"Você, meu amigo de fé, meu irmão, camarada (...) me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro" são versos de Amigo, música cantada pelo Roberto Carlos. Fala de amizade, companheirismo, afetos cultivados desde a infância e presentes pela vida a fora.
Faço um recorte e destaco: "amigo de fé"!
Será que existem ainda 'amigos de fé' num mundo de tantos incrédulos?
Não me refiro, apenas, à fé religiosa, que irmana as pessoas sob a garantia de que Deus é pai de todos e, portanto, a todos ama igualmente - este é o princípio que garante a coesão de qualquer religião (vã tentativa de se evitarem as brigas, dissensos, guerras: na verdade, nada segura nossa propensão ao egoísmo, à luta pela supremacia, o temor do desprezo e da rejeição.]
A 'fé' - em qualquer coisa - é o suporte simbólico para que suportemos a incompletude inerente ao ser humano. Saber-se incompleto, faltoso, manco e mortal é uma ferida narcísica tão grande que seria insuportável viver se não tivéssemos algum recurso para mitigar nossa dor. Cairíamos no desespero - falta de esperança.
Quando falta este suporte simbólico, então caímos na descrença. Falo de muitas incredulidades: descrença na política, nos políticos, nos ideais de mudança, de mais igualdade, etc. Alguns chamam isso de 'fim das utopias'. Desesperança que enfraquece qualquer desejo de lutar. Se 'cada um tem que se virar', se vivemos numa época do 'salve-se quem puder', se perdemos a crença na fidelidade, na amizade, na honestidade, então não temos mais 'irmãos de fé, irmãos camaradas'...
Será este o mal contemporâneo?
Será possível distinguir suas causas?
O discurso da Psicanálise sobre a função paterna talvez nos dê uma pista.
Os psicanalistas compreendemos o Pai como a instância que garante a Lei. Como isso se dá? Pela castração, termo inventado por Freud para descrever a instituição de limites à onipotência do bebê - e do ser humano, por extensão.
Ao sofrer a 'barra' que impede a realização dos desejos sexuais em direção à mãe, a criança aprende que 'nem tudo é possível'. A função paterna (castração) inaugura a linguagem - uso de símbolos - saída para que não se 'passe ao ato'. Sem a palavra, o que nos resta senão o puro fazer? Sem o simbólico, resta-nos o desespero.
O declínio da função paterna se caracteriza pela ausência de referência, ou seja, a destituição de autoridade, o apagamento de valores e, o pior de tudo, a crença na onipotência.
O que vemos imperar por aí? Desigualdade social, desamparo dos mais pobres, falta de perspectiva na escalada social, privação dos bens oferecidos pelo mercado, maracutaias dos políticos, corrupção generalizada e o império do 'deus mercado'.
Tudo isso leva o homem contemporâneo a descrer de um poder maior com o qual poderia se identificar e ao qual se submeteria. Mundo sem Pai = mundo sem Lei.
A Política, então, deixa de ser um meio para se resolverem conflitos sociais, administrar a coisa pública, aparar diferenças. Não! Política é lugar de ganhos pessoais, mecanismo de se locupletar e obter vantagens corporativas e pessoais.
A descrença impera: quem aí tem paciência para ouvir propaganda eleitoral? Quem quer discutir política?
Alguém aí acredita que as propostas dos candidatos sejam, realmente, para melhorar o país?
Não há mais 'tranferência vertical', ideais a serem cultivados. Resta a 'transferência horizontal', caracterizada pela adaptação mimética aos imperativos da moda e do consumo: "se tenho o que o outro tem, se compro o que o vizinho comprou, se uso o que todos agora usam, então estou bem, estou 'por dentro', serei aceito".
As tribos se aglutinam, então, pela adesão maciça a um determinado tipo de música, pela adoção comum de objetos de consumo, pela freqüência a um restaurante especial, etc. Tudo numa ilusão de que, com isso, se estará 'completo', 'realizado', 'inteiro'.
A falta? Ora, nada me faltará se tiver dinheiro para comprar tudo que me é oferecido. Mesmo sem dinheiro, há o cartão de crédito...
Não existem mais impeditivos éticos à consecução daquilo que se almeja: rouba-se, corrompe-se, guerreia-se para que se tenha mais e mais. Quem tem, é. Quem não tem, não existe!
Assim com se fala do fim das utopias, podemos falar do fim das fantasias:
Não há mais o que fantasiar: o Mercado nos oferece tudo e a Ciência tudo promete: corpo perfeito e sarado (há quem acredite em juventude eterna); iPod capaz de armazenar 15 mil músicas (que nunca escutarei); um automóvel que faz 300km por hora (mesmo que as estradas sejam esburacadas e as placas proíbam velocidade acima de 80km)...
O importante é gozar, não importa como: pode ser pelas drogas, pela violência, pelo excesso.
A morte? Ora, a morte! Como dizem alguns jovens ('meninos do tráfico') marginais ou marginalizados: "Se eu morrer, que é que tem? A vida não vale a pena!"
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Por falar em pai, tenho orgulho de recomendar o Ontem e Hoje do meu pai, Soié. Tem post novo: Aprendi com meu pai.
Faço um recorte e destaco: "amigo de fé"!
Será que existem ainda 'amigos de fé' num mundo de tantos incrédulos?
Não me refiro, apenas, à fé religiosa, que irmana as pessoas sob a garantia de que Deus é pai de todos e, portanto, a todos ama igualmente - este é o princípio que garante a coesão de qualquer religião (vã tentativa de se evitarem as brigas, dissensos, guerras: na verdade, nada segura nossa propensão ao egoísmo, à luta pela supremacia, o temor do desprezo e da rejeição.]
A 'fé' - em qualquer coisa - é o suporte simbólico para que suportemos a incompletude inerente ao ser humano. Saber-se incompleto, faltoso, manco e mortal é uma ferida narcísica tão grande que seria insuportável viver se não tivéssemos algum recurso para mitigar nossa dor. Cairíamos no desespero - falta de esperança.
Quando falta este suporte simbólico, então caímos na descrença. Falo de muitas incredulidades: descrença na política, nos políticos, nos ideais de mudança, de mais igualdade, etc. Alguns chamam isso de 'fim das utopias'. Desesperança que enfraquece qualquer desejo de lutar. Se 'cada um tem que se virar', se vivemos numa época do 'salve-se quem puder', se perdemos a crença na fidelidade, na amizade, na honestidade, então não temos mais 'irmãos de fé, irmãos camaradas'...
Será este o mal contemporâneo?
Será possível distinguir suas causas?
O discurso da Psicanálise sobre a função paterna talvez nos dê uma pista.
Os psicanalistas compreendemos o Pai como a instância que garante a Lei. Como isso se dá? Pela castração, termo inventado por Freud para descrever a instituição de limites à onipotência do bebê - e do ser humano, por extensão.
Ao sofrer a 'barra' que impede a realização dos desejos sexuais em direção à mãe, a criança aprende que 'nem tudo é possível'. A função paterna (castração) inaugura a linguagem - uso de símbolos - saída para que não se 'passe ao ato'. Sem a palavra, o que nos resta senão o puro fazer? Sem o simbólico, resta-nos o desespero.
O declínio da função paterna se caracteriza pela ausência de referência, ou seja, a destituição de autoridade, o apagamento de valores e, o pior de tudo, a crença na onipotência.
O que vemos imperar por aí? Desigualdade social, desamparo dos mais pobres, falta de perspectiva na escalada social, privação dos bens oferecidos pelo mercado, maracutaias dos políticos, corrupção generalizada e o império do 'deus mercado'.
Tudo isso leva o homem contemporâneo a descrer de um poder maior com o qual poderia se identificar e ao qual se submeteria. Mundo sem Pai = mundo sem Lei.
A Política, então, deixa de ser um meio para se resolverem conflitos sociais, administrar a coisa pública, aparar diferenças. Não! Política é lugar de ganhos pessoais, mecanismo de se locupletar e obter vantagens corporativas e pessoais.
A descrença impera: quem aí tem paciência para ouvir propaganda eleitoral? Quem quer discutir política?
Alguém aí acredita que as propostas dos candidatos sejam, realmente, para melhorar o país?
Não há mais 'tranferência vertical', ideais a serem cultivados. Resta a 'transferência horizontal', caracterizada pela adaptação mimética aos imperativos da moda e do consumo: "se tenho o que o outro tem, se compro o que o vizinho comprou, se uso o que todos agora usam, então estou bem, estou 'por dentro', serei aceito".
As tribos se aglutinam, então, pela adesão maciça a um determinado tipo de música, pela adoção comum de objetos de consumo, pela freqüência a um restaurante especial, etc. Tudo numa ilusão de que, com isso, se estará 'completo', 'realizado', 'inteiro'.
A falta? Ora, nada me faltará se tiver dinheiro para comprar tudo que me é oferecido. Mesmo sem dinheiro, há o cartão de crédito...
Não existem mais impeditivos éticos à consecução daquilo que se almeja: rouba-se, corrompe-se, guerreia-se para que se tenha mais e mais. Quem tem, é. Quem não tem, não existe!
Assim com se fala do fim das utopias, podemos falar do fim das fantasias:
Não há mais o que fantasiar: o Mercado nos oferece tudo e a Ciência tudo promete: corpo perfeito e sarado (há quem acredite em juventude eterna); iPod capaz de armazenar 15 mil músicas (que nunca escutarei); um automóvel que faz 300km por hora (mesmo que as estradas sejam esburacadas e as placas proíbam velocidade acima de 80km)...
O importante é gozar, não importa como: pode ser pelas drogas, pela violência, pelo excesso.
A morte? Ora, a morte! Como dizem alguns jovens ('meninos do tráfico') marginais ou marginalizados: "Se eu morrer, que é que tem? A vida não vale a pena!"
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Por falar em pai, tenho orgulho de recomendar o Ontem e Hoje do meu pai, Soié. Tem post novo: Aprendi com meu pai.
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