A convite dos atores, escrevi o capítulo "Aspectos Psiquiátricos e Psicológicos da Dor Infantil", o que não deixa de ser uma honra e uma grande responsabilidade, pois se trata de obra de referência para pediatras e para todo o staff que se dedica a cuidar de crianças que padecem de dor.
Um resumo do meu capítulo:
Por muito tempo, a concepção que se tinha da infância relegou as crianças a um lugar secundário nas considerações sobre suas capacidades sensoriais, emocionais e expressivas.
Com efeito, a etimologia do termo ‘infância’ nos remete a uma impossibilidade: o não-falar. A palavra se origina do latim: infantia-ae, que significa 'dificuldade ou incapacidade de falar, mudez; infância, meninice'.
Realmente, se já é difícil medir a intensidade da dor no adulto, tanto mais será nos recém nascidos. Nestes, costuma-se até ignora-la...
Se não tem voz, não reclama. Se não reclama, é porque não sente. Este pensamento, embora não expresso de forma tão explícita, permeava a compreensão que se tinha a respeito das capacidades das crianças, principalmente dos recém-nascidos e dos bebês, às vezes se estendendo até mais ou menos a idade de 3 anos.
O choro foi a primeira manifestação reconhecida como expressão dolorosa presente desde o nascimento, apesar de que os procedimentos e cuidados com o recém nascido, de maneira geral, neguem essa evidência.
A compreensão e a escuta do que “falam” os infantes se concretizam, principalmente, a partir dos estudos de observação de bebês desenvolvidos por psicanalistas, desde Sigmund Freud: Anna Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott, John Bowlby, Esther Bick.
A capacidade de experimentar prazer e desprazer (dor) faz parte do arsenal de sobrevivência de todo ser vivo e já se manifesta desde o nascimento.
O choro, mais do que reação indiferenciada, já teria uma função de ‘comunicação’ sobre estados dolorosos. As pesquisas de Lester & Boukydis demonstraram que o choro de dor pode ser diferenciado daqueles provocados por outros tipos de situações, o que proporciona o uso da resposta de choro como medida da intensidade dolorosa e como evidência de que recém-nascidos experienciam dor.
Por um viés neurofisiológico, vislumbra-se a precoce constituição da subjetividade do ser humano, deduzida de suas manifestações de júbilo diante do prazer e de sofrimento diante da dor. Não se trata de atribuir intencionalidade aos recém-nascidos que choram durante os procedimentos perinatais. O que se comprova é a sofisticada capacidade sensoperceptual desenvolvida desde o período pré-natal e os recursos utilizados pelo recém-nascido para ‘comunicar’ o que se passa. Isso é extremamente necessário para um organismo altricial (dependente de cuidados parentais para sua sobrevivência, em oposição aos organismos precoces, que apresentam grande autonomia logo após o nascimento). Como a sobrevivência do filhote de homem depende totalmente de cuidados, os seres humanos já nascem equipados para interações funcionais com o ambiente e cuidadores. A diversidade de manifestações diante de cada situação vivida ultrapassa os simples reflexos.
Os sinais de sofrimento emitidos pelos bebês e crianças pequenas diante da vivência dolorosa (orgânica ou emocional) dependem, portanto, do grau de desenvolvimento neuro-psicomotor e cognitivo. Existem várias escalas para que se avalie a intensidade de dor sofrida pelo bebê e pela criança.
Nas fases iniciais da vida, por excelência, é impossível a distinção entre dor física e sofrimento emocional, entre somático e psíquico. (Nos adultos também essa dicotomia é insustentável, como demonstra a Medicina Psicossomática). “Em relação ao bebê, as dificuldades são muito grandes, uma vez que, ao se apresentar como um ser sensório motor, a sintomatologia observada prende-se, na maioria das vezes, eminentemente na avaliação reflexa que, embora importante na detecção das grandes síndromes neurológicas e psiquiátricas, é pouco sensível na suspeita de quadros psiquiátricos que comprometem freqüentemente o padrão interacional e lingüístico do indivíduo afetado, refletindo a possibilidade adaptativa desse indivíduo”.
É muito importante considerar que a percepção dolorosa e a intensidade da dor não dependem unicamente do sistema nociceptivo. Ou seja, não basta a existência dos terminais sensoriais e a transmissão ao cérebro de informações sobre a presença e qualidade dos estímulos dolorosos ou agressivos, já que a experiência da dor é simultaneamente física e psíquica.
As respostas são tanto comportamentais quanto fisiológicas, tais como choro, enrijecimento, expressão facial típica, sudorese e taquicardia. [Veja aqui fotos de bebês e sua expressão de dor.]
Assim, um bebê em sofrimento expressará qualquer desconforto através de sintomas biopsicológicos: a dor desencadeará mal-estar, irritabilidade, inquietação, distúrbios do apetite e do sono, além da intensificação do comportamento do apego (protesto, desespero e indiferença). Comportamentos regressivos se tornam presentes, na forma de perda de funções já adquiridas (enurese, encoprese, sucção dos dedos, etc). A cronificação do quadro leva à passividade, desânimo, sentimentos de impotência, marasmo e agravamento dos sintomas físicos.
O comportamento da criança diante da dor está intimamente relacionado com outras variáveis, além da causalidade física, tamanho e localização das lesões, etc. Trata-se de uma experiência subjetiva, como o é no adulto.
Você sabia...
que estamos na Década contra a Dor e
que existe um Dia Mundial contra a Dor Infantil ?
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