24 setembro, 2005

TIRO PELA CULATRA?

No Caderno "Pensar" do Jornal Estado de Minas, de ontem (sábado), o psicanalista Carlos Perktold faz uma ligeira análise das conquistas e "fracassos" da revolução feminista, a partir da II Guerra Mundial. Inicia seu artigo situando, historicamente, as transformações do papel da mulher na sociedade industrial-ocidental:

O movimento feminista começou no mundo ocidental quando os homens americanos foram convocados para a II Guerra Mundial e suas mulheres assumiram os postos deles nas fábricas e grandes corporações, cumprindo as tarefas com o mesmo talento. Terminado o conflito mundial, elas se recusaram a desocupar o lugar profissional e retornar às tarefas domésticas. Quinze anos depois, com as muitas mudanças, entre elas o advento dos anticoncepcionais e o aumento da produção dos automóveis, abriu-se o mercado para os motéis. As feministas ocidentais aproveitaram esses novos fatores, jogaram gasolina na fogueira ideológica que se apagava, incendiaram seus sutiãs e fizeram uma vitoriosa revolução que ratificou o profissionalismo delas e consolidou novos costumes sexuais.

Alguns parágrafos adiante, Carlos Perktold afirma que a liberação sexual da mulher acabou favorecendo aos homens e se tornou um estorvo para as próprias mulheres:

O tempo comprovou que esses troféus feministas trouxeram um indesejado efeito colateral revolucionário, porque beneficiou mais os homens, na medida em que a disponibilidade sexual delas aumentou. A traição masculina, dolorosa para a mulher, sempre foi suportada e com freqüência perdoada, assertiva ainda provocadora de ódio entre elas.

O autor salienta que as mulheres conseguiram, sim, ocupar o mercado de trabalho antes reservado aos homens, mas tiveram que acumular as novas tarefas com as antigas: cuidar dos filhos, relatar os sintomas aos pediatras, gerenciar a casa, etc. Com isso, estariam sobrecarregadas:

Mas o tempo está comprovando que o tiro do devastador canhão revolucionário das feministas dos anos 60 do século passado está saindo pela culatra social e as conseqüências são pagas por seus filhos. O primeiro pagamento está na ilusão de que as mulheres tenham realmente abandonado o primitivo lugar. Percebe-se que as novas e as velhas trincheiras - freqüentar supermercados, padarias, dar conta da casa, prestar informações ao pediatra das crianças e, à noite, serem boas de cama - ficaram acumuladas.

Diz, ainda, que as atuais filhas da revolução feminista, as moças que hoje têm entre 25 e 30 anos estão tendo dificuldades para encontrar rapazes que se disponham a ser parceiros mais dedicados e comprometidos, pois os jovens do sexo masculino têm muitas fêmeas à sua disposição e não querem se envolver mais profundamente. Criou-se uma horda de "ficantes" os quais, ao final da noite, voltam para a casa do papai e da mamãe, onde têm comida e cama de graça, conforto total, TV e DVD, etc... São os "eternos adolescentes", com dificuldade para assumirem as responsabilidades da vida adulta, com autonomia financeira e emocional. (Evidentemente que se trata de uma generalização, mas não deixa de ser
verdadeira, em parte, essa descrição tão irônica.)

As revolucionárias jamais previram que seus filhos homens achariam ótimo o que vivem, que não abandonariam tanto prazer e facilidade disponíveis e que se beneficiariam das suas conquistas mais que as mulheres. E nem imaginaram que essas conquistas provocariam pânico e ameaça neles quando suas filhas desejassem um relacionamento responsável e duradouro. Despreparada emocionalmente, a rapaziada não arrisca qualquer união estável, porque, no eterno machismo latino-americano, tem medo do comportamento libertário delas. Eles fantasiam que três ou quatro encontros seguidos possam ser interpretados como uma promessa de casamento e a conseqüente perda do privilégio de ter uma nova presa diária, daí as inexplicadas ausências a encontros marcados e a rapidez fugaz dos namoros atuais. As revolucionárias, ao facilitar a própria vida sexual, criaram inimagináveis vantagens para a vida de solteiro deles e nenhuma desvantagem. Então, responsabilidade pra quê?

Na minha clínica, tenho atendido muitos jovens adultos - adultescentes - que demonstram enorme angústia diante da tarefa de crescer. Tremem diante do desafio de encontrar parceiros(as) que correspondam ao idealizado, pois a perfeição vendida pelo marketing onipresente das propagandas, programas de TV, festas e baladas não se concretiza no dia-a-dia do relacionamento. Ainda sonham com o amor romântico, mas têm medo/vergonha de - ou não sabem como - falar dos próprios sentimentos e são incapazes de momentos de silêncio interior para escutarem o que o outro lhes tem a dizer.

Há uma crise. Será que, de acordo com Carlos Perktold, "o tiro do devastador canhão revolucionário das feministas dos anos 60 do século passado está saindo pela culatra social e as conseqüências são pagas por seus filhos"?

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