a direção do Estado de Minas se utilizou para transformar-me em objeto da sua vendetta e declarar-me “persona non grata”.
Despeço-me aqui (sem poder recorrer nem mesmo à secção de cartas do EM) portanto, dos leitores do EM, depois desta dispensa abrupta, sem comunicação alguma por parte do jornal. O EM não respeita seus funcionários, seus colaboradores e seus leitores. Ele se pauta sempre pela vontade política do governador “em troca do que dele recebe”.
Nesta situação, a luta pela liberdade de imprensa deve obedecer a um planejamento político consciente, crítico e amplo para defender e ampliar os espaços de cidadania de que dispomos atualmente. Não faço, com as minhas posições inarredavelmente democráticas, catarse pessoal, politicamente irresponsável e imprevidente das reações autoritárias que deverei enfrentar. Nunca cutuquei a onça com vara curta e sempre estive preparado - intelectualmente, moralmente, politicamente e materialmente - para reagir aos atos autoritários que critico.
Esta não é, no entanto, a situação da grande maioria dos jornalistas, em um mercado de trabalho sempre mais restrito e mal remunerado. Seus patrões e governos - como o de Minas Gerais - querem mantê-los sob o império do medo. Aí está toda a importância das tomadas de posição corajosas do atual presidente do Sindicado dos Jornalistas, Aloísio Lopes. A defesa dos jornalistas contra o autoritarismo das empresas e do governo Aécio Neves se confunde com os interesses do próprio desenvolvimento democrático da sociedade.
Conheça melhor o Fernando Massote.

03 julho, 2004

A Santificação de Brizola

Fernando Massote, professor de Ciências Políticas na UFMG, de renome internacional, publica no maior jornal de Minas, o Estado de Minas, comentários sempre pertinentes, às vezes irônicos, perfunctórios e mordazes. Seus estilo, muitas vezes querelante, não transige frente ao comodismo dos arranjos (ao contrário do mineiro "come-quieto", morde e grita, se preciso for). Os muitos e fiéis leitores, às sextas-feiras, abriam direto na página de "Opinião" para conferir. Lá estava o Massote! Por razões não reveladas, o EM restringiu-lhe a frequência para quinzenal. Finalmente, nesta última semana, cadê o artigo do Professor? Em seu lugar, lá estava o ex-presidente Sarney, com uma insossa prosopopéia. Cadê o professor? Por intermédio de amigos, recebi uma cópia da crônica censurada. Confira aqui e divulgue!

A última batalha de Brizola
As elites - udenistas e udenistizadas - viram Brizola partir com alívio. E ensaiaram, com Sarney e outros, um adeus isento, procurando enterrá-lo definitivamente, sem apelo nem sobrevida. Pura retórica e literatura decadente de velhos conservadores correndo, sempre - sem alcançá-lo nunca - atrás do trem da história! Procurando cancelar o que Brizola teve de mais característico – uma grande causa à qual sempre permaneceu fiel - Sarney o apresentou, num artigo recente, como um eterno espadachim “que não escolhe a causa e o lado quando se põe na raia”. Um herói sem causa!...
Lênin denunciou, certa vez, esta manobra, afirmando que “quando morremos, os inimigos nos transformam em santos!” Os santos são (ou foram), em geral, heróis que tiveram uma causa bem terrena, como Jesus na sua luta contra o Império Romano, mas dela foram desvinculados pela ressurreição/beatificação da igreja católica que corta as amarras com os grupos sociais ou nacionais que lhe deram origem!... Instituição interclassista e cosmopolita muito ciosa de si mesma, a igreja não aceita concorrência e cancela, na história dos seus santos, as marcas das suas origens sociais e nacionais.
Foi sempre do mesmo modo que as elites udenistizadas trataram Brizola: como um herói sem outro compromisso que com o próprio temperamento exaltado e as próprias alucinações. “Já que herói importante ele é - do povo e não nosso –“ cogitavam e cogitam sempre, os conservadores, permanentemente amedrontados pela luta popular: “procuremos impingir, colar em seu rosto, um dístico historicamente desvirilizante, para ver se pega e dar-lhe uma morte definitiva: “herói sem causa”. Ou santo. Um ser sem qualquer energia histórica.
Desmentindo Sarney, a militância brizolista, rouca pela intensa vaia ao presidente que virou as costas à promessa – de mudar o Brasil – pela qual foi eleito, demonstrou que mesmo do além, Brizola continuou e continuará a inspirar os que se apaixonam pelos destinos democráticos do Brasil. Para não prolongar a vaia, Lula não pôde permanecer no local mais do que cinco minutos!...
Brizola pôde, assim, tendo passado pelo purgatório histórico-político, partir imune, histórica ou moralmente ileso, escapando e sobrevivendo, definitivamente, às tocaias e laços insidiosos com que seus inimigos sempre procuraram liquidá-lo. Derrotando as últimas manobras oligárquicas contra o líder que, parodiando a carta testamento de Getúlio, “deixava a vida para entrar na história”, o povo, entristecido ao dar-lhe o último adeus, agitava o lenço ensopado com as lágrimas de quem perdeu mais um dos seus heróis mais verdadeiros. (massote@massote.pro.br)
O pensamento político e as crônicas podem ser conferidas no site
Fernando Massote.