13 agosto, 2005

A crise e os arquétipos do eu interior: brincando com Jung

Não sou junguiano e confesso que, de Jung, li apenas a enorme correspondência trocada entre ele e S. Freud e o livro autobiográfico "Memórias, Sonhos e Reflexões". Sua noção de arquétipo é uma das contribuições mais marcantes - embora alguns questionem, como sempre.
"Arquétipo", para C.G. Jung (1875-1961), é o conteúdo imagístico e simbólico do inconsciente coletivo, compartilhado por toda a humanidade, evidenciável nos mitos e lendas de um povo ou no imaginário individual, esp. em sonhos, delírios, manifestações artísticas etc.; imagem primordial (definição do Houaiss).

Carol Pearson é uma psicóloga que aplicou a teoria dos arquétipos de Jung ao desenvolvimento da personalidade e estendeu estes conceitos às posturas individuais e grupais nas relações interpessoais e organizacionais. Para ela, Arquétipos são padrões naturais da mente e coração humanos. Orientam-nos e nos ajudam a saber o que fazer e para onde ir. Compreendo-os, podemos nos defender dos perigos, enfrentar dificuldades e evitar as quedas.
Em seu livro "O despertar do herói interior" Carol Pearson classifica os arquétipos da personalidade em 12 categorias básicas, jamais encontradas isoladamente em cada um de nós, nem mais valorizadas umas em relação a outras. Na verdade, cada "arquétipo" tem lá seus pontos positivos e negativos.

Resumidamente, os 12 arquétipos são:
  • do Ego: o inocente, o órfão, o guerreiro e o caridoso
  • da Alma/Espírito: o explorador, o destruidor, o amante e o criador.
  • do Self: o governante, o mago, o sábio e o bobo.

Não me estenderei aqui sobre cada um (veja quadro aqui - em inglês), mas ocorreu-me correlacionar os quatro arquétipos do Ego com os modos de enfrentamento da crise política atual, em especial, a derrocada do PT e a desilusão (dos 53 milhões de eleitores) com o presidente Lula.

O inocente se caracteriza pelo otimismo e confiança, vê tudo pelo lado positivo e encara o mundo como terra prometida, na qual tudo dá certo. Não se preocupa com nada, confia cegamente que viver não é pesado ...
Essa postura faz com que o inocente rejeite a verdade, desconfie de quem aponta os fracassos e os perigos e acredite nas promessas das autoridades, do pai, do Presidente.
É o arquétipo da "velhinha de Taubaté", personagem criada pelo escritor Luis Fernando Veríssimo, que assim a descreve:
Os governos mudam, as promessas se renovam, as autoridades nem tanto, mas se há uma coisa firme no país é a crença da Velhinha de Taubaté. Presidentes da República e ministros, por exemplo, a consideram um patrimônio nacional, já que ela acredita em todos os seus projetos e nas justificativas que dão depois para o fracasso dos projetos. Criada durante o Governo Figueiredo, a Velhinha não é mais personagem das crônicas de Verissimo, mas permanece um símbolo da fé cega no Brasil.


O inocente, pois, acreditou piamente nas promessas de campanha do seu candidato (Lula) e desconfia de todos aqueles que o criticam. Seus irmãos gêmeos, também inocentes, crêem totalmente nas boas intenções de Roberto Jefferson ou de Zé Dirceu ou de cada um daqueles políticos que vociferam contra a corrupção, fazendo teatro à frente das câmeras da TV Senado. Podem acreditar em coisas diferentes, mas fator que os une é: acreditam, confiam cegamente, têm certeza de que o mundo é bom e tudo vai dar certo! O Lula sabe o que está fazendo, ele é bom, honesto, bem intencionado.
- Tudo se resolverá, não se preocupem!, diz o inocente.

Mas a decepção é inevitável: contrariando promessas de campanha, o governo liderado pelo "campo majoritário" do PT manteve a mesma política econômica neoliberal, colocando Henrique Meirelles - big boss do capitalismo - com a chave do cofre, que só abre para os banqueiros. O escândalo do mensalão cobriu de lama os cintilantes palácios de Brasília. As campanhas políticas - como sempre - foram pagas com dinheiro sujo, caixa dois, contas no exterior... Oh! e agora?
Entra em cena o órfão. Este é dominado pela inibição, pela mágoa.
Sente-se desajeitado, abandonado, traído, maltratado. Diante dele, temos vontade de consolá-lo, carregá-lo no colo, Para o órfão, disse Lula: "Não perca a esperança!"
O órfão vive o horror: está desesperado, aceita a mão de qualquer um. Vasculha os jornais em busca de algum político que o oriente, diga as soluções para o país, aponta diretrizes. Lamenta-se todo o tempo: -"Oh! que desgraça. E agora?" Identifica-se com o José, do Poema de Drummond: E agora, José?

Alguns se identificarão com o guerreiro. Gritam palavras de ordem, tentam salvar o partido, organizar manifestações contra a corrupção. Clamam pela ética, acreditando que basta ter boas intenções. Estabelecem metas e se crêem salvadores do mundo. O guerreiro tem suas qualidades, lógico, mas pode se tornar refém de suas crenças, fanático e intolerante. Assim, tratam qualquer opinião diferente como um anátema. Aquele que não concorda com suas idéias é um inimigo mortal. Seu lema é:
- Quem não está comigo está contra mim!
O guerreiro quer resultados imediatos e, no afã de conseguir seus intentos, chega a se utilizar de métodos anti-éticos para defender a ética! Tem uma necessidade obsessiva de vencer e se torna querelante, intolerante e, às vezes, até paranóide. Vê, em tudo, uma conspiração:
- São as elites que querem desestabilizar o governo. Abaixo as elites! Morte aos inimigos!

Finalmente, há o caridoso: acredita na união de todos, na Família, no espírito de colaboração. Defende a organização das pessoas, fica condoído quando os depoentes da CPI se põem a chorar. Os caridosos choraram com a Renilda, com o Marcos Valério. Derramaram rios de lágrimas quando Duda Mendonça contou sua trajetória de menino pobre, na Bahia. Sentiu pena do Roberto Jefferson.
O maior exemplo de caridade foi dado na sede do PT, em São Paulo, quando um grupo de aposentados doou pouco mais de R$ 240,00 reais aos cofres petistas. Afinal, o PT está devendo demais, não tem como pagar os empréstimos. Os aposentados renovaram sua filiação ao partido. Acreditam que podem salvá-lo. Tudo em nome da unidade.
Na época da campanha "Dê ouro para o bem do Brasil" (alguém se lembra?), arrancaram os próprios brincos e alianças e os depositaram nas urnas, em praça pública. Não reclamaram dos empréstimos compulsórios, cobrados por sucessivos governos. Pagam seus impostos sem se queixar, pois acreditam que o dinheiro será efetivamente utilizado para o bem de todos. Assistem e fazem mil telefonemas para o Criança Esperança e se orgulham disso.

Cada um de nós é resultante da mistura destes arquétipos. Não há o melhor. Todos têm seu lado positivo e seu lado negativo. Os extremos são patológicos. Mas, de acordo com Carol Pearson, cada um de nós pode descobrir, em si, traços mais marcantes de um ou de outro.

Pois é, diante desta crise que nos atingiu, como fazer? Em que acreditar? Vale a pena lutar? Qual a saída?
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A propósito, está em cartaz, em Belo Horizonte, uma peça teatral, Jung-Sonhos de uma vida:
“Tomamos cuidado para não tornar a peça uma autobiografia. Apresentamos momentos da vida dele, em que as sensações falam mais alto”, explica Jayme Periard, que interpreta Jung. Em um processo de flashback, enquanto o médico relata, para uma jornalista (Fátima Freire), os fatos e pessoas importantes de sua vida, os atores vão interpretando as situações. “É tudo muito tocante, emocionante mesmo. Jung fascina pois, além de ser médico, tinha uma mediunidade grande e se interessava por processos ocultos”, completa.

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