09 janeiro, 2005

Do Sahara ao Oiapoque ou De como um Tuareg foi parar no Camelódromo

Caminhar pelo centro de Belo Horizonte, há algum tempo, era um exercício de malabarismo contorcionista, a driblar o enxame de camelôs que zumbiam ao redor de um milhão de barracas improvisadas.
[Camelô: - comerciante de artigos diversos, geralmente miudezas e bugigangas, que se instala provisoriamente em ruas ou calçadas, muitas vezes sem permissão legal, e costuma anunciar em voz alta sua mercadoria.]
Sempre imaginei que a origem da palavra "camelô" tivesse a ver com mercadores árabes, montados em camelos, a circular de oásis em oásis naquele areal do Sahara! Fantasiava aventuras das arábias, sob tempestades de areia! Já entreguei alfaias de seda para odaliscas que me recebiam com dança-do-ventre e me ofereciam tâmaras e favos de mel (isso existe?). Comercializei pedras preciosas -falsas, é lógico- para califas vaidosos... Virei tuareg!
Acordei: fui lá no
Houaiss: camelô é uma palavra criada aqui mesmo, ao sul do Equador, publicada pela primeira vez na Revista Careta, que circulou no Rio de Janeiro a partir do remoto ano de 1908. Embora a diferença entre camelo e camelô seja apenas um chapeuzinho circunflexo, a associação mais razoável seria com a palavra "mascate". Este foi o apelido dado aos comerciantes portugueses de Recife-PE pelos brasileiros de Olinda-PE. Aí entram na história os "mercadores árabes": Mascate era o nome de uma cidade da Arábia, de onde vieram alguns para o nordeste brasileiro.
As palavras nos fazem viajar!
Pressionada pela população expulsa das calçadas e pelos lojistas estabelecidos que pagam impostos estratosféricos, a Prefeitura de Belo Horizonte resolveu criar alguns "
shopppings populares", verdadeiros camelódromos. [Mais uma inspiração para meus sonhos das mil-e-uma-noites: se hipódromo é pista de cavalos, camelódromo seria pista de camelos, lógico!]
Alguns acham que foi uma decisão salomônica: agradou aos comerciantes e permitiu que os ambulantes mantivessem seu comércio de bugigangas, quinquilharias, produtos falsificados e, por incrível que pareça, sabidamente contrabandeados.
"A situação econômica não tá prá peixe, o desemprego cresce, a informalidade sustenta milhares de famílias", dizem.
O primeiro camelódromo oficial de Belo Horizonte é o Shopping Oiapoque, apelidado carinhosamente de
Shopping Oi. [abreviatura de Oiapoque].
A classe média empobrecida aderiu. Os abonados, idem. Um pouco envergonhados, alguns compram bolsas
Luis Vuitton e Victor Hugo, absolutamente falsas, "mas iguaizinhas às originais". O preço? "Deste tamaninho..." Já ouvi dizer de pessoas que vêm de longe, até mesmo de Nova York, com encomendas dessas peças, tão charmosas quanto falsas: "- O fake é chic", justificam!
No lugar de árabes de turbante e camelos esbeltos, os coreanos já tomam conta do pedaço. Em muitas lojas, denominadas "box" (= caixa), os vendedores são de origem asiática e alguns ainda nem falam o português.
Os preços variam de acordo com a aparência do comprador. Assim, a gente se fantasia de mais humilde: os homens vão com barba por fazer, bermudas, chinelos.... As madames tentam disfarçar o poder aquisitivo com roupas simples (o básico:
t-shirts e jeans). Mas não dá prá enganar...
Há de tudo: aparelhos de som, DVDs, máquinas digitais, roupas, jaquetas, ferramentas e, principalmente, bugigangas (que o sabe-tudo do Houaiss define como:
objetos de pouco ou nenhum valor ou utilidade; quinquilharias).
Pesquisei preços de câmeras digitais (não são falsas!) na Loja do Feio e constatei: realmente podem sair mais em conta. Aceita-se cartão bancário ou de crédito, etc... Nota fiscal e garantia?
No fio do bigode, amigo. Quem é antigo no meio bancário, conhece essa expressão, “no fio do bigode”. Ela expressa segurança, compromisso e garantia. Advém dos negócios fechados sem nada por escrito, só na palavra! Ah! bom!.
Se a fome apertar, vale uma visitinha ao
Café com Prosa, onde se devoram pão-de-queijo e pão-com-linguiça, acompanhados de cerveja, pinga, refri, sucos e... café, of course.
perigos e armadilhas.Mas para quem se imaginava tuareg atravessando o Sahara ou lutando na "Guerra dos Mascates", isso não é nada!
(Ah! se você viajou mais ainda e experimentou a receita de pão-de-queijo, no link ali atrás, então já tem o passaporte para a mineiridade. Me conte ou me mande uma dúzia. Quentinhos!)

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