Entre as tribos do norte de Natal, na África do Sul, a saudação mais comum, equivalente ao nosso popular "olá!", é a expressão:
- Sawu bona. Literalmente, significa: -Te vejo.
Um membro da tribo poderia responder:
-Sikhona! (Eu estou aqui!).
O importante é o simbolismo desta troca de cumprimento:
- Até você me ver, eu não existo.
Ou seja: ao me ver, você me faz existir.
Este significado faz parte da cultura ubuntu e, talvez, só faça sentido para aquelas tribos.
Várias são as teorias psicológicas que afirmam a importância do Outro na formação de nossa identidade, de nossa subjetividade.
Nascemos como 'tabula rasa' em termos de linguagem, noção de identidade pessoal e consciência do Eu. Sem o Outro da cultura, sem alguém que nos veja como um semelhante, nada seríamos.
A Psicanálise - principalmente a partir de Jaques Lacan - demonstra que até mesmo o Eu de cada um é uma criação imaginária vinda do Outro, ou seja: é a partir do olhar da mãe (Outro) e dos cuidados de outros seres humanos que nos tornamos igualmente humanos.
Essas reflexões me surgem toda vez que recebo comentários aqui no Pras Cabeças. Há um certo júbilo que interpreto: "ah!, se alguém lê meu post, isso me faz existir no mundo-blog."
Esquisito, não?
Creio que o sistema de comentários, tão próprio dos blogs, é um dos "ganchos" que sustentam essa atividade apaixonante: quem diz algo deseja ser escutado; quem escreve, deseja ser lido. Há um interlocutor imaginário ao qual o post é dedicado.
Mas o puro imaginário, creio, não sustentaria a existência de um blog, você concorda?
Quantos romancistas, cronistas e poetas chegam a explicitar essa necessidade do Outro em seus escritos! Utilizam-se de recursos estilísticos vários. Por exemplo: "o leitor que me acompanha até aqui...".
João Guimarães Rosa já começa seu Grande Sertão: Veredas com um travessão, indicando que, ali, começa a narrativa do Riobaldo. Trata-se de um diálogo entre o narrador e... o leitor! E quem é o interlocutor? Nós, seus leitores, que mergulhamos na leitura e "escutamos" aquela estonteante catarse, principiada com um misteroso vocábulo:
- Nonada.
Há uma cumplicidade fundantamental entre o Autor que publica (publicar = tornar público; dar ao povo) e o suposto leitor. Este "suposto" leitor é uma "realidade" que sustenta o escritor, o poeta, o pintor, o Artista. Realidade imaginária, você sabe, mas com força de Real. Sustenta o blogueiro também, por que não?
Seu comentário, caro leitor, é a prova de que meu imaginário (embora quase sempre inconsciente) tem lá sua realidade: "ah! alguém comentou!"; "oh! quantos comentários!", etc.
Há outros artifícios que sustentam os milhões de blogueiros: verificar o número de page-views, as estatísticas, os termos de procura no Google, etc.
Assim, nos livramos da loucura: só mesmo o psicótico prescindiria de um Outro. Mas, mesmo nesses casos, há a criação de uma realidade delirante, um "outro" que é puro reflexo de si mesmo, tal qual Narciso apaixonado pela própria imagem refletida no lago. Uma cisão (squízein) de si mesmo: esquizofrenia.
Por isso, cada comentário deixado no Pras Cabeças é uma saudação:
- Sawu bona!
E eu sempre respondo:
- Sikhona!
- Sawu bona. Literalmente, significa: -Te vejo.
Um membro da tribo poderia responder:
-Sikhona! (Eu estou aqui!).
O importante é o simbolismo desta troca de cumprimento:
- Até você me ver, eu não existo.
Ou seja: ao me ver, você me faz existir.
Este significado faz parte da cultura ubuntu e, talvez, só faça sentido para aquelas tribos.
Várias são as teorias psicológicas que afirmam a importância do Outro na formação de nossa identidade, de nossa subjetividade.
Nascemos como 'tabula rasa' em termos de linguagem, noção de identidade pessoal e consciência do Eu. Sem o Outro da cultura, sem alguém que nos veja como um semelhante, nada seríamos.
A Psicanálise - principalmente a partir de Jaques Lacan - demonstra que até mesmo o Eu de cada um é uma criação imaginária vinda do Outro, ou seja: é a partir do olhar da mãe (Outro) e dos cuidados de outros seres humanos que nos tornamos igualmente humanos.
Essas reflexões me surgem toda vez que recebo comentários aqui no Pras Cabeças. Há um certo júbilo que interpreto: "ah!, se alguém lê meu post, isso me faz existir no mundo-blog."
Esquisito, não?
Creio que o sistema de comentários, tão próprio dos blogs, é um dos "ganchos" que sustentam essa atividade apaixonante: quem diz algo deseja ser escutado; quem escreve, deseja ser lido. Há um interlocutor imaginário ao qual o post é dedicado.
Mas o puro imaginário, creio, não sustentaria a existência de um blog, você concorda?
Quantos romancistas, cronistas e poetas chegam a explicitar essa necessidade do Outro em seus escritos! Utilizam-se de recursos estilísticos vários. Por exemplo: "o leitor que me acompanha até aqui...".
João Guimarães Rosa já começa seu Grande Sertão: Veredas com um travessão, indicando que, ali, começa a narrativa do Riobaldo. Trata-se de um diálogo entre o narrador e... o leitor! E quem é o interlocutor? Nós, seus leitores, que mergulhamos na leitura e "escutamos" aquela estonteante catarse, principiada com um misteroso vocábulo:
- Nonada.
Há uma cumplicidade fundantamental entre o Autor que publica (publicar = tornar público; dar ao povo) e o suposto leitor. Este "suposto" leitor é uma "realidade" que sustenta o escritor, o poeta, o pintor, o Artista. Realidade imaginária, você sabe, mas com força de Real. Sustenta o blogueiro também, por que não?
Seu comentário, caro leitor, é a prova de que meu imaginário (embora quase sempre inconsciente) tem lá sua realidade: "ah! alguém comentou!"; "oh! quantos comentários!", etc.
Há outros artifícios que sustentam os milhões de blogueiros: verificar o número de page-views, as estatísticas, os termos de procura no Google, etc.
Assim, nos livramos da loucura: só mesmo o psicótico prescindiria de um Outro. Mas, mesmo nesses casos, há a criação de uma realidade delirante, um "outro" que é puro reflexo de si mesmo, tal qual Narciso apaixonado pela própria imagem refletida no lago. Uma cisão (squízein) de si mesmo: esquizofrenia.
Por isso, cada comentário deixado no Pras Cabeças é uma saudação:
- Sawu bona!
E eu sempre respondo:
- Sikhona!
Sawu bona!
ResponderExcluirEstou apaixonada por estas expressões: Sawu bona! Sikhona!
ResponderExcluirTe Vejo! Estou aqui!
Maravilhoso quando tenho a certeza do meu existir através do outro (e vice versa).
Gostei muito do seu modo de relacionar este cumprimento com a Psicanálise.
Estou preparando uma atividade com pessoas da Terceira Idade utilizando esta dinâmica. Amanhã 26/10/15 vou apresentá-la .Espero que seja positivamente "sentida".
Um abraço