No bojo dessa banalização, relativiza-se o juízo moral sobre atos considerados contrários à dignidade humana, dando ensejo à perpetuação de práticas abusivas, especialmente contra mulheres e crianças. Citemos a declaração do malfadado Severino Calvacanti, ao classificar o estupro como “acidente”. Outro exemplo: a “espetaculização” do julgamento por pedofilia do artista Michael Jackson, que já está transformando as vítimas em cúmplices – como se crianças tivessem o discernimento de adultos.
A discussão sobre o abuso sexual de crianças já ocupa boa parte do noticiário. Embora os adjetivos condenatórios sejam abundantes, parece que essa violência ainda necessita de mais e mais mecanismos de coerção e punição (que cabem ao campo policial e jurídico).
No campo “psi” (psicologia, psicanálise, psiquiatria, assistência social, pedagogia, etc.), há necessidade de se enfatizarem as conseqüências pós-traumáticas que acometem as vítimas.
A Psiquiatria contempla um capítulo dos Transtornos Ansiosos ao TEPT-Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Em sua definição, estipulou-se que o agente etiológico deste estresse (sua causa) está fora do indivíduo e não é uma fraqueza da vítima.
O Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais – citado no meio médico como DSM-IV – conceitua o evento traumático como “estressor catastrófico fora do alcance da experiência habitual humana”:
- Guerra;
- Tortura;
- Estupro;
- Holocausto nazista;
- Bombardeio atômico (p.ex.: Hiroshima e Nagazaki);
- Catástrofes naturais (terremoto, inundações, tsunami);
- Catástrofes provocadas pelos homens (explosões em indústrias, acidentes aéreos, automobilísticos, etc.).
Esses estressores são diferenciados, pelo visto, dos eventos dolorosos que constituem as vicissitudes normais do viver humano: doenças, reveses financeiros, morte de entes queridos, divórcio, rejeição, etc. Para estes casos, reserva outro capítulo: Transtorno de Ajustamento.
Se nos homens predominam as experiências vividas em situações de combate (tiroteios, guerras, testemunhos de ferimentos ou mortes de companheiros), nas mulheres e crianças são mais freqüentes as situações de estupro, molestamento sexual e abuso físico na infância.
A palavra violência deriva do latim, a partir do prefixo vis- que significa força.
No caso do abuso sexual, entende-se que se trata de uma “situação em que um indivíduo é usado para a gratificação sexual de uma outra pessoa, BASEADO NUMA RELAÇÃO DE PODER. Pode incluir manipulação de genitália, das mamas ou orifício anal, exploração sexual, voyerismo, pornografia, exibicionismo e o ato sexual com penetração ou não, COM OU SEM VIOLÊNCIA”.
O abuso está no recurso à força, seja física ou moral (autoridade parental, autoridade moral – caso de professores e de ídolos – artistas, por exemplo). Quase sempre há a violência psicológica, pois ocorrem ameaças à vítima.
Sintomas:
Cabe aos pais e educadores prestarem atenção às mudanças comportamentais que acometem crianças e adolescentes, vítimas do abuso:
- Ansiedade;
- Falta de concentração;
- Reações extremas dicotômicas – comportamentos contraditórios;
- Irritabilidade;
- Lapsus de memória;
- Alterações repentinas de humor;
- Alterações do apetite;
- Evolução para desajuste de personalidade, com dificultação no convívio social;
- Facilidade para envolver-se em situações de risco: desvalorização da própria vida;
- Desconfiança generalizada em relação ao outro.
Além de tudo isso, já se comprovaram danos cerebrais em vítimas precoces do abuso sexual e da violência física: áreas cerebrais importantes como a córtex, o sistema límbico e o controle glandular são afetados. O sistema límbico, entre outras funções, é responsável pelo processamento dos conteúdos emocionais da memória que influenciam o desenvolvimento por toda a vida.
Dentre as manifestações reativas de maior importância, duas se destacam:
- Reações centradas no medo;
- Reações centradas em sentimentos de culpa, vergonha, tristeza e identidade do eu.
Tudo leva a vítima a prejuízo da auto-estima, alterações na percepção do próprio self (imagem de si), fragmentação da sensação de segurança interior, ruminações sobre o evento traumático(“como falhei em tentar impedir?”), sentimentos de desesperança e desamparo.
Alguns se referem à morte da autoconfiança e da auto-estima!
- Essas reflexões foram elaboradas como apontamentos para uma entrevista que darei, hoje (03.JUN.05-SEXTA) ao Canal 23 – TV a cabo – às 21 horas. Será um debate coordenado pelo deputado Lincoln Portela. Anima-me o sentido de prestação de um serviço de utilidade pública.
- Consultei o artigo do dr. Amadeu Roselli Cruz & cols. (BH) no Jornal Brasileiro de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais (2004), editado pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS OFENSAS SEXUAIS - ABTOS, sediada aqui em Belo Horizonte, à rua Laplace, 18 - cep 30360-390 - Telefone: (31) 3342-1064.
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