26 janeiro, 2007

De que somos feitos?

Antecipando um pouco a Postagem Coletiva a favor da Paz e contra a violência, convido a todos a aderirem à iniciativa do Lino Resende.
A blogagem está marcada para dia 30 de janeiro. Mais informações com o Lino.

De que somos feitos? Perguntei-me, hoje pela manhã, ao presenciar um jovenzinho em seu carrinho fazendo gestos obscenos para o motorista de um ônibus que, supostamente, lhe dera uma fechada.


As associações vieram:

Foi Shakespeare quem assim definiu a essência do ser humano: "Somos feitos da matéria dos sonhos, nossa vida pequenina é cercada pelo sono."

Freud, é demais sabido, atribuiu importância fundamental aos sonhos, a ponto de considerá-los a 'via real' para o conhecimento do inconsciente. Pretendeu criar um método para sua interpretação e para a compreensão das angústias que afligem o Homem. Se não sonhássemos, os conteúdos insuportáveis dos sonhos se refletiriam nos reguladores neurovegetativos (respiração, transpiração, ritmo cardíaco, pressão arterial...) e não dormiríamos em paz: "os sonhos são o guardião do sono", disse. Quando acordamos sobressaltados, o coração aos pulos e a respiração ofegante, constatamos um pesadelo "terrível".

Comumente, chamamos de pesadelo os sonhos em que somos vítimas de ataques, intempéries, vicissitudes de toda ordem: alguém morreu, um ladrão nos persegue, um criminoso nos ameaça ou um animal nos ataca. Nem sempre somos vítimas: há sonhos em que nós mesmos fazemos algo proibido, experimentamos desejos inconfessáveis, cometemos violências e praticamos atos reprováveis. Freud explica: "os sonhos são a realização dos desejos reprimidos".


Descobrimos, pelos sonhos, que não somos feitos apenas de bons sentimentos (solidariedade, amor, compreensão, etc) mas também – e principalmente – de impulsos agressivos. "Qualquer um sabe, por experiência própria, que o mau gênio, o egoísmo, a baixeza, a voracidade, os ciúmes e a hostilidade são sentidos e expressos pelos outros diariamente, embora não vislumbre tão claramente sua existência dentro de si". (Joan Rivière).

O noticiário da manhã já nos oferece um cardápio suculento: bombas no Iraque, tiroteio no Rio, assaltos nas rodovias, assassinatos no bairro vizinho, guerras, falcatruas, terrorismo... Ao meio dia, a TV tinge de sangue o prato do dia. À noite, não dormimos sem escutar e ver mais e mais do mesmo. Às vezes dá vontade de acreditar que "o inferno são os outros", como dizia Sartre e poetizaram os Titãs:

O Inferno São Os Outros
Não quero rotina, nem disciplina,
Não tenho hora, pra ir embora
Não vou pro trabalho, não ganho dinheiro
Não ando na moda, não olho no espelho

Não tenho endereço, casa, nome e sobrenome
Não tenho documento, carro, conta e telefone
Se todo mundo acha, que estou errado, eu acho que não
Se todo mundo acha, que estou louco, eu acho que não

O problema não é meu
O paraíso é para todos
O problema não sou eu
O inferno são os outros, o inferno são os outros

Não tenho amigo, nem inimigo
Não me engano mais
Ninguém vive em paz
Não uso relógio
Não escondo a idade
Não ouço conselho
E nem falo a verdade

Projetamos no mundo externo, no outro, todo o mal. O mecanismo de projeção é, realmente, uma medida de segurança contra a dor, os ataques, o desamparo. O mal está lá fora e, quando temos sentimentos ruins, estes são causados pelos outros: "a culpa não é minha, foi ele quem me atacou".

As guerras assim se justificam: defesa do país, do território. O 'outro' é o agressor. Os noticiários oficiais denominam de 'insurgentes e rebeldes' aqueles que lutam contra o invasor – não é o que dizem os telejornais em relação aos iraquianos que lançam bombas contra os americanos?

Ora, se projetamos no outro todo o mal que nos aflige, o passo seguinte é justificar nosso ataque, nossa agressividade, nosso ódio. Se alguém me ofende, me desagrada, fala mal de mim, "ficamos de mal", não o convidamos para festas e dizemos: -"Fulano morreu para mim". Matamos! Ufa!

Somos feitos de amor e ódio, fome e amor, desejos egoísticos e desejos de harmonia e paz. O difícil – impossível – é controlar tudo isso...


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