29 abril, 2005

A HORA DE DRÁCULA

Carlos Perktold foi meu aluno no Curso de Psicologia da PUC-Minas há muitos anos. Se não me engano, ainda tem um escritório de contabilidade, é “curador” de artes plásticas e, principalmente, já é reconhecido como um dos mais importantes psicanalistas ligados ao Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Quando saliento que foi meu aluno, é para afirmar que o aluno superou, em muito, este humilde professor.

No Caderno Pensar de sábado (23/abril/05), brindou-nos com uma reflexão pertinente e polêmica acerca do que chamou de descompassos afetivos. Disse:

- "A comunicação na era da internet prescinde da presença do outro e desvaloriza os códigos humanos construídos por séculos, em nome da rapidez e superficialidade."

Para ele, intermediado pela máquina, o próximo não é o vizinho, o colega da faculdade, mas alguém preferencialmente distante:

- “A internet trouxe consigo a mensagem antibíblica de amar o próximo que está bem longe de nós. Para adolescentes e um certo grupo de aficionados por ela, há um sistema no ar chamado Messenger, no qual é possível dialogar ao mesmo tempo com várias pessoas distantes. Essa nova forma de comunicação deveria desenvolver nossa afetividade, pelo contato humano entre seus interlocutores. Nota-se que, com freqüência, ocorre o contrário. Se um dos seus participantes descobre ser vizinho de alguém no circuito, raramente se apresenta e manifesta interesse para uma conversa pessoal na porta de casa ou ali na esquina. Deleta-se o vizinho imediatamente e prefere-se o próximo de Manaus, Fortaleza, Porto Alegre ou Canadá. Quanto mais longe, melhor. Nessa última hipótese, maior também é a chance de os interlocutores se tornarem amigos ou amantes virtuais. Quando se conhecem pessoalmente, a desilusão “se desmancha no pó”, tal como o elefante drummoniano.”

Continua o Carlos Perktold:

"A depressão de hoje vem empurrada de fora para dentro, como uma tsumani metafórica, através de desejos que não são nossos, quase sempre impossíveis de serem realizados. Eles são impostos pela mídia, pelo sistema neoliberal, esse Drácula pós-moderno, e pela crença de que seremos pessoas melhores apenas depois do próximo botox, da nova cirurgia plástica corretiva, da compra da roupa de marcas famosas, de ter o belo corpo dos profissionais da beleza e da aplicação dos mágicos e caros cosméticos, que nos farão jovens para sempre. A perpetuidade da juventude é privilegiada ilusão dos vampiros, que acordam apenas quando o dia se põe a dormir. Precisamos (re)descobrir o óbvio: apenas o humanismo neutraliza o vampiro contemporâneo."

Na relativa impessoalidade do mundo virtual, a máquina se interpõe entre as pessoas qual película impermeabilizadora que bloqueia o calor do contato pessoal, as inflexões da voz e o brilho dos olhares.
Do mesmo modo, os apelidos (nicknames), utilizados para garantir a privacidade, se tornam um recurso absolutamente imaginário através do qual o internauta projeta sua “identidade idealizada”, como que para “vender um produto” a ser consumido: um eu imaginário para um interlocutor imaginário: Pode-se ser jovem, engraçado, rancoroso, poético, apaixonado, desiludido - enfim, um camaleão virtual, um nanico a brandir armas e vociferar impropérios, um revolucionário de araque, um romântico sem romance.
Afinal, quem está "teclando"?

- "A perpetuidade da juventude é privilegiada ilusão dos vampiros, que acordam apenas quando o dia se põe a dormir."

O marketing de um Narciso feito de pixels se esboroa no ar quando cada um se descobre inexistente ao se desconectar.

O texto termina assim:

"É chegada a hora de Drácula. Nela, a falta de humanismo e o desamor vivem na sombra da noite para sempre, pendurados em tênues e passageiras ligações, representadas por alguns beijos numa festa ou num encontro furtivo.

Como em todo deserto, no desumano nada cresce ou floresce de forma afetiva. Acreditar que possa ser diferente disso é outra camuflagem draconiana. Breve, o último humanista, através de um ensaio, ou o último poeta, através de uma ode, anunciarão ao mundo a única solução da crise afetiva em que vivemos: a volta do humanismo. Sem ele nosso destino é nos animalizar."

P.S. 1- Recomendo dois textos do Carlos Perktold:

O sintoma William Moreira e Assisto, logo existo. ambos sobre a incapacidade de muitos jovens não entenderem a palavra escrita.

Tudo isso dá pano prá manga e idéias para muitos posts.
Quem se habilita?

P.S. 2 - Neste mês de abril, o Pras Cabeças completou um ano. o "Termo de Abertura" foi feito em 12 de abril de 2004:

"Termo de Abertura"
Abrindo este blog prás cabeças: mas escrevo com cabeça e coração, pelo menos é o que pretendo. Falar o quê? Falar de quê?

De tudo!
Vai ser difícil: "Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto lutamos mal rompe a manhã." (Carlos Drummond de Andrade)
Então, vamos lá!

P.S. 3 - continuo recomendando o Ontem e Hoje, de meu pai Soié. Mineiridade pura! No último post contou o caso do Taxista Cruel e a cachorrinha Xica. Só mesmo em Nova Era-MG, prá acontecer tal coisa.

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