Pequena Homenagem a Bashô
(Fernando Guimarães, do Porto)
Bashô - Prefiro olhar esta árvore a olhar o templo que fica no vale. Prefiro olhar esta folha a olhar a árvore. E, depois, esta gota de água à folha onde está pousada. Agora pergunto-te: serás capaz de escrever um poema acerca desta gota?
Jovem Poeta - Julgo que sim. Por isso terei que falar da folha, da árvore e do templo.
Bashô - Será preciso? Então, por que não falar também do vale onde se encontra o templo? Nesse vale corre um rio.
Jovem Poeta - E referir-me-ei a esse rio...
Bashô - Talvez seja melhor falares nos seus peixes. São prateados porque é deste modo que neles aparece a sombra. E a sombra desce porque está a anoitecer.
Jovem Poeta - A noite é semelhante às escamas do peixe. Há nelas também um pouco de luz. Os teus ensinamentos ajudam-me tanto... Julgo progredir pouco a pouco, mas seguramente.
Bashô - As escamas... Estás a pensar agora numa folha?
Jovem Poeta - Sim. As gotas de água aparecem nessa folha como se escamas fossem.
Bashô - Mas ainda não disseste o que é preciso dizer acerca da luz e da noite. E de outras coisas. O vulto de alguém que, antes de principiar a madrugada, se encaminha para pescar nesse rio e leva consigo uma lanterna para atrair os peixes. A mulher que, em casa, lhe prepara a primeira refeição. O ruído um pouco abafado das chaleiras. O modo como um e outro se despediram...
Jovem Poeta - Queres com isso dizer que no poema muitas coisas devem ficar devidamente expressas, que ele deve referir-se a tudo?
Bashô - Não é bem isso. O que quero dizer é o contrário. Nele, tudo pode ser dito, desde que se fale apenas de uma gota d'água.
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(Fernando Guimarães, in "Limites para uma Árvore" - Poesia Afrontamento 2000)
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