O filósofo grego, Platão, em seu diálogo chamado Fedro, descreve a analogia socrática entre a ciência médica e a retórica: ambas se ocupam da natureza: a do corpo e a da alma.
Sócrates afirmava que, enquanto a ciência médica administraria ao corpo medicamentos e alimentos - promovendo desta forma a saúde e a força - a dialética, visando a alma, proporcionaria idéias e ocupações justas que conduzem à convicção e à virtude.
O conhecimento médico entre os gregos da época era pautado pela noção hipocrática de phísis: aquilo que é o que é por natureza, independente da decisão ou vontade racionais dos seres humanos.
Sócrates afirmava que, enquanto a ciência médica administraria ao corpo medicamentos e alimentos - promovendo desta forma a saúde e a força - a dialética, visando a alma, proporcionaria idéias e ocupações justas que conduzem à convicção e à virtude.
O conhecimento médico entre os gregos da época era pautado pela noção hipocrática de phísis: aquilo que é o que é por natureza, independente da decisão ou vontade racionais dos seres humanos.
Eis o fragmento do texto de Platão:
Sócrates - A ciência médica tem, de certo modo, o mesmo caráter da retórica.
Fedro - Como assim?
Sócrates - Em ambas é preciso analisar uma natureza: a do corpo em uma, a da alma na outra, se se quer recorrer não somente a uma rotina e a uma prática, mas a uma técnica, para ministrar ao corpo remédios e alimentos e produzir assim, nele, a saúde e a força; e para a alma, idéias e ocupações justas para lhe transmitir a convicção e a virtude que são desejáveis.
Fedro - Como assim?
Sócrates - Em ambas é preciso analisar uma natureza: a do corpo em uma, a da alma na outra, se se quer recorrer não somente a uma rotina e a uma prática, mas a uma técnica, para ministrar ao corpo remédios e alimentos e produzir assim, nele, a saúde e a força; e para a alma, idéias e ocupações justas para lhe transmitir a convicção e a virtude que são desejáveis.
De acordo com a concepção de Hipócrates, retomada por Platão, a saúde estaria no equilíbrio entre as virtudes éticas da alma e as "virtudes" do corpo: uma, espelho da outra. A simetria das partes e das forças naturais configuraria a saúde. Daí o aforismo: mens sana in corpore sano (mente sã em corpo saudável).
Se o uso de medicamentos – embora primitivos, empíricos – já era prática, é preciso distinguir as várias concepções do phármacon, de acordo com Jorge Saurí (Temor de la Terapéutica, Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, V. I, no. 1, São Paulo, 1998):
- Droga - pode ser remédio e/ou veneno, dependendo da singularidade de cada pessoa, da indicação, da quantidade e da época da doença.
- Tintura - pode fazer algo parecer outra coisa. São as drogas que tratam apenas o sintoma, sem atingir as causas. Por exemplo: antitérmico que pode baixar a febre, mas que não combate a infecção que está desencadeando essa febre.
- Escritura - favorece a recordação e incita o esquecimento: pela confiança no que já está escrito. O apego à tradição promove a inflexibilidade na aplicação dos medicamentos e a utilização de ritos mágicos ou supersticiosos. As proibições de combinar certos alimentos (manga com leite, por exemplo) se enquadram neste tópico.
- Objeto Numinoso - remete ao mágico, numa função expiatória. A Medicina hipocrática situa, aqui, a expectativa mágica de cura que fica investida, pelo doente, na figura do doutor que dele cuida. Há uma “sacralização” da figura do profissional, conforme descreve Hipócrates: As coisas que são sagradas devem ser reveladas aos homens sagrados; aos profanos, elas não são permitidas enquanto eles não sejam iniciados nos mistérios da ciência.
Infelizmente, com as promessas da indústria farmacêutica, os pacientes já chegam ao médico demandando um tipo específico de medicação, uma solução mágica para seus problemas.
Isso é muito mais evidente em meu consultório, ao qual algumas pessoas acorrem na expectativa única de que posso fornecer a felicidade plena ministrando um comprimido de Prozac ou de Lexotan! Não querem falar de si, não querem voltar-se para a própria história, têm medo de perscrutar seu inconsciente. Muitos recusam uma psicoterapia, dizendo:
- E se eu descobrir que não faço nada do que quero e vivo sem paixão?
Ao que respondo:
- E alguém lhe diz o contrário?
Preferem a tintura: algo que mascare seu sofrimento, sem que se busquem as causas, assentadas que estão em sua história e em seus conflitos.
À utopia de se ter felicidade plena, corpo perfeito, integração social sem conflitos atendem os médicos que se julgam deuses (operam apenas como objeto numinoso) e as atuais farmácias, já explicitamente chamadas de drugstores, onde tudo se vende: remédios, doces, alimentos dietéticos, presentes, picolés, sorvetes, refrigerantes, shampoos, comida pra cachorro, telefone celular, carvão para churrasco, jornais, etc.
É o que se chama loja de conveniência.
Conveniência do mercado dos ideais hedonistas da cultura, cujo marketing se baseia em promessas vãs (exatamente aquelas em que todos querem acreditar!).
Já o doente...
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Atualização:Resposta ao comentário da Erika:
O tratamento dos transtornos psiquiátricos evoluiu muito e podemos creditar ao uso de psicofármacos grande parte deste avanço.
Nos idos de 1950, descobriram-se as fenotiazinas (amplictil, neozine, melleril, etc) e as butirofenas (haldol, triperidol, etc); também os ansiolíticos (diazepan e assemelhados). Isso possibilitou incomensurável alívio aos portadores de doenças mentais e que evitou o absurdo número de internações psiquiátricas (quem nunca ouviu falar dos terríveis "hospícios", destino inexorável dos "loucos de toda espécie"?) iniciando-se o processo de desospitalização.
Com o advento dos antidepressivos (anafranil, tryptanol, tofranil - os tricíclicos) na década de 60 e dos mais modernos (fluoxetina, citalopram, sertralina, etc), muitos dos que padeciam de depressões se viram livres do sofrimento sem fim.
Por isso, não se pode descartar o arsenal terapêutico disponível, cada vez com menos efeitos colaterais.
Por outro lado, é necessário que se tenha uma visão abrangente do ser humano. Se temos um cérebro com sua complexíssima estrutura e quase misterioso funcionamento, é claro que a neurofisiopatologia se tornou uma ciência respeitável. Há e haverá, ainda, muitos avanços. Assim como abusos, infelizmente. Mas não somos, apenas, neurônios.
Afinal, somos seres-de-linguagem, essencialmente angustiados pelo conhecimento da morte e em constante conflito interpessoal, moral, etc.
Há que ser artista todo aquele que se dedica à Psiquiatria. Eis o meu desafio cotidiano...
_____________________
[ Republicado a propósito do "Dia do Farmacêutico", transcorrido dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da gloriosa cidade fundada às margens da Baía da Guanabara.
Motivou-me a notícia de que as grandes redes de drogarias/farmácias estão abrindo verdadeiros "shoppings" para venda de remédios, produtos de beleza e "secos e molhados" em geral!
Em BH, já existem "megastores" de medicamentos... ]
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Atualização:Resposta ao comentário da Erika:
O tratamento dos transtornos psiquiátricos evoluiu muito e podemos creditar ao uso de psicofármacos grande parte deste avanço.
Nos idos de 1950, descobriram-se as fenotiazinas (amplictil, neozine, melleril, etc) e as butirofenas (haldol, triperidol, etc); também os ansiolíticos (diazepan e assemelhados). Isso possibilitou incomensurável alívio aos portadores de doenças mentais e que evitou o absurdo número de internações psiquiátricas (quem nunca ouviu falar dos terríveis "hospícios", destino inexorável dos "loucos de toda espécie"?) iniciando-se o processo de desospitalização.
Com o advento dos antidepressivos (anafranil, tryptanol, tofranil - os tricíclicos) na década de 60 e dos mais modernos (fluoxetina, citalopram, sertralina, etc), muitos dos que padeciam de depressões se viram livres do sofrimento sem fim.
Por isso, não se pode descartar o arsenal terapêutico disponível, cada vez com menos efeitos colaterais.
Por outro lado, é necessário que se tenha uma visão abrangente do ser humano. Se temos um cérebro com sua complexíssima estrutura e quase misterioso funcionamento, é claro que a neurofisiopatologia se tornou uma ciência respeitável. Há e haverá, ainda, muitos avanços. Assim como abusos, infelizmente. Mas não somos, apenas, neurônios.
Afinal, somos seres-de-linguagem, essencialmente angustiados pelo conhecimento da morte e em constante conflito interpessoal, moral, etc.
Há que ser artista todo aquele que se dedica à Psiquiatria. Eis o meu desafio cotidiano...
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[ Republicado a propósito do "Dia do Farmacêutico", transcorrido dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da gloriosa cidade fundada às margens da Baía da Guanabara.
Motivou-me a notícia de que as grandes redes de drogarias/farmácias estão abrindo verdadeiros "shoppings" para venda de remédios, produtos de beleza e "secos e molhados" em geral!
Em BH, já existem "megastores" de medicamentos... ]
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