Um criminoso, levado à forca numa segunda-feira, comentou:
- ‘Bem, a semana está começando otimamente’.
Esta anedota é contada por Freud, em 1927, num delicioso artigo intitulado: O Humor.
Para ele, o humor tem algo de liberador e de grandeza: Essa grandeza reside claramente no triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do Eu. Ou seja: fazendo pilhéria quando se depara com um motivo para sofrer, o humorista em causa própria alivia a tensão e o sofrimento, rebelando-se contra a dura realidade. Freud afirma: “O humor é rebelde”. Rebelde contra quê? Contra a própria fraqueza, contra a infelicidade que advém da própria experiência de estar no mundo, derivado de três fontes (segundo Freud):
a) de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência, na forma de sintomas físicos ou psicológicos;
b) do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas, tais como os terremotos, as enchentes, os incêndios, os tsunami, etc;
c) finalmente, de nossos relacionamentos com as outras pessoas: O sofrimento que provém dos desencontros afetivos, amorosos, rejeições, abandonos, dúvidas acerca do reconhecimento e do amor do outro; tudo isso talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.
Falando assim, parece que a vida é só desgraça. Não, não é mesmo. Ousaria dizer: “A felicidade até existe”.
Não dá pra ficar filosofando sobre o que é a felicidade, mas só experimentamos este sentimento quando somos arrebatados por vivências de alívio de grandes tensões: um desejo que demora a se realizar, a saúde que retorna após uma doença, uma conquista arduamente conquistada, um relacionamento afetivo concretizado após incertezas e tentativas...
Por outro lado, o prazer corriqueiro, cotidiano, duradouro e garantido, este nos causa apenas contentamento e bem-estar e só se transforma em felicidade quando, após perdê-lo, o reconquistamos. Aí, dizemos:
- Era feliz e não sabia!
Pois bem, diante de uma situação que nos leva ao sofrimento, ao mau humor, à queixa, ao horror e, até mesmo, ao desespero, não deixa de ser uma grande economia de energia, para nós mesmos e para quem convive conosco a utilização da piada, do chiste, da brincadeira, do bom humor.
Voltemos, com Freud, ao exemplo do condenado à forca: Suponhamos que o criminoso levado para execução na segunda-feira dissesse:
- ‘Isso não me preocupa. Que importância tem, afinal de contas, que um sujeito como eu seja enforcado? O mundo não vai acabar por causa disso’.
Teríamos de admitir que um discurso desse tipo apresenta de fato a mesma magnífica superioridade sobre a situação real. É sábio e verdadeiro, mas não revela traço de humor. Na verdade, baseia-se numa avaliação da realidade que vai diretamente contra a avaliação feita pelo humor.
O humor não é resignado, mas rebelde. Significa não apenas o triunfo do Eu, mas também o do princípio do prazer, que pode aqui afirmar-se contra a crueldade das circunstâncias reais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente aqui.