30 maio, 2007

Evocações

A propósito do post Matadouro Municipal, muitos se manifestaram, tanto na caixa de comentários quanto nos emails.
Parece que mexi num baú de lembranças, uma coisa puxando outra. Conversa de mineiro é assim mesmo: devagar, como quem não quer dizer nada, um e outro acrescentam um pormenor à narrativa. Há os que viveram cenas semelhantes; os que conhecem data, hora e local; os testemunhas oculares dos bastidores; os exagerados e os que emendam com outra história. De repente, dá-se o "causo".
# Ismaelzinho, mano que está morando em Marataízes, no Espírito Santo, relembra:

- O melhor era colocar um barbante (cordinha) amarrado a um pedaço de carniça. Urubu comia e voava para bem alto. Aí eu dava linha, como quem solta uma pipa, pendurava-me no barbante e o grande pássaro preto me carregava pelos céus da cidade. Às vezes, ao "sobrevoar" o rio Piracicaba, eu caia em suas águas e tinha que nadar rápido, para fugir do jacaré. Um dia, um urubu bem grande me levou até a caixa dágua, no alto do morro atrás do Hospital São José. E como conseguia fugir de todos os jacarés e sempre cair em lugar macio, estou aqui a contar como acontecia.

# Meu pai, Soié, lembrou-se de quando eu saía de mãos dadas com o vovo Ilidinho. Ao passar próximo ao matadouro municipal, diante dos animais abrigados no pequeno curral anexo, apontava para um ou outro e perguntava:

- Vovô, aquele boi ali é boi ou vaca?

# Tia Irani, irmã de meu pai (Soié), relembrou um fato acontecido também na minha infância. Eu já aprontava das minhas, é claro. Tia Irani comentou assim:

- GOSTEI e lembrei-me da vaca que entrou na venda (armazém) que meu pai (Ilidinho) tinha aqui junto à nossa casa... Foi o seguinte:
Era costume que os fazendeiros conduzissem sua boiada pelas ruas da cidade. Às vezes, uma ou outra rês se desgarrava e investia sobre os passantes. Numa dessas ocasiões, gritaram:

- "Vaca braaaaava"!

Todos correram para apreciar o espetáculo e o pobre do Claudinho, que estava assentado na porta do Foto Irineu, defronte à venda, saiu em disparada atravessando a rua e gritou:

- Vovôôôôô me acode!!!.

Acontece que a vaca, que estava bem próxima, deve ter pensado que o menino fosse seu bezerrinho (!) e igualmente atravessou a rua e adentrou as instalações do meu pai que, num relance, puxou o menino que tremia e berrava alojado num canto. A vaca tentou passar para detrás do dentro balcão, ficando "engasgalhada" na porta, bufando e batendo c/as patas no assoalho.
Os vaqueiros logo chegaram com um laço e arrastaram a coitada para a rua, onde o povo aglomerado aplaudia. Cláudio, nos braços do avô, chorava e reclamava:
-"Vovô, a vaca queria me pegar".
Nesta hora, foi chegando minha mãe com um copo d’água e biscoitos para acalmar o bezerrinho... ou melhor, o netinho!!!. Boas lembranças, muitas saudades!!!

# Ah, lembro-me dessa minha tia Irani, mocinha nova, a fazer bordados juntos às outras tias. Eu, menino de calça-curta, zanzava pela sala de costuras, pois era casa do meus avós Nhanhá e Ilidinho. E não é que as danadas das tias, quando queriam que não entendesse o que diziam, principiavam a falar na língua do pê? Espertinho, logo logo decifrei o código. Pois então, inventaram mais uma:

Umpumapa daspas coipoisaspas quepe mepe ipirripitapavampam eperapa epessapa linpinguapa dopo pêpê quepe minpinhaspas tipiaspas upusapavampam enpenquanpantopo cospostupurapavampam, napa capasapa dopo vopovôpô Ipilipidinpinhopo.
Depemoporeipei apa depecopodipifipicarpar.
Quanpandopo despescopobripri quepe eperapa apa linpinguapa dopo pêpê, epelaspas copomepeçaparampam apa upusarpar apa linpinguapa dopo epefeperrepe:
Voforrocêfêrrê confonronheferreceferre afarra linfinringuafarra doforro eferreeferre?

24 maio, 2007

Cotidiano

Outro dia chegou-me ao consultório um rapaz com queixas de "ter perdido a alegria de viver". Salientou esses termos e evitou declarar-se propriamente deprimido:
- Continuo na escola, vou a algumas a festas, faço academia, tenho amigos; mas algo não vai bem comigo. Tenho um relacionamento afetivo há alguns anos, "mais sério que um namoro, menos sério que um noivado", mas... O pior é que os defeitos dela começaram a me incomodar, embora eu sempre compreendesse, pois houve um tempo em que estive mesmo apaixonado.
- Explique melhor o que você quer dizer com perder a alegria de viver, como é isso no dia-a-dia.
- No início, eram só cansaço, impaciência, algum distúrbio tipo dor-de-cabeça, desânimo, por aí. Algumas pessoas me perguntavam sobre o que estava acontecendo. Inventava desculpas, tipo "foi algo que comi" ou "esta noite não dormi bem". Mas o certo, doutor, é que me tornei mais introspectivo, conversando menos, achando menos graça nas coisas, entende? Ah, tem também minha obsessão pela internet: comecei a ficar horas no MSN, Orkut, esses sites, o senhor conhece?
- E aí?
- Bem, aí comecei a dar corda para algumas conversas, principalmente com meninas que se propunham a conhecer alguém. Dei o telefone para uma pá de gente. Chegava da escola e corria pro computador, nem lanchava, nem conversava com meus familiares: minha mãe, coitada, ia chegando com um toddy e eu dizia: "espera aí, mãe, que 'tou ocupado'. Ela até reclamou, mas não mudei.
- E?
- Agora estou sentindo uma angústia danada, pois vou terminar com minha namorada-quase-noiva e não sei como falar. Sinto duas coisas: angústia e culpa.
- Como assim?
- Estou com medo de dar um passo errado: e se eu me arrepender, depois? E se eu quiser voltar e ela não? Tenho medo de ficar sozinho, pois só tenho relacionamentos virtuais, quer dizer, só converso pela internet. Fico desanimado de sair pras baladas, puxar assunto. Acho que nem sei mais como se faz para chegar nas meninas.
- E culpa, culpa por que?
- Porque já estou fazendo minha namorada-quase-noiva sofrer: ela percebe minhas esquivas em conversar. Digo-lhe que estou fazendo pesquisa no computador, mas ela sabe que é mentira, estou sempre on line no MSN. Engraçado que é mais fácil conversar com ela pela internet do que ir à casa dela ou sair prum barzinho, fazer algum programa juntos.
- E o que você pretende?
- Queria que me receitasse um remédio, um antidepressivo, sei lá, um remédio que me fizesse esquecer essas coisas, ficar bem...
- ...
- É, eu sei que não existe pílula da felicidade.
- Não existe mesmo.
- Mas ajuda, né?
- Parece-me que talvez seja mais lógico você tentar mudar seu esquema de vida, rapaz. É preciso definir o que você quer, se gosta ou não da menina, entender por que você se enfurnou na internet.
- Eu sei disso, mas não adianta. Hoje em dia tá todo mundo assim: à noite, de madrugada, o MSN fica bombando de gente; parece que ninguém dorme, ninguém sai.
- Muito menos você, né?

23 maio, 2007

Comentário em forma de Recado

Filhota mia!
Será que paguei um mico tão grande? Deus ama os inocentes, por isso estou salvo: entrei realmente pelo lado D, já que, defronte à entrada da catedral, havia um montão de gente, mercedes prateada, etc. e tal. Ao ver que a porta ainda não houvera sido aberta, empertiguei-me e me propus a atravessar a nave central.
Eis que a pequena orquestra ataca de Marcha Nupcial, enquanto meu corpo já desencadeara os movimentos necessários às passadas largas e rápidas programadas pelo córtex frontal. Não houve tempo de interromper o deslocamento dos 74kg acomodados em parcos 1,65m. Fazer o quê?
Como artista hollywoodiano, acostumado aos tapetes vermelhos da Academia ou de Cannes, desfilei! Senti falta, porém, de algo: os aplausos da platéia e o pipocar dos flashes. De qualquer forma, seu post eternizou aquele momento, doravante inesquecível graças à sua capacidade literária e seu humor perspicaz.
Pra mim, é a glória!
Seu pai.
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Por que? Por que? Entenda, clicando aqui.

19 maio, 2007

Matadouro municipal

Tom Jobim era um admirador dos urubus. É o que João Paulo afirma em sua crônica de hoje, no Caderno Pensar, do EM.

Muito antes da disseminação do pensamento ecológico entre nós, Tom Jobim soube ver beleza e sabedoria naquela ave de rapina, causadora de repulsa e de "cruz-credo" pela lembrança da morte. Os urubus aproveitam as correntes térmicas e fazem vôos elegantes, sobranceiro entre as nuvens, sobrepujando montanhas, matas e casas.

O tema lembrou-me a infância, povoada de urubus.

Explico:

Minha terra natal (Nova Era-MG), até hoje preguiçosamente debruçada sobre as curvas do rio Piracicaba, tinha um matadouro municipal bem na região central. Fora construído, é provável, no final do século XIX, bem próximo à ponte que seria inaugurada por Getúlio Vargas, anos depois.

O local se tornou passagem obrigatória para quem quisesse atravessar o rio, buscando o bairro mais novo, chamado, inicialmente, de bairro da "Rua Nova".

Ali, bem à entrada da ponte, os magarefes matavam e esfolavam as reses, à vista de todos, num espetáculo tão macabro quanto banalizado pela frequência diária com que se oferecia aos olhos e ouvidos dos passantes: olhos que se arregalavam diante da decidida paulada perpetrada na fronte do animal e da subsequente e certeira punhalada que lhe seccionava a medula, bem no meio da nuca; ouvidos que captavam os estrebuchares e mugidos medonhos, pavor e lamento de que não me esqueço.

Pequeno e curioso, eventualmente pedia ao meu avô Ilidinho que me levasse a passear na beira do rio. Às vezes, coincidiam passeio e espetáculo mórbido. De olhos estatelados e ouvidos sensíveis fui-me acostumando àquela cena. Acompanhava cada momento, desde a chegada do boi, os laços que o puxavam para o tronco central onde, amarrado, recebia a sentença. Não me lembro de maiores escrúpulos ou lembranças aterrorizantes. Afinal, era natural que se matasse para comer. Pelo menos foi assim que aprendi.

Uma imagem, porém, impressionava-me: aos montes, fazendo de poleiro as cercas, os arbustos e os arcos da ponte, os urubus esperavam. Pacientemente, desde horas antes, lá estavam os bichos negros, de asas abertas para "quentar sol" nas manhãs de inverno, aguardavam o banquete recém preparado.
De repente, como que tangidos por uma orquestra bem compassada, voavam direto à carniça e ao sangue que escorria em direção ao rio.
Pinicavam os ossos até não restar fiapo de músculo. Saciavam a fome e limpavam o mundo. Não restava podridão e a cidade continuava a respirar em paz. Mais tarde, com as termas que subiam do fundo do vale, faziam geometrias harmônicas contra o azul do céu.

O ciclo da natureza se completava e o menino, curioso, aprendia que a vida é mesmo assim.

09 maio, 2007

Bento XVI no Brasil

O Papa chegou ao Brasil e uma Mercedes com motorista iria trazê-lo do aeroporto de Viracopos, em Campinas, para São Paulo.
Na Bandeirantes, o motorista vinha dirigindo muito lentamente quando o papa pediu-lhe que corresse mais. Mas, recebeu como resposta uma negativa, porque não poderia andar rápido, por haver muitos guardas na estrada.
Então, o Papa mandou que ele parasse o carro e disse que dali em diante ele mesmo dirigiria, mandando o negão pro banco de trás. Quando estava a 180km/h, não deu outra, foi parado por um policial.
O guarda pediu-lhe os documentos.
Ao ler os documentos dados pelo papa, ele foi até o seu superior que estava na viatura e disse:
- Chefe, o homem é muito importante, é dos graúdos.
O chefe falou:
- Se é o governador? Pode multar!
- Não. É mais do que isso. Respondeu o guarda.
- Então, é o presidente? Pode multar também, que não tem perdão!
- Não! Disse o guarda. Acho que é bem mais do que isto, chefe.
- Porra, quem é? Pra ser mais importante que o presidente?!?!?!
- Para falar a verdade, chefe, eu acho que é São Benedito , pois só para o senhor ter uma idéia, o motorista dele é o Papa!

05 maio, 2007

Cada tribo com sua SPAM

Todo mundo sabe que SPAM é uma mensagem por email enviada em massa, sem levar em conta o desejo do destinatário, muitas vezes com conteúdo comercial.
No meio médico, recebemos SPAM que dizem respeito às nossas especialidades, a medicamentos, etc.
Eis uma SPAM que recebi de um colega. Não sei quem foi autor do texto nem se é verdadeiro o que descreve... afinal, onde anda a Verdade?

Outro dia eu estive conversando com o chefe da oncologia pediátrica do hospital das clínicas, e ele me fez umas revelações que mudaram minha maneira de ver o mundo!

Como vocês sabem, bactérias possuem reprodução assexuada. Quando estão grandes demais, elas simplesmente se dividem em duas bacteriazinhas que são idênticas à bactéria original.

Mas, se elas não fazem sexo, então como se divertem?
Pode parecer incrível, mas a diversão das bactérias é o canibalismo! As bactérias comem umas às outras, numa lambança microscópica de dar inveja a qualquer baile de carnaval!

E, mais incrível ainda, o canibalismo é melhor que o sexo! Geneticamente falando, se dois seres fazem sexo, o filho resultante é muito parecido com os pais, já que há apenas recombinações de alelos, exceto é claro no caso de mutações.

Com as bactérias isso não acontece. Quando uma come a outra, o material genético da primeira mistura-se com o da segunda, o que permite uma variação genética muito maior, e conseqüentemente uma maior velocidade de adaptação ao ambiente. Não é por acaso que grande parte das bactérias hoje em dia são imunes à penicilina: bastou nascer uma que fosse imune, e o canibalismo fez com que o gene da imunidade se espalhasse rapidamente.

Outro processo que pode acontecer, ainda mais curioso, ocorre quando uma bactéria grande come uma bactéria pequena. Pode acontecer da grande não conseguir romper a membrana da pequena, e nesse caso a menor continua vivendo, dentro da maior, como se nada tivesse acontecido. Para todos os efeitos, a menor torna-se uma organela da maior.

Esse processo de canibalismo não é recente; na verdade vem acontecendo muito antes dos seres humanos surgirem. Em especial, ele foi o responsável pelo surgimento de vida aeróbica: algum dia surgiu uma bactéria que era capaz de respirar, processando oxigênio, e uma bactéria maior, anaeróbica, comeu a primeira. Nesse processo, a pequena tornou-se uma organela da grande, e a grande adquiriu a capacidade de processar oxigênio, ainda que indiretamente.

A tal da bactéria pequenina existe até hoje: é a nossa conhecida mitocôndria! Essa teoria pode ser facilmente comprovada, se você notar que a mitocôndria possui um DNA próprio, diferente da célula em que está inserida.
Tal fato bizarro leva a várias considerações curiosas:

Primeiro, eu sempre achei que, quando o projeto genoma acabasse, nossa espécie poderia finalmente ser extinta em paz. Já estaríamos documentados, se alguma raça inteligente pousasse no planeta, poderia clonar um humano a partir da descrição do genoma. Porém, apenas com o genoma humano isso não é possível, já que é necessária também a descrição do genoma da mitocôndria.

Segundo, é um fato conhecido que os espermatozóides humanos perdem suas mitôcondrias quando penetram no óvulo. Como o DNA do espermatozóide não possui informação para sintetizar mitocôndrias, conclui-se que todas as mitocôndrias do nosso corpo são descendentes das mitôcondrias que estavam no óvulo da nossa mãe. Portanto, se é verdade que todo homem tem um lado feminino, tal lado feminino deve estar guardado no DNA da mitocôndria, que é reproduzido exclusivamente pelas mulheres.

Por fim, se o DNA da mitocôndria é diferente do DNA do núcleo de nossas células, significa que ela pode ser considerada uma forma de vida distinta.

Ou seja, nós não somos seres autônomos, na verdade somos simbiontes com nossas mitocôndrias."

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A propósito: há um monte de informações sobre SPAM na Wikipedia. Veja aqui.